Debate sobre o Sector Têxtil e do Vestuário
Intervenção de Honório Novo
Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Economia e da Inovação,
V. Ex.ª começou
por dizer que tinha muita honra em participar num debate sobre um tema de importância para a economia
nacional como este.
É verdade! Deixe-me, por isso, fazer este registo: se o Governo considerava este tema detanta importância, só é pena que este debate ocorra não por sua iniciativa mas por iniciativa do Partido
Comunista Português.
O Sr. Ministro considera que fez tudo o que devia fazer para atacar o problema com que nos
estamos a deparar, que insistiu junto da Comissão Europeia, formalizou pedidos, etc., etc. É uma atitude de
auto-satisfação, Sr. Ministro, que tenho pena de não acompanhar e que receio bem que não seja
acompanhada por ninguém neste país que tenha estado atento ao problema nos últimos meses.
Em 26 de Abril, a Comissão Europeia anunciou uma série de medidas para avançar com as cláusulas de
salvaguarda. Pergunto se foi preciso esperar até esta data para colocar a questão junto da Comissão
Europeia, Sr. Ministro.
Foi preciso esperar que a Comissão dissesse quais eram os critérios para que o Governo
português considerasse que havia uma situação grave e que valia a pena ter insistido na publicação desses
critérios não em Abril mas logo em Janeiro, quando se começou a verificar a situação.
Sr. Ministro, lamento dizer-lhe, mas, de duas, uma, há uma pessoa que falta à verdade, ou é
o Sr. Ministro ou o Sr. Comissário Mandelson, porque, num jornal de referência deste país, no dia 26 de Abril,
um porta-voz do Sr. Mandelson dizia que aguardavam ainda um pedido formal para poderem actuar, de
qualquer Estado-membro, portanto, suponho, incluindo do Governo português.
Sr. Ministro, por que é que só depois desta data em que a Comissão Europeia anuncia um processo formal,
relacionado com nove produtos, é que o Governo português descobre que, afinal, o processo não pode ser
formal, tem de ser um processo de urgência? E por que é que só nessa altura, em finais de Abril, é quedescobre que não devem ser nove, mas 22, os produtos a serem observados e fiscalizados nas suas
incidências relativamente à exportação?
Finalmente, Sr. Ministro, deixe-me dizer-lhe que, hoje, vem nos jornais a notícia de que a Comissão
Europeia divulgou o processo de urgência relativamente a apenas dois produtos, dos 22 que interessam a
Portugal. E o Sr. Ministro vem dizer-nos, segundo aquilo que podemos ler nos jornais, que pensa que esta
medida é positiva. Pois olhe, Sr. Ministro, fique-se com a sua, eu fico-me com a minha! É positiva, mas é
profundamente atrasada e completamente insuficiente!
E o que espanta…
Concluo, Sr. Presidente, com esta afirmação: o que espanta é que o Sr. Ministro venha aqui,
hoje, dizer que ainda vai estar à espera de outras evidências e que só verificadas estas evidências é que vai requerer o processo de urgência em relação aos outros 20
produtos que atacam e prejudicam tanto a economia nacional!
Aplausos do PCP.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Luís Braga da Cruz:
Ouvi-o com atenção e
verifiquei que é de opinião que a situação do sector do têxtil e do vestuário está longe de se encontrarestabilizada. Aqui está uma ideia positiva, que precisa de uma atenção que, confesso-lhe, não vi na
intervenção do Sr. Ministro. Vi-a mais na sua, que nos apresentou uma série de medidas mais ou menos
discutíveis — mas apresentou-as — do que na do Sr. Ministro, que sobre essa matéria nada disse.
Inclusivamente, assistimos a esta curiosidade: questionado pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes sobre os
meios financeiros que tinha para a reconfiguração do Programa Dínamo repetiu o plano tecnológico. Ora, por
aí já sabemos que não resolveremos o problema.
A questão é esta — e coloco-a porque abordou aqui o problema da concorrência externa e interna: ao nível
interno, nas medidas que propôs (e não sei se o Governo estará de acordo com elas, mas terá ainda a
oportunidade de o dizer perante a Câmara) nada ouvi sobre uma atitude de intervenção (porque é de
intervenção que se trata) muito importante para impedir actos de concorrência desleal interna. A que é que me
refiro? Apesar de tudo, refiro-me a importações ilegais, a importações ou circulação interna de produtos têxteis
sem qualidade, sem proveniência de origem, quando não em evidente fraude e contrafacção.
E sobre esta matéria, que corresponde também a um importante ataque às empresas que estão no terreno
a trabalhar seriamente, quer o Sr. Deputado Luís Braga da Cruz quer o Sr. Ministro da Economia e da
Inovação — por maioria de razão, porque, de facto, ouvimos muito pouco ou nada do Governo — nada
disseram, nada!
Assim, coloco-lhe a questão: o que é que o Sr. Deputado considera que deveria ser uma atitude não
apenas de fiscalização, mas interventiva que impedisse a concorrência desleal interna?
