Intervenção da Deputada
Odete Santos
Proposta de Lei nº 18/VIII, que autoriza o Governo
a legislar
em matéria de formação de contratos de arrendamento
urbano
para comércio, industria e exercício de profissão
liberal e de contratos de trespasse
23 de Março de 2000
Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Justiça
V. Ex.ª introduziu na sua intervenção a meu ver,
bem outras matérias que não se podem desligar do que estamos
hoje a discutir.
Deste modo, o debate não é tão simples assim, porque me
parece que se entronca com outras questões relativas ao notariado e a
algumas medidas já aprovadas.
Neste meu pedido de esclarecimentos, gostaria de lhe fazer duas perguntas.
Na parte final da sua intervenção, V. Ex.ª referiu-se à
instalação de novos cartórios notariais. Gostaria de saber,
em primeiro lugar, por que é que, antes de se tomarem outras medidas,
como as relativas aos cartórios especiais e às fotocópias
(e mais adiante referir-me-ei a esta questão da passagem de fotocópias),
não se começa, primeiro, por modernizar os cartórios existentes,
que bem precisam de modernização para poderem eficazmente cumprir
as suas funções e, nessa medida, satisfazer melhor as necessidades
dos cidadãos, e, em segundo lugar, por que é que não foi
já tomada a medida, que, penso, tarda, de criar mais cartórios.
Acontece que Portugal tem uma ratio muito baixa de cartórios em relação
ao número de habitantes. Se compararmos a nossa situação
com a da Grécia, se a memória não me falha, embora as realidades
possam não ser comparáveis, podemos concluir que, para uma população
de 10 milhões de habitantes, a Grécia tem 3000 cartórios,
enquanto que em Portugal há trezentos e tal. Daí que estas medidas
devam ser prioritárias. Parece que uma delas vai ser concretizada, embora
tardiamente.
Porque que razão se começou por outras medidas e não por
estas que acabei de referir?
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Ministro da Justiça,
Sr. Secretário de Estado da Justiça,
Srs. Deputados
Vou fazer algumas observações ao diploma, mas, em primeiro lugar e já foi aqui dito algo sobre isto, mas quero partir daqui , gostaria de dizer que, de facto, o PCP sempre esteve contra a privatização do notariado, porque era, evidentemente, uma forma de privatizar receitas e de não conseguir, ao contrário do que disse o Sr. Deputado António Montalvão Machado e que está por demonstrar, que o cidadão comum tivesse, efectivamente, serviços melhores com a privatização.
Em segundo lugar, tratamos hoje, apenas e só, de questões ligadas
ao arrendamento para comércio, indústria e exercício de
profissão liberal e não ao arrendamento para habitação.
Porém, quero dizer que o PCP sempre esteve contra aquelas disposições
e refiro-o, porque já se falou hoje aqui disso relativas
a arrendamentos habitacionais declaradas inconstitucionais. E registamos o namoro
aqui feito ao Governo por parte do PP, para que reintroduza aquelas normas extraordinariamente
graves para o direito à habitação.
Em terceiro lugar, o Sr. Ministro da Justiça, logo na altura da apresentação
do Programa do Governo, disse aqui algumas palavras, com as quais, à
primeira vista, até estive de acordo e que, prima facie, me satisfizeram,
sobre a questão de a privatização significar privatização
de receitas e era. Era um esbulho tremendo de receitas ao Estado, produzidas
pelos cartórios na altura, eram 14 milhões de contos e
suponho que, agora, esse valor andará em mais de 20 milhões de
contos
Ao certo, não sei quanto é, mas atingirá muitos mais milhões
de contos, depois dos aumentos de taxas, etc. O Sr. Ministro da Justiça
falou na privatização de actos notariais e, em relação
a alguns actos digo, alguns , parece-me que a desburocratização
deve conduzir à privatização. E dou um exemplo, já
dado há muito e com o qual todos estão de acordo, que é
o de a procuração forense não precisar de ter o reconhecimento
notarial, que era um fardo que recaía sobre os clientes dos advogados
e os advogados, porque era sempre preciso mandar a procuração
ao notário para reconhecer a assinatura. Com isto, estamos de acordo.
Agora, perante algumas medidas já inseridas nos diplomas publicados em
14 de Março e perante o que aqui vem proposto, devo dizer que aquele
meu tal acordo era mesmo prima facie, porque, hoje, tenho muitas dúvidas
em relação a algumas das medidas tomadas.
