Defesa do Sector Têxtil e do Vestuário
Intervenção de Agostinho Lopes
13 de Abril de 2005
A situação, a dramática situação que se vive no Sector Têxtil e do Vestuário, está visível aos olhos de todos. Só não vê quem o não queira ver. As consequências, dramáticas consequências, senhores deputados, são conhecidas. Sobretudo por todos aqueles que as conhecem por as sentirem na própria pele. Em primeiro lugar, os trabalhadores e as trabalhadoras. Mas também centenas de micro, pequenos e médios empresários.
As pessoas interrogam-se: Vai acabar tudo? Quem põe cobro a isto?
As causas desta situação também são conhecidas. Umas, que vêm de longe, estruturais, ancoradas nas políticas económicas e europeias de sucessivos governos, que «produziram» um modelo de mão-de-obra barata e intensiva, afunilado em produções de baixo valor acrescentado, com algumas, ainda que significativas, excepções. Políticas que despenderam milhões de contos de fundos comunitários e nacionais (PEDIP, IMIT, RETER, PRIME, DINAMO) e se mostraram não só totalmente incapazes de romper com o modelo, como acabaram por o consolidar e engrossar, apesar das já referidas excepções.
As causas imediatas da situação têm tido outra visibilidade mediática. O processo de liberalização total do comércio internacional no âmbito do Acordo do Têxtil e Vestuário da Organização Mundial do Comércio (OMC) de 1995, amplificado pela entrada da China na OMC em 2001. Processos que não foram acompanhados das medidas necessárias para superar o modelo referido. Antes agravaram a situação de dependência e subcontratação de parte significativa do sector.
É uma evidência que a necessária resposta à situação, pelo «peso pesado» que o sector continua a ser para a economia portuguesa, por ser a questão do têxtil e do vestuário uma questão nacional, não pode ser deixada para que o «mercado resolva». Como parece ser a proposta mais ou menos assumida, de alguns. Só assim se compreende a passividade e lentidão, a falta de iniciativa, de coragem e de inépcia com que, ao longo dos últimos anos, e em particular durante 2003 e 2004, com mais acuidade nos últimos meses de 2004 e os já decorridos de 2005, os governos PSD/CDS-PP e agora do PS agiram e vão agindo.
Espantosamente surdos aos avisos e reclamações das associações sindicais e empresariais, em assinalável esforço de convergência e consenso na defesa do sector. Sucessivos governos positivamente à espera da Comissão Europeia. À espera que a Comissão Europeia se resolva a tomar as decisões necessárias para defender os têxteis portugueses.
À espera de uma Comissão Europeia que já mostrou e demonstrou que as suas preocupações não são as empresas têxteis e do vestuário europeias. Bem pelo contrário. Como é fácil de ver pelo desenrolar do «filme» sobre as orientações comunitárias para o desencadeamento das Cláusulas de Salvaguarda previstas no Regulamento (CE) N.º 138/2003, do Conselho de 21 de Janeiro de 2003.
As dificuldades da Comissão, por exemplo em matéria de monitorização das importações são tão grandes que, justificadamente, se suspeita que nunca conseguirá provar a perturbação do mercado... à espera de quando não haja empresas e produções a perturbar!
À espera da Comissão, o Governo PS limitou-se, tanto quanto se sabe, através de uma carta do ministro da Economia, a manifestar preocupações... sem ter até hoje assumido o pedido formal e oficial à UE do accionamento das Cláusulas de Salvaguarda. O que é completamente inaceitável.
De nada adiantarão medidas quando as fábricas tiverem fechado!
É também uma evidência que as Cláusulas de Salvaguarda não serão, certamente, a «salvação» dos têxteis portugueses, até pela sua natureza temporária. Mas, na actual conjuntura, poderão ter um efeito amortecedor não negligenciável sobre os impactos negativos de um «choque de importações» e ganhos de tempo na tomada de outras necessárias medidas relativamente à competitividade do sector no mercado interno e externo.
É necessário agir com urgência. Em Portugal e na UE. Reclamando na UE de forma peremptória o accionamento das Cláusulas de Salvaguarda. Mas também reclamando a criação de um programa comunitário – com adequados meios de apoio – para o sector têxtil e do vestuário.
