Intervenção da Deputada
Odete Santos
Regime Jurídico do Arrendamento Urbano
28 de Junho de 2000
Senhor Presidente
Senhores Deputados
A autorização legislativa em debate deve ser liminarmente rejeitada.
Por várias razões.
· Porque não cumpre os requisitos constitucionais.
· Porque é em certos casos contraditória e ininteligível
· Porque constitucionaliza soluções do Decreto-lei 321-B/
90 declaradas inconstitucionais, e de especial gravame para os inquilinos
· Porque redundará em injustiça e desumanidade sobre os
inquilinos de mais fracos recursos, nomeadamente sobre os inquilinos idosos.
A autorização legislativa não respeita a constituição
nomeadamente nas alíneas e) f) i) e n) parte final.
Efectivamente, na alínea e) não se indicam minimamente os critérios
a que vão obedecer as actualizações
Na alínea g) prevê-se apenas a extensão do subsídio
de renda aos arrendatários mais carenciados, não se sabendo o
que são para o Governo os arrendatários mais carenciados, nem
com que critérios será definida a atribuição de
subsídio.
Com a alínea i), se fosse aprovada, autorizar-se-ia o Governo a definir
quaisquer critérios para determinar o valor actualizado do fogo. Aí
não existindo minimamente definida o sentido e a extensão da autorização.
Ora, a definição do regime do Arrendamento urbano através
de autorização legislativa, implica que esta defina um regime
geral, dentro de cujos princípios se encontra nomeadamente, a fixação
do montante da renda e respectivos critérios, conforme decidiu o Tribunal
Constitucional no Acórdão 245/89.
As contradições dentro da própria autorização
legislativa são também manifestas. contradições
dentro dela própria.
Diz-se na alínea d) que se pretende a autorização legislativa
para estabelecer que as actualizações de renda actualmente, e
sublinho, actualmente, previstas nos artigos 31º nº1 alínea
B e 38º do RAU passem a ter os seguintes limites....
Não se pede autorização para alterar o artigo. Mas resulta
depois do 1º item, que afinal o que se quer alterar é o artigo,
e incluir nele todas as obras de conservação ordinárias.
Depois ainda no primeiro item da alínea, que afinal fala em todas as
obras, não se percebe a sua redacção, parecendo até,
da comparação da mesma com os diplomas que nos enviaram e que
seriam a concretização da autorização legislativa,
que podemos estar perante um erro de palmatória.
É que, de acordo com a autorização legislativa, todas as
obras, de conservação ordinária, extraordinária
e de beneficiação, só dariam aumento de rendas quando necessárias
para obtenção de licença de utilização e
quando fossem aprovadas ou compelidas pela respectiva câmara municipal.
Mas isto é contraditório com a impossibilidade de actualizar as
rendas por obras de conservação ordinária em prédios
em que se mantenham arrendatários há menos de 8 anos!
A colocação errada, supõe-se que errada, da vírgula
a seguir a obras de beneficiação, altera profundamente o sentido
da autorização legislativa, causando contradições
manifestas.
O Governo pretende tornar constitucionais normativos do Decreto-Lei 321-B/90,
já declarados inconstitucionais pelo tribunal Constitucional. Como o
alongamento do prazo de 20 para 30 anos de arrendamento como impeditivo da denúncia
do contrato de arrendamento para habitação própria do senhorio,
e como o alargamento desta possibilidade de denúncia para habitação
dos descendentes do senhorio em 1º grau.
São soluções que vão agravar a situação
do inquilino em matéria do direito à habitação.
Numa matéria que tem a ver com um bem essencial: a casa de que se necessita
para viver.
Não podem deixar de merecer severas críticas soluções
anunciadas na proposta de lei, como as seguintes:
Tornar possível que as obras de conservação ordinária
dêem origem a actualizações de renda.
A reposição de uma janela deteriorada pelo decurso do tempo, a
pintura e limpeza geral do prédio, a reparação de um telhado,
enfim, todas e quaisquer obras que se destinem a repor o nível de conforto
que se garantiu na altura da celebração do arrendamento, o que
é uma obrigação do senhorio, afinal transforma-se numa
obrigação do inquilino.
Que vai pagar a janela para sempre, enquanto durar o arrendamento, podendo mesmo
tal janela ser paga a peso de ouro. Pois até o valor da reparação
tem repercussão nas actualizações anuais, que passam a
ser maiores porque na renda se incorporou o valor das obras, da janela, do telhado,
da pintura do prédio, da canalização que teve de ser substituída
por estar velha.
E ironia das ironias, o inquilino, se estiver na situação de ter
pago ele as obras, para as descontar nas rendas, passará a pagar logo,
ainda antes de ressarcido, a actualização resultante do preço
das obras que ele próprio pagou!
Este diploma é mais um passo no sentido de fazer repercutir sobre o inquilino
a reparação e a beneficiação da propriedade de outrem.
E não apenas em rendas baixas. Em todas as rendas, mesmo as praticadas
ao abrigo das disposições legais que vieram permitir rendas condicionadas
e rendas livres. Mesmo em rendas cujo valor médio segundo o inquérito
á habitação do INE é de 48.000$00 E isso acontece
quer no regime das obras abrangidas pelo Recria, quer no regime das outras obras.
