Debate sobre o Sector Têxtil e do Vestuário
Intervenção de Honório Novo
18 de Maio de 2005

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Economia e da Inovação,

V. Ex.ª começou por dizer que tinha muita honra em participar num debate sobre um tema de importância para a economia nacional como este.

É verdade! Deixe-me, por isso, fazer este registo: se o Governo considerava este tema detanta importância, só é pena que este debate ocorra não por sua iniciativa mas por iniciativa do Partido Comunista Português.

O Sr. Ministro considera que fez tudo o que devia fazer para atacar o problema com que nos estamos a deparar, que insistiu junto da Comissão Europeia, formalizou pedidos, etc., etc. É uma atitude de auto-satisfação, Sr. Ministro, que tenho pena de não acompanhar e que receio bem que não seja acompanhada por ninguém neste país que tenha estado atento ao problema nos últimos meses.

Em 26 de Abril, a Comissão Europeia anunciou uma série de medidas para avançar com as cláusulas de salvaguarda. Pergunto se foi preciso esperar até esta data para colocar a questão junto da Comissão Europeia, Sr. Ministro.

Foi preciso esperar que a Comissão dissesse quais eram os critérios para que o Governo português considerasse que havia uma situação grave e que valia a pena ter insistido na publicação desses critérios não em Abril mas logo em Janeiro, quando se começou a verificar a situação.

Sr. Ministro, lamento dizer-lhe, mas, de duas, uma, há uma pessoa que falta à verdade, ou é o Sr. Ministro ou o Sr. Comissário Mandelson, porque, num jornal de referência deste país, no dia 26 de Abril, um porta-voz do Sr. Mandelson dizia que aguardavam ainda um pedido formal para poderem actuar, de qualquer Estado-membro, portanto, suponho, incluindo do Governo português.

Sr. Ministro, por que é que só depois desta data em que a Comissão Europeia anuncia um processo formal, relacionado com nove produtos, é que o Governo português descobre que, afinal, o processo não pode ser formal, tem de ser um processo de urgência? E por que é que só nessa altura, em finais de Abril, é quedescobre que não devem ser nove, mas 22, os produtos a serem observados e fiscalizados nas suas
incidências relativamente à exportação?

Finalmente, Sr. Ministro, deixe-me dizer-lhe que, hoje, vem nos jornais a notícia de que a Comissão Europeia divulgou o processo de urgência relativamente a apenas dois produtos, dos 22 que interessam a Portugal. E o Sr. Ministro vem dizer-nos, segundo aquilo que podemos ler nos jornais, que pensa que esta medida é positiva. Pois olhe, Sr. Ministro, fique-se com a sua, eu fico-me com a minha! É positiva, mas é
profundamente atrasada e completamente insuficiente!

E o que espanta…

Concluo, Sr. Presidente, com esta afirmação: o que espanta é que o Sr. Ministro venha aqui, hoje, dizer que ainda vai estar à espera de outras evidências e que só verificadas estas evidências é que vai requerer o processo de urgência em relação aos outros 20
produtos que atacam e prejudicam tanto a economia nacional!
Aplausos do PCP.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Luís Braga da Cruz:

Ouvi-o com atenção e verifiquei que é de opinião que a situação do sector do têxtil e do vestuário está longe de se encontrarestabilizada. Aqui está uma ideia positiva, que precisa de uma atenção que, confesso-lhe, não vi na intervenção do Sr. Ministro. Vi-a mais na sua, que nos apresentou uma série de medidas mais ou menos discutíveis — mas apresentou-as — do que na do Sr. Ministro, que sobre essa matéria nada disse.

Inclusivamente, assistimos a esta curiosidade: questionado pelo Sr. Deputado Agostinho Lopes sobre os meios financeiros que tinha para a reconfiguração do Programa Dínamo repetiu o plano tecnológico. Ora, por aí já sabemos que não resolveremos o problema.

A questão é esta — e coloco-a porque abordou aqui o problema da concorrência externa e interna: ao nível interno, nas medidas que propôs (e não sei se o Governo estará de acordo com elas, mas terá ainda a oportunidade de o dizer perante a Câmara) nada ouvi sobre uma atitude de intervenção (porque é de intervenção que se trata) muito importante para impedir actos de concorrência desleal interna. A que é que me refiro? Apesar de tudo, refiro-me a importações ilegais, a importações ou circulação interna de produtos têxteis sem qualidade, sem proveniência de origem, quando não em evidente fraude e contrafacção.

E sobre esta matéria, que corresponde também a um importante ataque às empresas que estão no terreno a trabalhar seriamente, quer o Sr. Deputado Luís Braga da Cruz quer o Sr. Ministro da Economia e da Inovação — por maioria de razão, porque, de facto, ouvimos muito pouco ou nada do Governo — nada disseram, nada!

Assim, coloco-lhe a questão: o que é que o Sr. Deputado considera que deveria ser uma atitude não apenas de fiscalização, mas interventiva que impedisse a concorrência desleal interna?


