Regime jurídico do arrendamento urbano
Intervenção de Odete Santos
21 de Outubro de 2004
Sr.ª Presidente,
Tegraficamente, e com os olhos postos no relógio, como tem de ser, perguntava ao Sr. Ministro se é ou não verdade — a resposta tem de ser dada de forma clara — que, a partir da entrada em vigor das vossas propostas, a esmagadora maioria dos inquilinos ficam todos «contratados a prazo», mesmo aqueles que têm contratos de duração ilimitada, por via da questão do pré-aviso dos três anos.
É ou não verdade que as vossas propostas permitem que sejam arrendados, com rendas exorbitantes, prédios sem certificado de habitabilidade, degradados — aliás, perguntei-lhe isto ontem e o senhor deume uma resposta que não corresponde à verdade —, mediante apenas uma licença de utilização passada há menos de 20 anos? E nessa área há prédios degradados. Ainda hoje surgiu no jornal um estudo sobre isso.
É ou não verdade que o que querem é acelerar as desocupações de prédios — já e em força! — para obter as taxas de lucro para a especulação imobiliária?
(...)
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Senhor Ministro
Senhores membros do Governo
O Governo anunciou que os diplomas vazados em genéricas alíneas da autorização legislativa vão dinamizar o mercado de arrendamento e recuperar para os inquilinos o Parque urbano degradado.
Nós dizemos e demonstramos que as medidas estão realmente vocacionadas para aumentar e acelerar os despejos , para abrir os centros das cidades à especulação imobiliária, para favorecer esta especulação com taxas de lucro cujo esgotamento, através da aquisição de casa própria, se adivinha com o esgotamento da construção de casas para venda.
As rendas livres, sem qualquer controle na sua fixação inicial, existem desde 1981, foram reafirmadas em 1985 e em 1990, e não houve dinamização do mercado de arrendamento nem recuperação do Parque degradado. Em Lisboa, quase dez por cento dos edifícios em mau estado são de construção ou reconstrução posterior a 1981". Os contratos a prazo introduzidos em 1985 não dinamizaram o mercado, nem impediram a degradação dos edifícios. A existência de 544.000 fogos devolutos provam que não é precarizando e liberalizando o mercado de arrendamento que se obtêm os objectivos anunciados.
O aumento não controlado das rendas, através do sistema de renda negociada na plena disponibilidade do senhorio, e a generalização dos contratos a prazo, mais não visam do que favorecer a especulação imobiliária. São esses os reais objectivos da proposta de lei.
A renda negociada coloca nas mãos dos especuladores imobiliários que de bom grado comprarão imóveis arrendados depois desta reforma, um mecanismo para expulsar os inquilinos das suas residências. Mecanismo mais apetecido ainda se as residências se situarem nos centros das cidades. Em centros históricos, quiçá.
E não adianta acrescentar uns pózinhos aos montantes indemnizatórios. O que é isso para quem vive e floresce da taxa de lucro da especulação?
O comércio tradicional é uma maçada para a especulação. São uma maçada os pequenos e médios estabelecimentos da restauração que impedem grandes superfícies comerciais.
Acrescenta-se então, como complemento para a manhosa renda negociada, a transformação em contratos a prazo dos contratos de duração ilimitada. Para as rendas habitacionais e para todas as outras. Com excepção de uma pequena faixa que mais adiante veremos.
Toda a gente vai ficar com um arrendamento a prazo de 3 anos. Os inquilinos com contratos anteriores a 1990 e com contratos posteriores a esta data. Todos.
O artigo que prevê que sem qualquer motivo, o senhorio possa denunciar o contrato é um verdadeiro terramoto bem expressivo de um sistema vinculístico criado pelo Governo a favor dos senhorios especuladores.Com isto se expropria o direito à habitação. Com isto se expropria a propriedade do estabelecimento comercial, fazendo desaparecer o trespasse.