Agora, em relação a esta questão concreta, hoje em discussão,
parece-me que, para se avançar neste sentido, era preciso ir mais longe
na protecção das garantias do locatário. É que,
quando um contrato destes e um trespasse, normalmente, inclui também
normas de arrendamento é celebrado num notário, o notário
preocupa-se em saber se tem licença de utilização, etc.,
se foi respeitada a finalidade do prédio e informa o cidadão candidato
a locatário se aquilo está ou não em condições
e, se não está, não faz. Mas, agora, colocado nas
mãos dos particulares e devo dizer que aqui hoje se falou muito
em cidadão comum, mas isto visa, sobretudo, os interesses de «grandes»
cidadãos e não os do pequeno cidadão , se não
constar lá a questão da licença de utilização,
etc., a sanção da indemnização não é
uma sanção que, muitas, vezes, convenha ao locatário e,
portanto, a sanção deveria ser a de se manter o contrato de arrendamento
de qualquer forma. E, para além do mais, seria de perspectivar a possibilidade,
que já constou do artigo 1029.º do Código Civil, que era
a de, não havendo mesmo contrato por escrito, não ser apenas só
com recibo de renda, mas, para além disso, também com prova testemunhal,
a prova de que se pagou renda. E isto não é efectivamente resolvido.
E dizia que isto satisfaz os grandes proprietários, porque esses estão
mais do que avisados, têm advogados a quem recorrer, enquanto que os pequenos
comerciantes, aqueles que querem abrir uma tascazinha já mais moderna,
com outro ar, não têm acesso à informação
e caem facilmente nas malhas de alguém que, sendo menos escrupuloso,
redija um contrato que não respeite os seus interesses.
Para além disso, isto também é privatização
de receitas dos cartórios, porque vai ter de se pagar já não
emolumentos aos cartórios, mas honorários às pessoas que
fazem os contratos. E também está por provar que os honorários
sejam inferiores aos emolumentos.
Portanto, muitas privatizações de actos notariais devem ser analisadas
devidamente, para se saber se, para além do mais, também a certeza
e a segurança jurídicas estão devidamente acauteladas.
É que, segundo o que aqui vem proposto e sabendo nós que a matéria
do arrendamento é uma matéria que provoca grande conflitualidade
nos tribunais, creio que isto, pelo menos, ameaça aumentar essa conflitualidade.
Por isso, interroguei há pouco o Sr. Ministro da Justiça sobre
a modernização dos cartórios notariais e a criação
de mais cartórios. É que isso poderia perspectivar a questão
da privatização já mais reduzidamente, a privatização
de actos, e não ter de ser tão ampla como o está a ser,
em minha opinião.
Não vou ter muito tempo para fazer mais alegações, digamos
assim, mas, no entanto, quero dizer o seguinte: é preciso ter cuidado
com a questão da certificação de fotocópias pelos
correios e por funcionários das juntas. É que há fotocópias
e fotocópias! Há fotocópias de documentos que constituem
o núcleo de uma acção, como, por exemplo, a de um contrato-promessa.
E já apareceu um contrato-promessa nitidamente aldrabado, com linhas
truncadas, etc., mas porque o notário era notário, pôs lá
que o documento original não tinha o número de linhas suficiente.
Pergunto, então, o que se passará e isto é só
um exemplo com questões em relação a documentos
que, depois, serão certificados por pessoas que, efectivamente, não
têm preparação nesta área e nem sequer se apercebem
dos problemas que estes têm. Estou absolutamente de acordo que algumas
fotocópias sejam certificadas noutros sítios, mas penso que é
preciso ter cuidado nesta matéria vendo-se quais são as situações
que depois também podem causar problemas ao cidadão lesado com
alguns contratos e problemas de dificuldade de prova nos tribunais.
Por último, e mesmo para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria
deixar uma nota final.
Penso que o Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes enfatizou a questão e terminou
com uma frase muito bombástica ao felicitar o Sr. Ministro de Justiça
pela sua coragem. Sinceramente, deixe-me dizer-lhe que não consigo descortinar
essa coragem.
Sabe porquê, Sr. Deputado Nuno Baltazar Mendes? É que eu gostava que lesse, aqui, em voz alta, o nome das entidades que subscrevem o tal Protocolo de Acção.
Leu, assim, muito «enroladamente»! Repito, muito «enroladamente»!
Quem subscreve o Protocolo são associações empresarias,
a saber, a Confederação da Indústria Portuguesa, a Confederação
do Comércio e Serviços de Portugal
Portanto, de facto, estamos a ver que quem subscreve o Protocolo são grandes interesses económicos e não é
Portanto, efectivamente, não tem necessidade de vir aqui falar nisso e até lhe cai mal, porque e vou mesmo terminar, Sr. Presidente costuma falar-se muito daquilo que o Sr. Ministro da Justiça disse noutro dia e que até cai bem ao cidadão, que é o facto de os notários não terem de estar representados, alegando que assim estariam a defender interesses corporativos. Discordo um pouco dessa afirmação, porque os notários e nós não concordamos com a posição que outrora a Associação Portuguesa de Notários tomou é que podem, muitas vezes, retractar os problemas dos cidadãos, pelo que penso que é injusto os empresários estarem representados e os notários não o estarem.