A actualização decorrente das obras efectuadas, vem apenas especificada
suficientemente, na autorização legislativa, relativamente aos
fogos para habitação arrendados anteriormente à entrada
em vigor do Decreto-Lei 321-B/90. Sabe-se que aí não pode ultrapassar
a média da soma do valor da renda condicionada e do valor da renda actual.
Quanto aos outros critérios , noutras situações, a autorização
legislativa é vaga e imprecisa, como se disse antes, e por isso é
inconstitucional. Só o recurso ao diploma que acompanha a autorização,
mas que não está em discussão e votação,
levanta o véu sobre as intenções do Governo.
E então, no que diz respeito ao limite das actualizações,
que na maior parte dos casos dependem da renda condicionada final, podemos apercebermo-nos
dos montantes elevados que podem atingir tais actualizações.
De facto, a fórmula encontrada para a renda condicionada atira o valor
desta renda para montantes que atingem quase o dobro das rendas condicionadas
calculadas ao abrigo da legislação em vigor.
E é assim que a um prédio em bom estado de conservação
e bom nível de conforto num prédio com mais de 50 anos com uma
área útil de 60 m2a, cabia o ano passado uma renda condicionada
de 18.014$00. Enquanto que pela fórmula que o Governo encontrou lhe caberá,
para o futuro, uma renda de 35.217$00. Sendo este o montante da renda desse
fogo posto no mercado, e o montante que somado à renda actual nalguns
casos, multiplicado por dois noutros ou por vezes tomado em singelo, servirá
de limite noutros.
Sendo assim de prever que em prédios degradados onde vive população
carenciada, as rendas venham a atingir montantes astronómicos, porque
fora do alcance da bolsa dos inquilinos.
E nem se pode dizer que têm ao seu alcance o subsídio de renda.
É que a alteração que o Governo , apenas para as actualizações
resultantes de obras,vem propor ao subsídio de renda ( que hoje é
irrisório e ridículo) é um regime injusto, porque retira
do seu acesso cidadãos carenciados e tornados ainda mais carenciados
pela actualização.
Porque mantém o rendimento padrão da lei de 1986. Porque as taxas
de esforço são manifestamente elevadas.
A taxa de esforço de uma pessoa isolada com, por exemplo, uma pensão
de 40.000$00 é de 17%! Pergunta-se: Como é que se pode admitir
que uma pessoa nestas condições tem possibilidades de suportar
uma renda de 6.680$00?
Tendo em conta a média de rendas antigas, e o aumento médio após
as obras, um casal com um filho, a viver de um salário mínimo
nacional terá de suportar do seu bolso mais 2.662$00 por mês, montante
ao qual acresce o subsídio de renda que vai por via indirecta para o
bolso do senhorio.
Um casal com um filho a viver de dois salários mínimos nacionais,
suportará um aumento de cerca do dobro do que pagava.
Porque este subsídio de renda só passa realmente a funcionar em
agregados familiares fora do padrão médio da família portuguesa.
Para casais com 3 e mais filhos. Nesta última hipótese dos dois
salários mínimos nacionais apenas com 7 ou mais filhos se terá
acesso ao subsídio de renda. Nesta matéria estamos conversados.
Este subsídio poderá também ser considerado de hipócrita
e ridículo como o é o subsídio de renda actualmente em
vigor.
Mas a proposta de lei vem ainda agravar de uma outra forma, as dificuldades
dos inquilinos de mais fracos recursos , nomeadamente dos inquilinos idosos,
que são os que de uma forma geral ocupam o parque habitacional degradado.
Com efeito, das alterações á lei 2.088 de 1957, resulta
que os inquilinos dos prédios demolidos para ampliação
do prédio ou para aumento dos fogos, se quiserem reocupar a casa, com
uma nova renda, não têm direito ao subsídio de renda. Desta
forma, o Governo diz aos inquilinos:
Vão-se embora, recebam a indemnização, e deixem margem
de manobra aos especuladores imobiliários.
De igual forma, ao permitir-se a demolição de prédios nos
casos em que técnica e economicamente é difícil a sua recuperação,
sem a devida protecção aos inquilinos, porque de facto, as soluções
pretendidas pelo Governo não são adequada protecção,
continua a objectivar-se a mesma protecção aos especuladores imobiliários.
Senhor Presidente
Senhores Deputados:
A estafada argumentação de que a degradação do parque
se deve ao congelamento de rendas e às rendas baixas, já não
colhe, e não colhe há muito.
De facto as rendas não estão congeladas há muito tempo.
Os proprietários é que nunca fizeram obras, nem mesmo quando as
rendas, hoje consideradas baixas, eram elevadas.
Com o diploma de 1990 os proprietários tiveram a possibilidade de fazer
repercutir nas rendas, aumentando-as, as grandes obras de conservação
ordinária, as que ultrapassam 2/3 do rendimento do prédio. E não
as fizeram , continuando a deixar degradar a sua propriedade.
Com a autorização legislativa o Governo pretende luz verde para
um pacote legislativo em que os aspectos positivos são submersos pela
desumanidade que vai recair sobre inquilinos carenciados, nomeadamente sobre
os idosos, e os idosos isolados.
E não é á custa dos inquilinos, e muito menos destes, já
a contas com aumentos sucessivos de bens de consumo indispensáveis, como
se tem verificado ultimamente, que o problema do parque degradado, deve ser
resolvido.
Não é á custa do direito á habitação
que se podem satisfazer os interesses dos especuladores imobiliários.
Daí o nosso voto contra.
Disse.