O Governo repetidamente afirma que não poderá haver aumento das rendas sem certificados de habitabilidade, e, portanto, sem recuperação dos imóveis degradados.
O que não é verdade, pelo menos para os imóveis com licença de utilização passada há menos de 20 anos.
Estes imóveis salvam-se da exigência do certificado de habitabilidade. São os diplomas que o Governo preparou que o referem. E não há em nenhum deles qualquer dispositivo que dê ao inquilino a possibilidade de requerer o tal certificado.
Se nos lembrarmos do que atrás dissemos (em Lisboa quase dez por cento dos edifícios em mau estado são de construção ou reconstrução posterior a 1981) concluiremos que as rendas sem medida e controle, podem ser exigidas para imóveis a necessitar de grandes obras.
O Governo ergueu como bandeira preocupações sociais. Mesmo assim. Mesmo apesar de um sistema que não tem em conta os baixos salários praticados em Portugal, e que se esquece que Portugal tem na Europa dos 15 a maior taxa de pobreza persistente.
Contudo, reserva para os inquilinos com mais de 65 anos, rendas condicionadas, mesmo para muitos dos casos em que auferem menos de 5 salários mínimos nacionais.
Ora
se tivermos em conta que no cálculo da renda condicionada não entra nenhum índice de vetustez, valorizando-se a área útil e a existência de quintais;
se tivermos em conta que são os inquilinos mais antigos que habitam em casas com mais divisões e que são as famílias unipessoais que maior peso têm no parque arrendado;
se considerarmos que o Governo penaliza estes inquilinos, atribuindo-lhes um maior rendimento anual bruto corrigido;
Concluiremos que estes inquilinos mais idosos vão ser onerados com uma renda condicionada muito superior ao valor real do mercado para aqueles alojamentos;
E se considerarmos que estes inquilinos mais idosos em casas que não respeitam as regras de segurança vão ter o arrendamento suspenso e vão ter de pagar, posteriormente uma renda condicionada após as obras;
Teremos avaliado as preocupações sociais do Governo.
E bem as avaliaremos se tivermos também em conta que em vez do subsídio de renda, o Governo reserva a muitas famílias carenciadas, em vez desse subsídio, a expulsão do seu lar habitual, e um contrato a prazo com renda condicionada que não se transmitirá por morte, nem sequer para o cônjuge.
O Governo reserva ainda para os inquilinos a aceleração dos despejos dispensando o indispensável processo declarativo, entrando logo na execução dos despejos.
De uma maneira geral, estamos conversados.
Os prédios têm de ficar vagos para que os especuladores imobiliários entrem nos apetecidos centros da cidade, expropriando inquilinos e senhorios menos afortunados que têm de prestar reverência ao Deus mercado.
O PCP tinha pendente, já desde a 2ª sessão legislativa, um Projecto de Lei relativo à renda apoiada. Corrigindo algumas injustiças detectadas no diploma de 1993.
Relativamente aos prédios devolutos, eles não vão entrar no mercado por obra e graça do divino espírito santo.
Urge tomar medidas que efectivem o cumprimento da função social desta propriedade inerte.
Hoje mesmo as notícias dão-nos conta de um estudo relativamente a Lisboa onde se propugna o lançamento de uma derrama sobre os prédios devolutos.
O Projecto de lei que apresentámos nesta matéria, contém soluções a melhorar.
A que mais tarde voltaremos.
Porque, como é óbvio o Governo tem de favorecer a especulação, tem de responder ao súbito interesse da Banca Internacional que terá revelado um inusitado interesse por esta reforma, contactando com a Câmara de Lisboa, segundo revelou em debate público, o representante do Presidente da Câmara de Lisboa.
A prova está feita. Todos sabemos, Governo, maioria e oposição quais os reais interesses protegidos pelo Governo.
Mas o diploma deverá ser submetido à fieira da apreciação da sua constitucionalidade, como ontem exigimos.
Disse.