Intervenção do Deputado
António Filipe
Situação internacional
25 de Setembro de 2001
Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhores membros do Governo,
Senhores Deputados,
Já tudo foi dito sobre os terríveis acontecimentos de 11 de Setembro último. Os tenebrosos actos terroristas que nesse dia ceifaram a vida a milhares de pessoas chocaram-nos profundamente, suscitaram a nossa indignação, motivaram da parte do PCP uma reacção de firme repúdio e de frontal e inequívoca condenação.
Repúdio e condenação sem equívocos que aqui reafirmo, e que é extensiva a todas manifestações de terrorismo, em todas as latitudes e sob quaisquer pretextos. Todos aqueles que, sob qualquer capa, recorrem ao assassínio de pessoas inocentes para atingir os seus fins, sejam eles quais forem, só podem contar com o nosso repúdio. Perante as acções de barbárie em que invariavelmente se traduzem os actos de terrorismo, a nossa solidariedade é, e será sempre, para com as vítimas.
A questão que hoje se coloca perante todos nós é a da resposta mais eficaz a dar ao terrorismo. A este respeito, têm-se levantado as mais diversas vozes e têm sido proferidos os mais diversos discursos. Os falcões da guerra ameaçam levantar voo; fazem-se ouvir inflamados apelos à retaliação militar; fala-se em cruzadas e em guerras santas; mas ouvem-se também, vindas de muitos quadrantes políticos e de muitas latitudes, vozes que apelam à razão e que recusam embarcar em desvarios militaristas e securitários que não só não protegeriam a Humanidade do terrorismo, como seguramente levariam a água ao moinho dos próprios terroristas.
O PCP condena sem equívocos qualquer forma de terrorismo, mas não aceita ficar refém, nem da reacção maniqueísta de George W. Bush, segundo a qual, ou se está com ele ou se está com os terroristas; nem da estratégia daqueles que, agora a pretexto do combate ao terrorismo, procuram legitimar restrições às liberdades democráticas e à soberania dos Estados que de há muito tencionam impôr.
Mais: O PCP não legitima o terrorismo nem o desculpabiliza, e por isso mesmo, não abdica de reflectir sobre as causas e não aceita a chantagem sobre as consciências que alguns procuram impor, inculcando a ideia de que qualquer reflexão séria sobre as causas e as verdadeiras responsabilidades da eclosão dos fundamentalismos e do terrorismo, fica proibida, por ser contrária à nova cruzada que irracionalmente procuram lançar.
Ninguém que, com um mínimo de seriedade e bom senso, se preocupe justamente com a ameaça que o terrorismo representa, não para esta ou aquela civilização, mas para o conjunto da Humanidade, pode deixar de associar os acontecimentos de 11 de Setembro ao quadro de profunda instabilidade que o Mundo atravessa.
Afirmar que a eclosão dos fundamentalismos e que o ameaçador poderio do crime organizado encontram o caldo de cultura adequado numa situação mundial em que se acentuam as desigualdades de desenvolvimento, em que centenas de milhões de pessoas vêem negado o acesso a condições mínimas de subsistência; em que se fomentam os conflitos regionais; e em que os beneficiários do crime organizado utilizam a seu favor a desregulação forçada das economias e a liberalização absoluta dos movimentos de capitais; e afirmar que as pessoas que pereceram nos escombros de Nova Iorque também foram vítimas dos monstros criados ao longo dos anos pela política imposta ao Mundo pelos próprios Estados Unidos, não é pactuar com o terrorismo. Bem pelo contrário. Não se pode combater com seriedade o terrorismo escondendo a cabeça na areia para não querer saber das suas verdadeiras causas. Porque se o objectivo é mesmo erradicar e prevenir o terrorismo é precisamente sobre essas causas que é preciso actuar.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Entendemos que a ameaça global que o terrorismo representa exige uma resposta firme assente num esforço coerente de todos os Estados e na cooperação internacional baseada no respeito mútuo e numa séria conjugação de esforços. Rejeitamos firmemente qualquer ideia de que o que está em causa é um choque de civilizações. Consideramos perigosa e incendiária qualquer ideia de uma nova "Cruzada" contra os "infiéis". E recusamos dar assentimento a supostas retaliações militares cuja única consequência seria aumentar a já longa lista de vítimas inocentes.
