Debate de interesse relevante sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento 2005-2009
Intervenção de Bernardino Soares
14 de Dezembro de 2005
Sr. Presidente, S
rs. Deputados, Srs. Membros do Governo:
Com-prova-se que o Pacto de Estabilidade e Crescimento continua a ser um documento inadequado para as economias a necessitar de desenvolvimento e um obstáculo e um inimigo da coesão económica e social. É por isso que, quando discutimos mais uma revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento, é preciso dizer que se impõe, indubitavelmente, a crítica ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, sendo a condena-ção da sua política monetarista indispensável para quem quer defender a coesão económica e social e uma política de desenvolvimento económico, que está vedada ao nosso País se os governos continuarem a submeter-se a estes ditames monetaristas.
Aliás, ainda em relação a esta política monetarista e à questão recente do aumento das taxas de juro, conhecem-se as consequências negativas deste aumento decidido pelo Banco Central Europeu e, por mais que se tente «dourar a pílula», estes aumentos são particularmente negativos para uma economia em estagnação e vão retrair ainda mais o consumo das famílias portuguesas. Parece que a decisão do Banco Central Europeu não terá sido unânime. Importava, por isso, conhecer a opinião do Ministro das Finanças sobre esta decisão e os seus efeitos na economia nacional e, sem prejuízo da independência do Banco Central, saber que articulação existiu, ou não, entre o Governador do Banco de Portugal, que tem assento no Banco Central Europeu, e o Ministro das Finanças e o Governo do nosso país.
O Programa de Estabilidade e Crescimento é, no entanto, mais ainda do que a obsessão do défice. É o pretexto e o veículo para a imposição de medidas neoliberais de mais privatizações, de des-regulação do mercado e das relações laborais e de diminuição de direitos sociais e laborais.
Este Programa de Estabilidade e Crescimento traz consigo, sempre com a justificação da consolidação das contas públicas, a destruição da Administração Pública e vem, aliás, ao encontro da agora citada pro-posta do PSD em relação às funções do Estado e à sua diminuição para um nível mínimo, condenando o Estado não a ser um garante dos direitos dos cidadãos, mas um mero instrumento para os grandes interes-ses económicos e para o capital financeiro poder assegurar a maximização dos seus lucros com a minimi-zação dos direitos sociais e laborais.
Este Programa de Estabilidade e Crescimento é aquele que prevê mais privatizações em sectores estratégicos. Cavaco Silva justificou as privatizações do seu governo com a ideia de que o Estado asfixiava a economia. O PS continua a utilizar um argumento semelhante: privatizar para dar mais espaço ao sector privado e garantir a sustentabilidade das contas públicas. Mas o que se está a fazer é entregar a interesses privados sectores estratégicos fundamentais que são decisivos para a nossa economia e para um desen-volvimento equilibrado do nosso País.
Este é o Programa da estagnação da despesa em áreas sociais indispensáveis para o desenvolvimento do País.
Este Programa de Estabilidade e Crescimento prevê que o peso da despesa no PIB com a educação seja o mesmo até 2020! Que o peso da despesa no PIB para a saúde, mesmo quando reconhece o enve-lhecimento da nossa população, que tem consequências a nível da saúde, estagne até 2010, após o que prevê um ligeiro aumento, salvo erro de 0,3%.
Fala também em concentração de serviços, isto é, a diminuição de serviços públicos junto das popula-ções, concentrando-os por razões meramente economicistas e deixando as populações, designadamente as mais periféricas, pior servidas, mais ignoradas, mais distantes da resolução dos seus problemas.
Este é o Programa do aumento da taxa de desemprego, com o Governo — vejam bem! — a culpabilizar as mulheres de, sabe-se lá porquê, estarem a entrar em maior número no mercado de trabalho e, por isso, serem responsáveis pelo aumento da taxa de desemprego! É essa a referência que consta no Programa de Estabilidade e Crescimento, e é uma referência inaceitável que o Governo deve corrigir.
Este é o Programa que anuncia mais cortes nas pensões e nas comparticipações nos medicamentos.
O Sr. Ministro ainda tem oportunidade de dizer-nos se é ou não verdade que, durante este mandato, o Governo admite aumentar para mais de 65 anos a idade de reforma para todos os trabalhadores. Saiba o Governo que nós bem sabemos que essa é a sua intenção, que essa é uma medida que não exclui e que tem em carteira, se, na sua óptica, for preciso diminuir ainda mais a despesa pública e atacar ainda mais os direitos dos trabalhadores.
Por isso, dentro de dias, entregaremos ao Primeiro-Ministro um documento com mais de 100 000 assi-naturas, contestando essa política que se prepara e que merece desde já o nosso mais firme repúdio.
O Programa de Estabilidade e Crescimento que nos é apresentado refere-se a simplificação fiscal, mas não a maior justiça fiscal; não vai tributar mais os maiores lucros e as maiores benesses. Refere-se ao combate à fraude e à evasão fiscais, mas sabemos, porque o Governo o disse em sede do Orçamento do Estado, que os ganhos se reduzirão a 4% do total anual da fraude.
Como dizia, no domínio da segurança social, apenas existe 4% da dívida declarada.
Este é um Programa que, no seguimento do Orçamento, quer dar por adquirida a não sustentabilidade da segurança social.
Pela nossa parte, não damos por adquirido e incontestável o quadro apresentado pelo Governo no Orçamento do Estado e dizemos, Sr. Ministro, que connosco a gerir a segurança social o caminho seria bem diferente: não diminuiríamos os direitos mas combateríamos de forma mais séria a fraude e a evasão fiscais e diversificaríamos as fontes de financiamento, seja em relação à consideração do valor acrescenta-do bruto, seja até em relação a outras fontes de financiamento que já estão previstas na Lei de Bases da Segurança Social.
Só que o Governo não quer esse caminho. O único caminho que o Governo vê é o da diminuição de direitos. É por isso que este Programa tem de merecer a nossa rejeição, a rejeição de um caminho que é apresentado como inevitável mas que é tão-só o que o Governo escolheu e que vai contra os interesses dos portugueses e do País.