Debate de urgência sobre a reforma fiscal
Intervenção de Octávio Teixeira na Assembleia da República
10 de Novembro de 1999
Senhor Presidente,
Senhores Deputados
Sobre a reforma fiscal com o actual Governo do eng. Guterres e do PS, estamos conversados: não haverá!
O mote já estava dado com o recuo claro e inexplicado visível no Programa do Governo. Aí, e na perspectiva da reforma, tudo havia ficado confinado à promessa da aprovação de um único imposto geral sobre o património.
Mas logo durante o debate do Programa o Primeiro-Ministro e o bi-Ministro das Finanças e da Economia, enterraram, sem qualquer pudor, a ideia do imposto geral. Logo nesse debate o Primeiro-Ministro mostrou, de forma incontroversa, que nem o facto de as promessas serem agora mínimas isso significaria a vontade política de as cumprir.
Mais uma vez, e talvez de forma mais clara que nunca, o Governo do PS e o eng. Guterres demonstraram de forma notória a falta de vontade política para enfrentar os poderosos "lobbies" que se movem e, pior que isso, dominam em múltiplos campos da sociedade portuguesa. E mostra que, em matéria de reforma fiscal, o novo Governo do PS pretende ser ainda mais retrógrado e inoperante que o seu antecessor.
E ainda agora "a procissão vai no adro" ...
Mais do que uma asneira, a decisão do Governo de agora só admitir a reforma da tributação do património imobiliário edificado significa, sem margem para qualquer dúvida, a decisão política de continuar a beneficiar, ilegítima e escandalosamente, a riqueza, os rendimentos e as aplicações e actividades financeiras.
Que razões, que moral, pode ter um Governo para tributar uma casa de habitação valorizada em 30.000 contos, por exemplo, e simultâneamente não tributar uma quinta com o valor de 130.000 contos ou um património em acções no valor de 2 milhões de contos? Nenhuma razão, nenhuma moral. Apenas a vontade política de continuar a privilegiar os mais privilegiados.
O imposto geral sobre o património, ou imposto sobre a riqueza, é um elemento essencial num sistema fiscal que se pretenda basear no princípio da capacidade contributiva:
E esta última questão não será a menor no peso que leva algumas forças políticas a atacarem o imposto geral sobre o património e conduziu o Governo a dar o dito pelo não dito. Porque esse imposto seria, ele próprio, tal como o levantamento do sigilo bancário, elemento importante no combate aos níveis escandalosos de fraude e evasão fiscal que se registam em Portugal.
Também para nós, senhores Deputados, o estudo técnico e a proposta tecnico-política apresentados pela Comissão presidida pelo dr. Medina Carreira tem "o mérito de defender um modelo de tributação global do património, que constitui a única forma de repor a equidade na repartição dos encargos fiscais entre trabalho e capital/propriedade, o que é uma imposição elementar de justiça em qualquer sistema fiscal e, em particular, no sistema português devido às enormes e evasão e fraude fiscais existentes, protegidas por uma cultura de egoísmo e irresponsabilidade e por poderosas forças políticas e sociais".
Mas é igualmente evidente que esta consideração geral não invalida que tenhamos legítimas divergências sobre algumas das opções assumidas pela Comissão. Designadamente, e para o PCP, o imposto sobre o património deve:
Regresso ao já anteriormente referido. O novo Governo do PS quer ser, ao menos em matéria fiscal, política e socialmente mais retrógrado que o anterior. Porque na Resolução do Conselho de Ministros relativa às bases gerais da reforma fiscal, e no mandato conferido à Comissão que para o efeito foi criada, o que se referia expressamente era a intenção de "criação de um imposto único, analítico, periódico, real e proporcional sobre a riqueza mobiliária e imobiliária". O Dr. Medina Carreira tem , pois, todas as razões para dignamente assumir a atitude que assumiu. E tem a nossa solidariedade na sua indignação pela atitude do Governo, do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças.
Finalmente, quero garantir aos senhores Deputados, e em particular aos do Partido Socialista, que para o PCP a questão das reforma da tributação do património mobiliário e imobiliário, da tributação da riqueza, como a da reforma fiscal mais global, não acabou. Renasceu.