Lei Geral Tributária de onde constem os grandes princípios
substantivos que regem o Direito Fiscal Português e uma definição mais precisa
dos poderes da Administração e das garantias dos contribuintes
Intervenção de Octávio Teixeira na Assembleia da República
18 de Junho de 1998
Senhor Presidente
Senhores Ministro e Secretários de Estado
Senhores Deputados
Ninguém põe em causa que poderá haver vantagem na existência de uma Lei Geral
Tributária onde se acolham os princípios essenciais do ordenamento tributário,
com um papel informador e sistematizador do sistema tributário. Uma lei que
se assuma como a coluna vertebral do sistema, estabelecendo conceitos e relações
essenciais, e que suscite uma perfeita interconexão das leis relativas aos diversos
impostos com esta trave mestra do sistema.
Mas se a existência de uma lei geral tributária pode ser conveniente isso não
significa que ela seja indispensável e urgente. Por isso, o que se pode questionar,
e nós fazemo-lo, é, por um lado, a ordem de prioridades estabelecida pelo Governo
para a proclamada "reforma fiscal" e, por outro lado, o conteúdo substantivo
da lei geral tributária que nos é apresentada.
Ora, em relação às prioridades, julgo que ninguém, em boa fé, sustentará que
a lei geral sistematizadora dos grandes princípios gerais seja a prioridade
das prioridades para avançar com as alterações ao sistema fiscal necessárias
e, estas sim, urgentes, que o tornem mais justo e equitativo e que combatam
eficazmente o social e politicamente insuportável nível de evasão fiscal actualmente
existente.
O que é prioritário é alterar o quadro actual caracterizado pela existência
de grandes fortunas e elevadíssimos ganhos financeiros e especulativos colocados
à margem de qualquer tributação, ao mesmo tempo que se verifica uma muito pesada
tributação sobre os rendimentos do trabalho. Em que a tributação das mais-valias
e as declarações de rendimentos ditos reais são totalmente irrealistas.
Em que se confunde o princípio da tributação real com a tributação baseada em
rendimentos declarados.
O que é urgente alterar no nosso sistema fiscal, com uma reforma fiscal que
se não limite a medidas pontuais de cosmética do regime de impostos em vigor,
é alterar a situação actual de Portugal ter um regime fiscal altamente favorável
para as aplicações de capitais e um regime dos mais desfavoráveis para os rendimentos
do trabalho.
Mas sobre isto o Governo continua a manter uma inaceitável atitude demissionista.
O Ministro das Finanças, de quando em vez, aparece a reafirmar promessas de
acção repetidamente incumpridas.
Mas, em vez da tomada de medidas concretas, vai criando grupos e mais grupos,
comissões e mais comissões, para estudarem, continuarem a estudar e voltarem
a rever a matéria estudada.
Elogia o relatório de 1996 elaborado pela Comissão para o Desenvolvimento da
Reforma Fiscal, mas as suas recomendações continuam praticamente todas congeladas.
De quando em vez, para que se não diga que o Governo nada faz nesta matéria,
apresenta uma ou outra tímida medida pontual, mas fá-lo de forma tão inábil,
ou mesmo absurda, que imediatamente tudo volta à estaca zero, porque a emenda
se mostra pior que o soneto.
A verdade é que o Governo, em matéria de reforma fiscal, não tem vontade ou
não tem coragem de contrariar os grupos de interesses estabelecidos.
O Governo não age contra esses interesses ilegítimos. O Governo verga-se às
suas pressões.
Por isso as prometidas reformas de fundo não vêem a luz do dia.
Não a viram nestes três anos de vigência do Governo nem a verão, como já foi
afirmado pelo próprio Governo, até ao fim da legislatura.
Persistem e, por vontade do Governo, persistirão as injustiças, as desigualdades
e as ilicitudes no domínio fiscal.
Entretanto, porque assim é e para que se pense que não é, o Governo apresenta-nos
esta proposta de lei geral tributária.
Lei geral que, no essencial, se limita a recolher e sistematizar princípios
já existentes dispersos por várias leis. Que pouco inova e nada aprofunda. E
que chega a apresentar confusões incompreensíveis.