(...)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Caríssimos Colegas:
Comprovou-se a razão de ser e a utilidade deste debate proposto pelo Partido Comunista Português. Quanto
mais não fosse porque esteve na génese, próxima ou remota, da apresentação muito recente de dois
projectos de resolução sobre a indústria têxtil, que se juntarão a um outro que o PCP já entregara no dia 11 de
Março deste ano.
A gravidade da situação justificava o debate. A gravidade da situação continua a justificar que a análise e o
acompanhamento das questões económicas e sociais relacionadas com a indústria do têxtil e do vestuário
passem a merecer da parte do Governo uma atenção permanente que, infelizmente, não tem tido. É
fundamental (e não tem ocorrido no passado menos recente, no passado mais recente e também nos últimos
tempos) que o Governo mantenha o País plenamente informado e assuma perante a Assembleia da República
uma permanente atitude de debate sobre um sector produtivo que é fundamental, que é determinante no
sector exportador e que assegura, apesar de tudo, cerca de 200 000 postos de trabalho.
Este debate — e a sua preparação, seja a nível do abaixo-assinado de 20 000 pessoas, que ontem deu
entrada nesta Assembleia, seja a nível de muitos contactos e diversas visitas havidas com vários sindicatos e
federações sindicais e igualmente com associações empresariais — justificou-se apesar das reticências,
apesar das dúvidas, apesar, até, de alguma maledicência, que esperamos, sinceramente, terem sido desfeitas
e que esperamos não ouvir repetidas jamais nem que sejam sob a forma de aspirinas, de alguns sectores,
alguns mesmo reclamando-se de esquerda que parece, ou pareciam, estar mais preocupados com eventuais
actos de proteccionismo do que com o futuro imediato e cruel de cerca de 800 000 trabalhadores portugueses,
que poderão perder o seu posto de trabalho e que, no conjunto dos responsáveis pela actual situação, nãoconseguem sequer descortinar os sucessivos governos. Quanto a nós, PCP, são eles, os sucessivos
governos, que têm tido a responsabilidade maior pela actual situação.
Aplausos do PCP.
Não obstante algumas iniciativas que o Governo tomou junto da União Europeia, a verdade é que não é
possível — e este debate comprovou-o — esconder ou desfazer a ideia clara de que o Governo chegou
atrasado ou, no mínimo, andou a reboque de outros países para os quais o sector têxtil e do vestuário tem até
menor relevância económica e importância social do que em Portugal.
Já nem se fala da Comissão Europeia, pois a sua posição não mudou e já não espanta ninguém. Em
Outubro de 2004, disse que iria analisar a questão até final desse ano; depois adiou e só aprovou os critérios
em Abril; ontem mesmo, anunciava, como se fosse um enorme avanço, que seriam adoptadas medidas contra
as importações de dois, apenas dois, produtos.
A posição da Comissão Europeia, o seu funcionamento burocrático, teve — e tem — objectivos precisos
que já conhecíamos e que hoje foram de novo explicitados: adiar decisões, garantir que outros sectores
produtivos da União Europeia, que não interessam fundamentalmente a Portugal, tenham mercado
assegurado, mesmo que à custa da destruição, ou quase, do sector têxtil e do vestuário português. E, Sr.
Ministro, isto é o que poderá suceder se as cláusulas de salvaguarda forem accionadas em Setembro,
Outubro, Novembro ou Dezembro deste ano.
Esta posição da Comissão Europeia é a razão acrescida para uma intervenção formal enérgica do Governo
português, que deveria ter assumido a liderança do processo, e isso manifestamente não aconteceu. Esta é
uma crítica a que o Governo português não escapa e que este debate veio confirmar. Oxalá esta atitude
passiva não venha a ter consequências drásticas.
Neste contexto e como conclusão deste debate que não podemos deixar de tirar é que é tempo de o
Governo agir com mais firmeza na defesa dos interesses portugueses.
Finalmente, Srs. Deputados, uma última conclusão: as cláusulas de salvaguarda, mesmo que venham a
ser accionadas, têm um alcance temporal limitado: terminarão em 2008. É fundamental que estes quase
quatro anos sejam aproveitados, é essencial que outras medidas para promover a diversificação sejam
adoptadas, que elas sejam caracterizadas de forma transparente, dotadas de meios financeiros adequados,
explicitamente calendarizadas e rigorosamente acompanhadas, e fiscalizadas, pelos parceiros sociais.
Para além destas medidas, é necessário que seja desenvolvida uma política firme e permanente de
fiscalização à importação ilegal sem qualidade, sem proveniência de origem ou que constitua fraude ou
contrafacção.
Por fim, é absolutamente essencial que sejam criados mecanismos sociais, específicos, para atender a
uma situação
social que pode atingir valores e dimensões verdadeiramente dramáticas.
É a isto que o Governo fica politicamente obrigado a fazer depois deste debate e é sobre a sua acção
concreta que o País e nos próprios, PCP, permaneceremos atentos e vigilantes, porque assim o exigem os
trabalhadores e a economia nacional.