Política de imigração
Intervenção do Deputado António Filipe
27 de Junho de 2002
Senhor Presidente,
Senhores membros do Governo,
Senhores Deputados
Começo esta intervenção com uma citação que ainda não tem dois anos:
"O Governo sairá hoje daqui, aparentemente muito satisfeito, com a autorização legislativa que os senhores Deputados do PS e do CDS-PP lhe concedem para alterar as leis da imigração. Mas não terá grandes razões de satisfação, porque pelo caminho que leva esta autorização, o problema da imigração ilegal não deixará de se agravar, e mais cedo do que tarde, teremos de o voltar a discutir nesta Câmara, perante o mais que previsível fracasso desta nova legislação."
É a citação exacta do que, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, afirmámos nesta Assembleia em 29 de Julho de 2000, quando os Deputados do PS e do CDS-PP juntaram os seus votos para aprovar a lei de imigração que criou as "autorizações de permanência", afirmando nessa altura a disposição de criar um enquadramento legal do fenómeno migratório capaz de romper com o sucessivo fracasso das leis anteriores.
A presente proposta de lei, a ser aprovada, será assim, a quarta versão de uma lei de estrangeiros publicada em Agosto de 1998. E, pelo que se conhece do seu conteúdo, não deverá ter melhor sorte que as anteriores.
Esta instabilidade legislativa é sintomática do falhanço de todas as leis de estrangeiros publicadas desde 1993 por Governos do PSD e do PS, mas em ambos os casos com o apoio do CDS-PP, que têm insistido no erro crasso de pretender responder aos problemas da imigração ilegal com a acentuação de medidas repressivas visando em primeiro lugar os próprios imigrantes, tratando-os a todos como potenciais delinquentes, mas deixando na prática quase incólumes os sórdidos interesses que se escondem por detrás das redes de imigração clandestina e da exploração selvática e criminosa de muitos imigrantes ilegais.
Em 1993, num momento em que se lançavam em Portugal importantes obras públicas, como a EXPO 98, a nova ponte sobre o Tejo, ou enormes centros comerciais, o Governo PSD da altura fez aprovar uma lei de "portas fechadas" que inviabilizava na prática o acesso legal de trabalhadores estrangeiros a postos de trabalho existentes em Portugal. O resultado, sabemos hoje qual foi. A imigração ilegal aumentou terrivelmente. O nosso país tornou-se um alvo apetecido das redes de imigração clandestina e os trabalhadores que pretenderam fugir à miséria nos seus países de origem, ficaram sujeitos à falta de escrúpulos de muitos empreiteiros que exploraram (e exploram) a sua situação e das mafias que, sob ameaças de violência, lhes roubam parte substancial dos magríssimos salários.
Em 1996, o Governo PS viu-se obrigado a abrir um novo processo de regularização extraordinária de imigrantes, mas como manteve a mesma política de portas fechadas, chegou a 1999 com um número de imigrantes ilegais reconhecidamente superior ao que havia poucos anos antes.
A resposta do Governo a esta situação insuportável, foi a falsa solução da criação das "autorizações de permanência", que passou a permitir aos imigrantes trabalhar em Portugal em condições legais mas com direitos reduzidos, sem autorização de residência, e com a precariedade laboral a ser extensiva a todos os aspectos da vida, na medida em que a perda de emprego equivale a possibilidade automática de expulsão.
O Governo e os deputados da maioria de então, afirmaram aqui com rara veemência que não haveria qualquer processo de regularização extraordinária. Mas o afluxo de imigrantes ilegais na procura de autorizações de permanência foi tal, que não houve um único órgão de comunicação social que não falasse no período de regularização extraordinária.
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A legislação que regulamenta a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros de território nacional é, já hoje, um exemplo desta política negativa em relação ao imigrante e ao estrangeiro.