Agindo em Portugal para uma reestruturação do sector, partindo do que há – emprego e empresas. O que não significa ficar amarrado ao que existe. Significa defender o desenvolvimento de todas as empresas susceptíveis de viabilidade económica. Significa investir na sua organização, cooperação e agrupamento. Significa diversificar o tecido produtivo alterando o perfil de especialização. Significa a implantação de novas empresas que incorporem inovação, novos produtos e novas tecnologias. Significa produzir um salto na qualidade e valor acrescentado da produção.
Significa partir para dinâmicas de políticas económicas integradas que permitam romper com o círculo vicioso de uma competitividade (impossível), baseada em baixos salários e precariedade de mão-de-obra. Significa definir com rigor um novo quadro legal e disponibilidades financeiras (Orçamento do Estado/Fundos Comunitários) para a possível e necessária recuperação de empresas e sectores de actividade.
Significa combater as deslocalizações e defender o mercado nacional no quadro das regras comunitárias.
Que não hajam ilusões. Não se pode pretender responder ao desemprego deixando crescer o desemprego, deixando destruir o emprego que há.
O sector têxtil e do vestuário não pode esperar mais. Senão, será a última vez que espera !
Disse.
(...)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Obrigado pelas questões que me colocaram.
De facto, o Partido Socialista anunciou, durante a campanha eleitoral, a criação de 150 000 novos postos de trabalho e, nessa mesma altura, afirmámos que era muito importante o que se propunha, mas que gostaríamos de saber qual seria o saldo, no fim da legislatura, em função do conjunto de processos económicos que estão em curso, concretamente no sector têxtil e do vestuário.
Por exemplo, segundo estudos de gabinetes especializados no assunto, os processos em curso apontam para que, nos próximos anos, só no sector têxtil, se percam 75 000 postos de trabalho, o que equivale a 50% dos postos de trabalho que o PS se propunha criar, aquando da campanha eleitoral.
Depois, interpelaram-me sobre a questão sempre conhecida do dumping social praticado pela China. Esta é certamente uma questão muito importante para a China e outros países e que significa, no fundamental, a defesa da respectiva economia na base da política de salários que é praticada nesses países.
Para nós, neste momento, o problema não é o do papel desempenhado pela China mas, sim, o de saber qual é a intervenção do Governo português no que diz respeito à defesa do sector têxtil e do vestuário. Desse ponto de vista, o que temos visto é zero! Até 20 de Fevereiro, com o governo do PSD/CDS-PP, vimos zero e, até hoje, com o Governo do Partido Socialista, vemos zero!
O Sr. Deputado Emídio Guerreiro questionou-me sobre como podemos dar a volta a este problema.
A primeira conclusão que penso que tanto o PSD como o PS poderão tirar, por termos chegado onde chegámos, é a de que as políticas económicas prosseguidas ao longo destes últimos anos, inclusive no que respeita à aplicação dos fundos comunitários, não foram capazes de responder aos problemas do sector. Pelo contrário, como assinalei, consolidaram o modelo, hoje reconhecido por todos, de mão-de-obra barata, precária, produzindo produtos de baixo valor acrescentado.
O Sr. Deputado quer que lhe dê respostas e soluções concretas.
Assim, poderia falar, por exemplo, na necessidade de uma significativa inversão na política de atribuição de fundos comunitários para o sector económico, política esta que privilegie fundamentalmente as micro e as pequenas empresas, contrariamente ao que vem acontecendo nos últimos anos.
Poderia falar-lhe, ainda, de outros factores de competitividade que são esquecidos sempre que se fala do sector têxtil: os custos do crédito bancário; os custos das telecomunicações; os custos da energia eléctrica; os custos dos transportes.
Ora, conhecendo nós, como conhecemos — foram tornados públicos recentemente —, os vultosos lucros dos sectores bancário e segurador no nosso país, os vultosos lucros da EDP, da Petrogal, da PT, da Brisa e de outras empresas concessionárias de auto-estradas, podemos pensar que há boa margem de manobra para qualquer governo intervir relativamente aos custos deste sector que afectam significativamente o conjunto do tecido económico produtivo deste país.
Ou será que o Sr. Deputado Emídio Guerreiro pensa que, por exemplo, no distrito de Braga, o elevadíssimo valor da portagem paga na auto-estrada entre Braga e Guimarães e, também, a que é paga no troço entre a A11 e o IC14, de Barcelos a Braga, inaugurado no último domingo, nada tem a ver com a competitividade do sector têxtil?