Alguns exemplos.
A proposta de lei diz-se aplicável aos impostos, fiscais e extra fiscais, e
às taxas. Mas a verdade é que grande parte do teor do anteprojecto que nos foi
fornecido só se aplica aos impostos. Por exemplo, no âmbito da matéria colectável,
do processo de execução, da liquidação, dos crimes e contraordenações fiscais,
etc.
Mais. O anteprojecto não só é totalmente omisso enquanto lei geral das taxas
como contém muitos aspectos que são contraditórios com o regime constitucional
das taxas.
Estabelece uma incompreensível confusão terminológica entre contribuinte, sujeito
passivo e sujeito passivo de imposto. Quem está isento de um imposto deixa de
ser sujeito passivo? Se não é sujeito passivo o que é? Esta confusão é inaceitável
porque põe em causa a protecção dos interesses dos cidadãos. Porque grande parte
dos direitos de defesa são atribuídos aos sujeitos passivos. Se não são considerados
sujeitos passivos não vão ter direito a essas garantias?
Mantendo a confusão entre tributação real e tributação baseada em rendimentos
declarados, a proposta de lei persiste em não prever a possibilidade de métodos
de determinação indirecta de valores médios da matéria colectável.
Mais uma vez esquecendo totalmente as recomendações da Comissão de Desenvolvimento
da Reforma Fiscal.
Pior. Continuando a impedir, na prática, que a Administração Fiscal tenha possibilidade
de uma fiscalização mais efectiva relativamente aos contribuintes de mais elevados
rendimentos e em que é manifesto o maior grau de evasão fiscal.
Inova a figura de contratos fiscais entre a Administração Fiscal e os sujeitos
passivos. Mas em que termos? Nos termos da lei civil ou de uma outra lei que
não existe? Ou sem lei?
Inova a jurisdicionalização total do processo de execução fiscal. Mas não explica
porquê. E é completamente omisso quanto à sua forma de concretização.
Estaremos de acordo com os princípios relativos à fiscalização indirecta. Mas
qual a sua real eficácia sem cruzamento de informação dos vários agentes envolvidos
na relação juridico-tributária e, nomeadamente, enquanto a lei não impuser o
dever de colaboração das instituições financeiras com a Administração Fiscal,
enquanto persistir o sacrossanto tabu do Governo relativamente ao sigilo bancário?
Tabu cujas razões profundas não são entendíveis e que coloca o nosso sistema
fiscal, neste aspecto, como uma peça de museu no seio dos países da União Europeia
e da OCDE.
Outras questões de especialidade se poderiam colocar em relação a esta proposta
de lei e ao anteprojecto de decreto lei que o acompanha.
Mas as questões globais e centrais são, neste momento, as mais importantes.
O que é prioritário é promover a reforma fiscal no sentido de aumentar a justiça
fiscal.
De fazer pagar impostos a quem tem efectiva capacidade contributiva e de acordo
com essa capacidade.
De tributar as aplicações financeiras.
De acabar com os profusos e caros benefícios fiscais sem qualquer justificação
social e económica razoável.
De combater eficazmente a fraude e a evasão fiscais.
De aliviar a pesada carga fiscal que pesa sobre os trabalhadores por conta de
outrem.
O que é urgente é a melhoria do funcionamento e da eficiência da Administração
Fiscal e o aprofundamento das legítimas garantias dos contribuintes.
É a generalização do acesso à doutrina, nomeadamente aos despachos dos serviços
fiscais, e não a manutenção da restrição desse acesso a alguns privilegiados.
Prejudicando a Fiscalização e o Contencioso Tributários. E privilegiando alguns
contribuintes relativamente à grande maioria.
Como urgente é a aceleração do processo de informatização da administração tributária.
Enfim, o que é prioritário e urgente é que o Governo assuma a vontade política,
efectiva e não verbal, de avançar com a prometida reforma fiscal.
Que, em vez de criar mais 9 ou 10 grupos e comissões de estudo, implemente medidas
que outros estudos já recomendaram e que são de aceitação geral por todos aqueles
que se não limitam a defender ilegítimos privilégios estabelecidos.
O que é prioritário é a acção e não o conformismo cúmplice.