Inspirada por uma atitude geral de desconfiança e de fechamento de Portugal em relação aos cidadãos oriundos de países que não sejam membros da União Europeia, a lei portuguesa não valoriza a especificidade da relação de Portugal com os países de língua portuguesa e trata como potenciais delinquentes todos os imigrantes que demandem o nosso País, esquecendo que a fusão de povos e culturas faz parte da génese do povo português e foi e é um factor de enriquecimento e vitalidade da sociedade portuguesa.
Entre outros aspectos negativos que já hoje caracteriza a legislação sobre estrangeiros, destaca-se a atribuição de poderes de decisão discricionários e excessivos às autoridades administrativas, especialmente ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras; a recusa de efeito suspensivo a todo e qualquer recurso que seja apresentado relativamente a decisões de expulsão; a quase impossibilidade de obtenção de autorização de residência por parte dos imigrantes que trabalham em Portugal; a aplicação indiscriminada da pena acessória de expulsão a estrangeiros, após o cumprimento de penas de prisão; a proibição da entrada em Portugal de cidadãos que tenham o seu nome inscrito na lista nacional de pessoas não admissíveis ou na lista do Sistema Schengen sem regular a possibilidade de recurso dessa inclusão, nem as condições e os prazos da sua retirada das listas; a interdição da entrada em Portugal e a expulsão de estrangeiros do território nacional com base em razões excessivamente vagas e genéricas.
As alterações legais introduzidas em 2001, cuja precariedade está à vista, significaram a confissão do fracasso das políticas de imigração prosseguida pelos Governos do PSD e do PS, caracterizadas pela repressão, pelo fechamento e pela discriminação, e que não resolveram os problemas com que se confronta o País em matéria de imigração.
A criação de uma nova categoria de imigrantes, através da figura da "autorização de permanência" foi sobretudo uma tentativa de responder aos interesses de algumas empresas e sectores de actividade económica, como a construção civil e obras públicas, garantindo-lhes mão de obra temporária e a baixo custo, descartável, e com um estatuto inferior ao que as normais autorizações de residência possibilitam.
Ainda nem passaram dois anos sobre a última versão desta legislação e o seu fracasso é já reconhecido pelo actual Governo, que se propõe agora acabar com as autorizações de permanência, mas que insiste em opções condenadas ao fracasso, como a da definição de "um limite máximo anual imperativo de entradas em território nacional de cidadãos estrangeiros", a qual, como é óbvio, não deixará de condenar à ilegalidade um número indeterminado de trabalhadores estrangeiros.
A Proposta de Lei apresentada pelo Governo contém aspectos que nos preocupam profundamente e que decididamente contestamos:
Desde logo, a revogação do regime das autorizações de permanência. Em vez de, como seria lógico e justo, as transformar em autorizações de residência, o Governo prefere tornar esta figura transitória e determinar que, de aqui para a frente, não haja forma de regularizar os imigrantes que não tenham entrado legalmente.
Só que, entretanto, o Governo quer impor um limite máximo imperativo de entradas em território nacional de cidadãos de países terceiros para exercício de actividade profissional.
Fica aqui uma pergunta desde já: Se o Governo estiver em funções daqui a dois anos, como é que vai resolver o problema dos milhares de trabalhadores imigrantes que estarão em Portugal na ilegalidade e das perturbações que essa situação não deixará de causar no nosso tecido social? Não nos diga, senhor Ministro, porque nós não acreditamos, que a solução vai ser expulsá-los a todos. O Governo, nessa altura, tal como aconteceu com Governos anteriores, vai ter de encontrar uma solução. Esperamos que seja uma solução justa e realista. Mas quanto mais insensatas forem as soluções adoptadas agora, mais difícil se tornará encontrar soluções adequadas depois.
Em matéria de reagrupamento familiar, a proposta do Governo, não é apenas injusta. É verdadeiramente desumana. Um trabalhadores a quem tenha sido passada agora uma autorização de permanência, só daqui a seis anos, se cá continuar, é que adquire o direito ao reagrupamento familiar. Faltam palavras para qualificar esta iniquidade.