A resposta a dar à complexa situação internacional que está criada, passa, por algumas questões centrais, que queremos sublinhar em particular:
Entendemos, em primeiro lugar, que a luta contra o terrorismo exige uma acrescida cooperação no combate à criminalidade organizada em que ele se insere e que, como é sabido, estende os seus tentáculos numa escala supranacional. Não haverá combate eficaz ao terrorismo sem que haja coerência no combate ao branqueamento de capitais, ao tráfico de drogas, de armas e de seres humanos, a todas as formas de que hoje se reveste a criminalidade altamente organizada, e sem que as organizações criminosas sejam implacavelmente privadas dos meios financeiros que as suportam e que circulam sem quaisquer peias pelo sistema financeiro internacional. A este respeito, não é de mais saudar o facto de ainda na passada semana esta Assembleia ter aprovado um conjunto de iniciativas legislativas relacionadas com esta matéria.
Entendemos, em segundo lugar, que qualquer resposta internacional ao terrorismo deve ser dada no respeito pelo Direito Internacional, e em particular pela Carta das Nações Unidas e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. Se o combate que temos de travar é entre a civilização e a barbárie, não o podemos fazer deitando pela borda fora as melhores aquisições do nosso património civilizacional. Não existe na Carta das Nações Unidas nenhum direito à retaliação unilateral. Se é verdade que o atentado contra o World Trade Center não foi uma agressão militar aos Estados Unidos, mas foi verdadeiramente um crime contra a Humanidade, a resposta a dar, deve ser dada segundo as regras que foram universalmente adoptadas na sequência da maior catástrofe que a Humanidade alguma vez conheceu.
Assim como o combate ao crime deve ser feito nos termos da lei, também qualquer acção militar tendo como alvo o terrorismo internacional deve ser feito no respeito pela legalidade internacional. Consideramos por isso condenável e perigosa a atitude adoptada unilateralmente pelos Estados Unidos de pré-anunciar uma resposta militar retaliatória e discordamos frontalmente da decisão do Governo Português de autorizar a utilização da Base das Lages para acções militares dos Estados Unidos, à margem da ONU, sem garantias, e com objectivos que não estão sequer definidos. Esta decisão é incompatível com a autonomia de decisão que o nosso país deve ter e contraria mesmo afirmações recentes do senhor Primeiro Ministro de recusa de uma "histeria belicista" contra "inimigos imaginários".
Em terceiro lugar, entendemos que a resposta global ao terrorismo e a todos os fundamentalismos não é, nem poderá ser, uma resposta militar, mas uma resposta política. Não há resposta unilateral para um problema que é por natureza multilateral.
Em quarto lugar, consideramos decisivo assegurar que a pretexto da luta contra o terrorismo não sejam minados os alicerces em que assenta a própria democracia. Não está em causa a necessidade de serem adoptadas as medidas de segurança destinadas a prevenir atentados, designadamente nas fronteiras e nos aeroportos. Não está em causa a necessidade de serem reforçados serviços destinados a garantir a segurança dos cidadãos contra a criminalidade organizada à escala nacional ou internacional. Tudo isso é evidentemente justificado.
O que já não tem justificação e contará com a nossa firme oposição, é o desvario securitário que se acentuou nas últimas semanas e que utiliza a luta contra o terrorismo como pretexto para pôr em causa as liberdades públicas e para limitar, de forma inaceitável, direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Não se pense que a questão é nova. De há muito que as forças de direita e de extrema-direita prosseguem estes objectivos. Por detrás do discurso securitário procuram legitimar-se actuações repressivas de carácter fascizante como a que a polícia de Berlusconi protagonizou em Génova. Por detrás do discurso do combate ao crime procura justificar-se a demolição de um edifício garantístico conquistado pela luta de sucessivas gerações contra a arbitrariedade policial, de que é exemplo entre nós, o direito à inviolabilidade do domicílio à noite. Por detrás do discurso sobre o espaço de justiça, liberdade e segurança, procura legitimar-se a construção de uma fortaleza xenófoba e pôr em causa o Direito de um Estado como o Português de recusar a extradição de qualquer cidadão sobre o qual impenda a ameaça da prisão perpétua.
Não é aceitável que os trágicos acontecimentos de 11 de Setembro e o clima emocional que compreensivelmente se lhe seguiu e que de certo modo ainda perdura, sejam aproveitados de uma forma oportunista para conseguir tais desígnios. A luta contra o terrorismo tem de ser uma luta pela democracia e em defesa dos direitos, liberdades e garantias que a distinguem dos regimes autoritários. E esta luta também tem de ser travada sem hesitações e sem equívocos.
Pela nossa parte, PCP, estamos firmemente empenhados no combate ao terrorismo e à alta criminalidade, com a mesma convicção com que combatemos quaisquer acções arbitrárias que conduzam a uma escalada da violência e da guerra, e com que lutamos pela democracia, pela justiça e pela resolução pacífica dos problemas mundiais.
Disse.