(...)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Caríssimos Colegas:


Comprovou-se a razão de ser e a utilidade deste debate proposto pelo Partido Comunista Português. Quanto mais não fosse porque esteve na génese, próxima ou remota, da apresentação muito recente de dois projectos de resolução sobre a indústria têxtil, que se juntarão a um outro que o PCP já entregara no dia 11 de Março deste ano.

A gravidade da situação justificava o debate. A gravidade da situação continua a justificar que a análise e o acompanhamento das questões económicas e sociais relacionadas com a indústria do têxtil e do vestuário passem a merecer da parte do Governo uma atenção permanente que, infelizmente, não tem tido. É fundamental (e não tem ocorrido no passado menos recente, no passado mais recente e também nos últimos
tempos) que o Governo mantenha o País plenamente informado e assuma perante a Assembleia da República uma permanente atitude de debate sobre um sector produtivo que é fundamental, que é determinante no sector exportador e que assegura, apesar de tudo, cerca de 200 000 postos de trabalho.

Este debate — e a sua preparação, seja a nível do abaixo-assinado de 20 000 pessoas, que ontem deu entrada nesta Assembleia, seja a nível de muitos contactos e diversas visitas havidas com vários sindicatos e federações sindicais e igualmente com associações empresariais — justificou-se apesar das reticências, apesar das dúvidas, apesar, até, de alguma maledicência, que esperamos, sinceramente, terem sido desfeitas e que esperamos não ouvir repetidas jamais nem que sejam sob a forma de aspirinas, de alguns sectores, alguns mesmo reclamando-se de esquerda que parece, ou pareciam, estar mais preocupados com eventuais actos de proteccionismo do que com o futuro imediato e cruel de cerca de 800 000 trabalhadores portugueses, que poderão perder o seu posto de trabalho e que, no conjunto dos responsáveis pela actual situação, nãoconseguem sequer descortinar os sucessivos governos. Quanto a nós, PCP, são eles, os sucessivos
governos, que têm tido a responsabilidade maior pela actual situação. Aplausos do PCP.

Não obstante algumas iniciativas que o Governo tomou junto da União Europeia, a verdade é que não é possível — e este debate comprovou-o — esconder ou desfazer a ideia clara de que o Governo chegou atrasado ou, no mínimo, andou a reboque de outros países para os quais o sector têxtil e do vestuário tem até menor relevância económica e importância social do que em Portugal.

Já nem se fala da Comissão Europeia, pois a sua posição não mudou e já não espanta ninguém. Em Outubro de 2004, disse que iria analisar a questão até final desse ano; depois adiou e só aprovou os critérios em Abril; ontem mesmo, anunciava, como se fosse um enorme avanço, que seriam adoptadas medidas contra as importações de dois, apenas dois, produtos.

A posição da Comissão Europeia, o seu funcionamento burocrático, teve — e tem — objectivos precisos que já conhecíamos e que hoje foram de novo explicitados: adiar decisões, garantir que outros sectores produtivos da União Europeia, que não interessam fundamentalmente a Portugal, tenham mercado assegurado, mesmo que à custa da destruição, ou quase, do sector têxtil e do vestuário português. E, Sr. Ministro, isto é o que poderá suceder se as cláusulas de salvaguarda forem accionadas em Setembro, Outubro, Novembro ou Dezembro deste ano.

Esta posição da Comissão Europeia é a razão acrescida para uma intervenção formal enérgica do Governo português, que deveria ter assumido a liderança do processo, e isso manifestamente não aconteceu. Esta é uma crítica a que o Governo português não escapa e que este debate veio confirmar. Oxalá esta atitude passiva não venha a ter consequências drásticas.

Neste contexto e como conclusão deste debate que não podemos deixar de tirar é que é tempo de o Governo agir com mais firmeza na defesa dos interesses portugueses.

Finalmente, Srs. Deputados, uma última conclusão: as cláusulas de salvaguarda, mesmo que venham a ser accionadas, têm um alcance temporal limitado: terminarão em 2008. É fundamental que estes quase quatro anos sejam aproveitados, é essencial que outras medidas para promover a diversificação sejam adoptadas, que elas sejam caracterizadas de forma transparente, dotadas de meios financeiros adequados, explicitamente calendarizadas e rigorosamente acompanhadas, e fiscalizadas, pelos parceiros sociais.

Para além destas medidas, é necessário que seja desenvolvida uma política firme e permanente de fiscalização à importação ilegal sem qualidade, sem proveniência de origem ou que constitua fraude ou contrafacção.

Por fim, é absolutamente essencial que sejam criados mecanismos sociais, específicos, para atender a uma situação social que pode atingir valores e dimensões verdadeiramente dramáticas.

É a isto que o Governo fica politicamente obrigado a fazer depois deste debate e é sobre a sua acção concreta que o País e nos próprios, PCP, permaneceremos atentos e vigilantes, porque assim o exigem os trabalhadores e a economia nacional.