Não se contesta a necessidade de disciplinar legalmente os fluxos migratórios tendo em conta as nossas possibilidades razoáveis de acolhimento. O que se contesta é que as políticas de imigração, em vez de dirigirem decididamente os mecanismos repressivos para as redes de imigração ilegal e para os patrões que exploram a ilegalidade dos imigrantes reduzindo-os quase à escravatura, insistam na repressão dos mais fracos, isto é, dos próprios trabalhadores imigrantes e das suas famílias. O que se contesta é que o Governo de Portugal (alinhando lamentavelmente com concepções xenófobas em voga na União Europeia) substitua o esforço de integração dos imigrantes e a garantia intransigente dos seus direitos sociais e laborais, por medidas de inspiração securitária que acabam por afectar acima de tudo, não aqueles que mereciam se afectados, mas antes aqueles que deveriam ser credores de apoio e solidariedade.
O que vai acontecer é que, mais uma vez, o Governo, com esta verdadeira política de numerus clausus, vai fazer de conta que ignora a realidade, escondendo a cabeça na areia, como a avestruz. Os resultados não serão brilhantes.
O PCP sempre defendeu que a dupla condição de Portugal como país de emigração e de imigração, que constitui também um sinal da sua especificidade na União Europeia, deveria justificar de modo reforçado uma orientação política de acolhimento e integração dos imigrantes na sociedade portuguesa marcada pelo respeito pelos seus direitos cívicos, sociais e culturais, de apoio à sua integração harmoniosa, de valorização do seu contributo para o desenvolvimento do País.
Não tem sido essa, porém, a principal característica das políticas adoptadas em Portugal nos últimos anos, em que, a par de um discurso de boas palavras dirigidas às comunidades imigrantes instaladas em Portugal, se acentuam iniciativas que ferem negativamente o quotidiano dos imigrantes. São penalizados os que demandam Portugal em busca de uma vida melhor, mas são deixados quase incólumes, na prática, os grandes interesses económicos e empresariais que se alimentam das redes de imigração ilegal e do trabalho clandestino.
O PCP, tal como aconteceu na passada legislatura, apresenta um projecto de revisão da Lei de Estrangeiros que, entre muitos outros aspectos, assume os objectivos de:
O PCP reafirma que a política de imigração que transparece da Proposta de Lei do Governo, não é a política de imigração de que Portugal precisa e que os próprios trabalhadores, portugueses e imigrantes, justamente reclamam. Combater a imigração ilegal e o trabalho clandestino, fonte de exploração desumana de tantos portugueses e estrangeiros, exige, entre outras medidas, uma política de imigração e uma Lei de Estrangeiros diferente e mais democrática; que assegure o respeito pelos direitos de todos os trabalhadores, sem discriminações quanto à sua origem nacional e que trate todos os imigrantes como cidadãos de corpo inteiro, que aspiram justamente a uma vida melhor e querem ser respeitados na sua dignidade; que não crie novas categorias de imigrantes com direitos mais condicionados, mas que aceite corajosamente estabelecer um enquadramento legal permanente que possibilite a regularização dos que, vivendo e trabalhando cá, sofrem todos os dramas da ilegalidade, deixando de facto de alimentar as redes internacionais de abastecimento da imigração ilegal e do trabalho clandestino que a todos, trabalhadores portugueses ou imigrantes, prejudicam.
A Proposta de Lei do Governo é um sinal de que Portugal e a Europa vão por mau caminho.
A extrema-direita europeia endurece o discurso xenófobo, racista, securitário, acintosamente demagógico, contra os imigrantes. A resposta à estrema-direita faz-se, combatendo-ª Não se faz, cedendo, passo a passo, às suas exigências.
O racismo e a xenofobia combatem-se com políticas de legalização. Não se combatem com políticas de exclusão dos imigrantes que são as maiores vítimas daqueles que vão continuar a beneficiar com a miséria que os obriga a sujeitar-se a condições de trabalho escravo que são uma vergonha dos nossos tempos.
Disse.