Proposta de Lei nº 148/VII - Lei das Finanças das Regiões Autónomas
Intervenção do deputado Luís Sá
19 de Novembro de 1997

 

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados:

O PCP há muito que defende uma Lei de Finanças Regionais que possa estabelecer um quadro transparente, adequado e estável de normas que regulem as relações financeiras entre o Estado e as Regiões Autónomas. Caberia aqui perguntar o que levou a que, ao longo de vinte anos, o regime de finanças das regiões autónomas não tenha sido aprovado, quais foram os interesses e quem foram os responsáveis. A dívida acumulada, problema que agora é resolvido, é uma faceta do problema. Mas há seguramente outros.

A presente proposta de lei estabelece um conjunto de regras e mecanismos que só a prática política poderá testar eficazmente. É com expectativa que encaramos, por exemplo, a criação do Fundo de Coesão (artigo 31º) e a criação do Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras (artigo 9º). Não podemos, entretanto, deixar de sublinhar que o Fundo de Coesão não entrará imediatamente em vigor devido à prioridade do Governo do PS e do PSD à moeda única.

Temos reservas no que respeita à possibilidade de todas as soluções constantes da presente proposta legal poderem constituir solução completamente adequada. Mas aprovaremos na generalidade a presente proposta por entendermos que ela pode constituir uma evolução relativamente favorável face à situação de irresponsabilidade actualmente existente. Por outro lado, as críticas que temos a fazer a soluções desequilibradas são uma consequência da revisão constitucional. No tempo próprio procedemos à sua critica. Mas, neste momento, são obrigatórias.

Há criticas e reflexões que se impõem e que faremos, entretanto, em termos de especialidade. Por exemplo: o nº2 do artigo 30º (fórmula de transferência) está ferido de um vício pouco aceitável. De facto, a primeira parte da fórmula estabelece uma regra de transferência assente no investimento público nacional no Continente, na população existente (no Continente e na Região) e num coeficiente de correcção. A segunda parte da fórmula impõe a subtracção ao montante assim achado do valor do PIDDAC gasto na Região.

Esta solução, que visa claramente abater o valor da transferência, tem um efeito perverso que não é aceitável. Com efeito, num ano em que o Estado venha a cumprir melhor as suas responsabilidades na Região, dotando adequadamente o PIDDAC, a Região vê a sua receita potencial diminuir. Inversamente, se o Estado deixar arruinar ainda mais os chamados palácios da justiça, as capitanias, os faróis e outros serviços, não investindo, então a Região é beneficiada. Parece que se pretende, assim, garantir que haja um empenho no funcionamento o mais deficiente possível da administração periférica do Estado, eventualmente para retirar daí ilações políticas...

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados,

A situação das regiões ultraperiféricas é reconhecidamente diferente e específica.

Mas não podemos deixar de chamar a atenção neste momento para outros problemas complementares que é importante ter em conta.

Em primeiro lugar, importa sublinhar que as relações financeiras entre as regiões autónomas e os municípios de cada região têm que ser objecto de reexame e devidamente acauteladas para o futuro. A autonomia regional não pode ser construída à custa da autonomia municipal.

Em segundo lugar, esta lei torna oportuno levantar o problema da necessidade de uma política de desenvolvimento harmonioso de todas as parcelas do território nacional, sem esquecer a especidade das regiões ultraperiféricas. Mas temos também regiões esquecidas no território do Continente, que continuam a perder população e a não ter oportunidades de desenvolvimento. O Secretário de Estado António Costa, numa incursão lamentável pela política politiqueira, afirmou ontem que a responsabilidade é das autarquias do PCP. "Esquece" que são geridos pelo PS (e também pelo PSD), municípios com menos população e menor desenvolvimento no país, em Trás-os-Montes, Beira Interior, bem como mais de um terço dos municípios do Alentejo e municípios do interior do Algarve. Não é o que é transferido para os Açores e Madeira que está em causa. É dar às regiões do Continente aquilo a que têm direito.

Daqui desafio o PS a referir qual foi a evolução populacional nas muitas dezenas de municípios em crescente desertificação em que a maioria é actualmente do Partido Socialista.

Em vez da demagogia sem escrúpulos seria melhor que o Governo explicasse porque não há uma política de desenvolvimento regional harmonioso e coerente e porque meteu o PS na enorme trapalhada em que meteu a regionalização do Continente.

Finalmente, o Grupo Parlamentar do PCP entende esta lei, com as correcções que deverão ser introduzidas na especialidade, como manifestando ao mesmo tempo o firme propósito de garantir a autonomia dos Açores e Madeira e como uma aposta de todo o País no seu desenvolvimento e na unidade nacional.