Alteração da Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394- B/84, de 26 de Dezembro, e do artigo 112.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro
Intervenção de Honório Novo
3 de Março de 2006

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Florestas,

V. Ex.ª falou aqui do apoio de alguns autarcas da zona do pinhal a esta proposta de lei, mas lembro- lhe o seguinte: no fundo, esta proposta de lei encerra uma transferência de competências que, do meu ponto de vista, fere os princípios estabelecidos na Lei n.º 159/99, quanto ao financiamento dessas mesmas actividades.

Portanto, pretendendo os senhores transferir competências para as autarquias, a questão que se coloca é a de saber que competências e se, no fundo, não se pretendem transformar as câmaras em repartições de finanças, substituindo-se nas competências e atribuições próprias da Direcção-Geral dos Impostos, passando a identificar prédios rústicos, a determinar a respectiva colecta, a identificar proprietários, etc. Portanto, a questão que coloco é óbvia: os senhores, apesar das dúvidas formuladas pela ANMP e do seu desacordo, implícito e explícito, estão dispostos a insistir nesta formulação, estão dispostos a legislar, mais uma vez, ao arrepio da Lei n.º 159/99 e contra a opinião e as dúvidas expressas pela ANMP?

Uma segunda questão tem a ver com o IVA e o IMI. A medida relativa ao IVA, naturalmente, do nosso ponto de vista, é uma medida positiva, que sublinhamos, mas, quanto ao IMI, creio que reflecte uma atitude do Governo que merece ser aqui debatida. É que o Governo não distingue entre produtores! E, naturalmente, há um conjunto de produtores desleixados, que abandonam, intencionalmente, as suas terras — e quanto a estes não há problema —, mas, Sr. Secretário de Estado, a grande maioria dos produtores florestais não são esses, são aqueles que têm a «corda na garganta», são aqueles cuja actividade económica florestal que desenvolvem está absolutamente estrangulada. Ora, os senhores querem imputar responsabilidades a estes proprietários pela existência de incêndios no nosso país. No fundo, é isto que os senhores estão a fazer, alijando as responsabilidades próprias, fazendo de conta ou assobiando para o ar quanto ao investimento público na floresta e às políticas agro-florestais desastrosas — não deste Governo mas dos governos anteriores, é bem certo! —, tratando os produtores florestais por igual. E isto, num contexto em que, por exemplo, anunciam a privatização da Portucel, que podia e devia ter um papel de equilíbrio da actividade económica florestal, se o papel do Estado fosse desempenhado, não esmagando nem«cartelizando» os preços que fazem com que a actividade económica dos produtores florestais esteja absolutamente «garrotada».

Chamo a atenção do Sr. Secretário de Estado para aquilo que se está a fazer com esta proposta, que é, no fundo, apertar o garrote no pescoço dos produtores florestais honestos mas que não são capazes de obter rentabilidade económica com o desenvolvimento da sua actividade florestal.

(…)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:

Esta proposta de lei traz o selo de marca das políticas com que o Governo diz querer enfrentar o flagelo dos fogos florestais.

Na continuidade das orientações da recente proposta de lei n.º 50/X, que agravou as coimas aplicadas às contra-ordenações por não cumprimento pelos proprietários de legislação florestal, o Governo propõe-se agora agravar o imposto municipal sobre imóveis (IMI) incidente sobre prédios rústicos com áreas florestais ditas em «situação de abandono».

A única novidade, desta vez positiva, como sublinhei, é a proposta da taxa reduzida do IVA para as prestações de serviços silvícolas.

Mas a argumentação global do Governo é a mesma e continua errada. O Governo continua a alijar a carga da responsabilidade do Estado português pelos fogos florestais, decorrentes de políticas de agroflorestais desastrosas, ao longo dos anos, e da falta de investimento público na floresta portuguesa, atribuindo as responsabilidades, em exclusivo, ou quase em exclusivo, aos proprietários florestais e às autarquias.

O Governo atreve-se a incluir nesta proposta de lei esta coisa espantosa, que passo a citar: «Constitui competência dos municípios proceder ao levantamento dos prédios rústicos com áreas florestais em situação de abandono e à identificação dos respectivos proprietários, até 30 de Março de cada ano, e posterior comunicação à Direcção-Geral dos Impostos». Isto é, o Estado, que até hoje não foi capaz de fazer tal levantamento das áreas florestais de qualquer forma sob a sua tutela — matas nacionais, baldios, parques naturais, etc. —, e apesar de dispor para isso de uma Direcção-Geral das Florestas, com centenas de funcionários, quer agora, de uma penada, que os municípios façam este trabalho. E marca uma data limite anual para o fazer. Resta apenas saber se o vão fazer também, relativamente às áreas florestais referidas, que continuam sob tutela governamental.

Simultaneamente, pretende o Governo transformar os municípios numa espécie de agentes das repartições de finanças! Como denunciou a Associação Nacional de Municípios Portugueses, trata-se de propostas «ofensivas para a dignidade e autonomia do poder local». Só que ficam baratas ao Governo, que se furta a estabelecer «qualquer mecanismo financeiro que salvaguarde a exequibilidade das competências» que pretende agora atribuir às autarquias locais, ainda segundo o parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses.

O Governo insiste em ignorar a realidade florestal e as razões da «gestão deficiente» e do «abandono» de áreas florestais. A proposta do Governo incorre, mais uma vez, na fundamentada crítica do Instituto Superior de Agronomia e privilegia uma lógica de pressão face ao que considera «abandono», necessário em casos mais ou menos pontuais de mera negligência, mas dificilmente justificável em termos quer de eficácia quer de equidade, quando do que se trata é, de facto, de marginalidade económica generalizada dos sistemas florestais.

Se o Governo pretendesse responder à perda de rentabilidade e competitividade da floresta, alterar os modelos de gestão do património florestal nacional e dinamizar a gestão florestal activa não abdicaria, como faz, de um instrumento como a Portucel, na fileira florestal portuguesa, quando decide recentemente a sua privatização a 100%.

O Governo podia, pelo menos, dar atenção ao que os estudiosos especialistas vão dizendo sobre o assunto, sem se remeter a configurar políticas decorrentes com as restrições orçamentais importadas de Bruxelas.

O Governo podia, ainda, olhar para o que o se diz no livro Incêndios Florestais em Portugal, do próprio Instituto Superior de Agronomia, ou seja, «A raiz do problema dos fogos florestais nas regiões de reflorestação reside essencialmente no colapso das sociedades rurais tradicionais e na consequente perda de utilidade directa e abandono dos espaços silvestres». Inversamente, na sua resolução, implica assegurar novamente a valorização, o tratamento e vigilância permanentes desses espaços com a concepção de formas modernas de gestão do território e de aplicação coordenada de políticas públicas.

Todavia, como pode o Governo ter em conta esses aspectos se continua a prosseguir, e não apenas em matéria florestal, uma política de ruína do mundo rural com as ajudas desligadas da produção, com a supressão de ajudas à electricidade verde, por exemplo, com o atraso e, mesmo, a suspensão dos apoios das medidas agro-ambientais e de outros programas agrícolas? Políticas que, embora não sejam apenas da responsabilidade do Governo, são também responsáveis pela brutal quebra de rendimento agrícola em 2005.

Repetindo o que dissemos a propósito da anterior proposta de lei, o mais grave é que, com estas medidas, o Governo poderá vir a dizer que não tem responsabilidade nos incêndios, mas, certamente, os incêndios florestais vão continuar.