Projecto de Lei n.º 311/VII, que garante aos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal o acesso ao emprego em condições de igualdade
Intervenção do deputado António Filipe
17 de Dezembro de 1997

 

Senhor Presidente,
Senhores membros do Governo,
Senhores Deputados,

O Projecto de Lei que o Grupo Parlamentar do PCP apresenta a esta Assembleia tem um conteúdo muito objectivo e decorre de um imperativo constitucional. Trata-se de revogar o decreto-lei que desde 1977 proíbe as empresas de contratar cidadãos não nacionais em número superior a 10% dos trabalhadores ao seu serviço. Propõe-se assim a adequação da lei ordinária ao que dispõe a Constituição em matéria de igualdade de direitos entre os cidadãos nacionais e estrangeiros, garantindo a todos os trabalhadores residentes em Portugal o acesso ao trabalho em condições de igualdade.

O PCP apresenta este projecto de lei porque defende uma adequada inserção social dos imigrantes que residem e trabalham em Portugal e porque considera que a legalidade das relações de trabalho é um aspecto fundamental da inserção social. O decreto-lei ainda em vigor, não tendo em conta a realidade de diversos sectores económicos que recorrem a um número muito significativo de trabalhadores originários de países da CPLP constitui um poderoso incentivo ao trabalho clandestino, sem direitos e sem qualquer protecção social. Esta situação não é aceitável. É preciso acabar com os pretextos legais para a discriminação no local de trabalho assegurando direitos iguais a todos os trabalhadores.

O que acabo de afirmar, também o Governo afirma no preâmbulo da Proposta de Lei que hoje apresenta. Só que aquilo que o Governo propõe é, na prática, muito diferente. Embora defenda teoricamente o fim da quota máxima de 10% de trabalhadores estrangeiros nas empresas, aquilo que o Governo propõe é a manutenção e o aperfeiçoamento dos mecanismos de discriminação do acesso de estrangeiros ao trabalho.

A Proposta de Lei do Governo mantém e agrava as dificuldades de acesso dos estrangeiros ao trabalho legal, impõe uma série de medidas burocráticas adicionais para a sua contratação, estabelece diferentes níveis de tratamento dos cidadãos estrangeiros, exige o registo prévio de todos os contratos de trabalho de estrangeiros no IDICT e o seu envio ao SEF e até impõe o pagamento de taxas para cada registo de contrato de trabalho. Do que se trata afinal, é de utilizar as relações de trabalho e as empresas como instrumentos de fiscalização policial da entrada, permanência ou residência de estrangeiros, tornando os trabalhadores estrangeiros em alvo permanente de suspeita e de vigilância policial.

O que o Governo pretende com esta proposta de lei é transformar as empresas em delegações do SEF, tratando todos os trabalhadores estrangeiros como potenciais delinquentes. Afirmando combater o trabalho clandestino, o Governo não faz mais do que favorecer na prática o seu crescimento.

Esta Proposta de Lei conjuga-se no entanto com a Proposta de Autorização Legislativa que vamos debater de seguida, acerca do regime legal de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional e que é de extraordinária gravidade.

Esta Proposta de Lei pretende tornar ainda pior a legislação sobre estrangeiros aprovada em 1993 por proposta de Cavaco Silva e Dias Loureiro. Este Governo leva tão longe a sua obediência cega aos Acordos de Schengen e às orientações dominantes na União Europeia que pretende fechar quase completamente as portas do nosso país à entrada de estrangeiros, sem qualquer respeito pelos laços especiais que devemos manter com os cidadãos de países da CPLP. O Governo faz o discurso da cooperação e da amizade, mas pretende levar à prática, com iniciativas como esta, uma política de hostilização destes povos.

O Governo pretende que as expulsões de cidadãos estrangeiros do território nacional possam ser executadas mesmo que tenha sido interposto recurso das respectivas decisões. Um cidadão cabo-verdiano ou angolano, ainda que viva em Portugal há muitos anos e tenha cá toda a sua família, pode ser expulso do país antes que um tribunal se pronuncie a título definitivo sobre a sua expulsão.

O Governo português pretende fazer a cidadãos de outros países de língua portuguesa precisamente o mesmo que as autoridades dos Estados Unidos da América têm feito a cidadãos portugueses que lá residem há dezenas de anos e que são expulsos para os Açores, onde não têm familiares nem sequer conhecidos. Esta atitude deplorável das autoridades norte-americanas relativamente a Portugal e a cidadãos que por razões legais ainda possuem nacionalidade portuguesa, tem sido justamente criticada aqui, na Assembleia da República, por diversos partidos. Como pode o governo português querer fazer o mesmo a cidadãos de outros países?

Esta proposta de lei do Governo trata todos os cidadãos estrangeiros como se fossem criminosos e sujeita todos os passos da sua vida, no trabalho, no estudo, na habitação, na identificação civil, à vigilância do SEF, transformado em super-polícia de estrangeiros. Mais: O Governo pretende considerar como crime de auxílio à imigração ilegal, sujeito a prisão, o simples facto de um cidadão português facilitar por qualquer forma a permanência ou o acolhimento em sua casa de um cidadão estrangeiro sem a situação perfeitamente regularizada. Se uma lei destas vigorasse em França há uns tempos atrás, o que teria sucedido aos cidadãos e às instituições religiosas que acolheram e defenderam os direitos dos chamados "sans papiers?"

O Governo pretende ainda impôr em Portugal mecanismos lamentáveis de delação obrigatória, ao propor que, quem ceder alojamento a cidadão estrangeiro tenha de o declarar ao SEF, à PSP ou à GNR no prazo de 3 dias, sob pena de graves sanções. Foi isso que o Governo de direita tentou introduzir em França há uns anos atrás, tendo sido derrotado nesse desígnio pela mobilização da opinião pública democrática.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

A contestação às propostas de lei que o Governo hoje aqui apresenta tem surgido de todos os quadrantes. Nos pareceres que enviaram a esta Assembleia, quer a CGTP, quer a UGT, criticam de forma contundente a proposta relativa ao trabalho de estrangeiros. Também no que se refere ao regime proposto para a entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros, muitas têm sido as vozes que se levantam, apelando à sua recusa pela Assembleia da República. É esse o apelo do movimento anti-racista e de todas as associações que integram o Secretariado Coordenador das Associações para a Legalização. Ainda recentemente, num debate público realizado na escola secundária Alfredo dos Reis Silveira, o Bispo de Setúbal designou como "iníquas" as propostas de lei hoje em discussão.

As propostas do Governo desmentem de forma flagrante o seu apregoado diálogo e respeito pelos direitos dos imigrantes. Manifestam intenções repressivas e discriminatórias. Não são aceitáveis numa sociedade democrática e num país de emigrantes espalhados pelo mundo.

A política deste Governo para a Imigração traduz-se numa profunda hipocrisia: Ao mesmo tempo que o Alto Comissário político para a Imigração e as Minorias Étnicas passa a vida a apregoar boas palavras e a comer cachupas com as associações de imigrantes, o Governo encarrega-se de pôr em prática uma política de grande hostilidade para com estes cidadãos.

O PCP não pactua com essa política e tudo fará para que os estrangeiros sejam tratados em Portugal com a dignidade que a sua condição de cidadãos exige.

Disse.