Altera o artigo 21.º do Código do IVA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezem-bro, no sentido de consagrar o direito à dedução de despe-sas com biocombustíveis e de reajustar o regime do direito à dedução de despesas resultantes da organização e parti-cipação em congressos, feiras, exposições, seminários e conferências
Intervenção de Honório Novo
16 de Setembro de 2005

 

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado:

 

Pretende o Gover-no alterar o artigo 21.º do Código do IVA, com dois objectivos centrais apresentados numa única proposta de lei.

Por um lado, o Governo quer consagrar a possibilidade de efectuar a dedução do imposto nas despesas respeitantes à aquisição de biocombustíveis, acrescentando-a ao actual regime de dedução que já contem-pla a aquisição de outros combustíveis como o GPL ou o gás natural. Tal como já sucede com o imposto suportado com a aquisição destas fontes energéticas, também a aquisição de biocombustíveis passará a beneficiar de uma dedução de 50% do IVA ou de uma dedução majorada até 100% quando os biocombus-tíveis forem utilizados em determinados casos especiais, como, por exemplo, os dos veículos pesados de passageiros ou dos veículos licenciados para transportes públicos, o que nos parece, naturalmente, positi-vo.

Este é, portanto, um incentivo fiscal que pode potenciar a utilização de novos combustíveis, colocando-os, neste aspecto, em pé de igualdade com o gás natural ou o GPL, e que, pretensamente, tem como objectivo contribuir para a redução das emissões de dióxido de carbono com origem no sector dos transpor-tes. De facto, a evolução da emissão de gases com efeito de estufa em Portugal é preocupante e o incum-primento por parte de sucessivos governos — este Governo, não tendo ainda tido tempo, neste aspecto ainda não fez nem deixou de fazer — das metas e compromissos previstos no âmbito de Protocolo de Quio-to é tão flagrante que o simples facto de se eliminar a discriminação fiscal negativa que atingia os biocom-bustíveis parece positiva, não obstante ser incapaz de esconder as profundas responsabilidades quanto à situação a que o País chegou no que respeita às emissões em carbono.

No entanto, Sr. Secretário de Estado, permita-me que, sem manifestar qualquer desacordo, deixe duas notas de alerta e de preocupação quanto ao futuro. A primeira tem a ver com o facto de Portugal não pro-duzir biocombustíveis e de nos parecer que as características e a dimensão das nossas áreas agrícolas não são compatíveis com a possibilidade de se poderem produzir quantidades capazes de fazer face à procura, o que pode significar que ou se está já a pensar na importação de novas fontes energéticas — com o consequente efeito na balança comercial —,ou se está a preparar o abandono de certas produções agro-alimentares que teriam, depois, de ser substituídas. Embora não seja um especialista em agricultura, dou-lhe o exemplo, face às novas determinações europeias, do eventual abandono da produção nacional de beterraba e da sua eventual substituição pela produção de biocombustíveis.

Uma segunda nota de preocupação tem a ver com o balanço energético relativo à produção dos bio-combustíveis, sobretudo quando ainda não é claro, no actual estádio de desenvolvimento da tecnologia, e tendo em conta a dimensão possível no nosso país, que esse balanço seja positivo quando a produção for levada a cabo em escalas, quantidades e condições pouco favoráveis.

Um segundo objectivo anunciado pelo Governo para alterar o artigo 2.º do Código do IVA tem a ver com um conjunto de correcções e alterações respeitantes ao regime de dedução aplicável às despesas com a organização e funcionamento de congressos, seminários e feiras. É verdade que o texto das alterações introduzidas em sede orçamental no final de 2004 encerra contradições que importaria clarificar. Na lei orçamental em vigor, a possibilidade de dedução do IVA para aquele tipo de despesas existe em situações contratualizadas com parceiros designados por «entidades legalmente habilitadas», por «entidades organi-zadoras de eventos» ou mesmo por «prestadores de serviços». Nunca se clarifica, contudo, o que se entende quanto ao enquadramento legal preciso deste tipo de parceiros, pelo que, entre eles, como aqui foi referido, estariam certamente as agências de viagens, às quais se continuaria a aplicar o Decreto-Lei n.º 221/85, de 3 de Julho, que não lhes confere, em princípio, o direito à dedução deste imposto.

Ora, em vez de se dizer expressamente que este último Decreto-Lei deveria, pura e simplesmente, ser considerado revogado face às normas incluídas na lei orçamental, ou em vez de se confirmar e clarificar que «entre as entidades organizadoras e/ou participantes em feiras, congressos e seminários estão as agências de viagens», o Governo não faz nada disto na sua proposta. Então, o que faz? Substitui os termos usados na lei orçamental para designar os organizadores de eventos, chamando-lhes agora «entidades legalmente habilitadas para o efeito», o que não só não parece ser clarificador como continua também a poder-se incluir neste âmbito as agências de viagem, sem paralelamente se dizer seja o que for sobre o estatuto pleno do Decreto-Lei n.º 221/85 e sobre a sua permanência em vigor.

Mas se o Governo, ao contrário do que anunciara, não parece clarificar em pleno o que se propunha fazer, corrigindo algo que merecia ser corrigido de forma completa e definitiva, avança, por outro lado, com algumas alterações que merecem atenção. Neste plano, parece positivo que seja eliminado o valor mínimo obrigatório para a factura passível de ser objecto de dedução do IVA, que o anterior Governo tinha colocado em 5000 €, aliás contra propostas do PCP que defendiam não ser aceitável que o direito à dedução benefi-ciasse apenas facturas de valores elevados.

Só que não se pode deixar de sublinhar que se propõe também uma não muito explicada nem ainda jus-tificada (espero que ainda o venha a ser), mas muito sensível diminuição dos valores de imposto passíveis de dedução. Ainda por cima, não me parece muito normal que esta alteração seja levada a cabo no decur-so de um exercício orçamental em que tinham sido criadas determinadas expectativas para os agentes económicos. Como tal, Sr. Secretário de Estado, parece que neste aspecto a alteração do IVA se destina apenas a tentar arrecadar mais algumas receitas fiscais. Não sei se, neste caso, o que parece é, mas temo que essa possibilidade exista. Repare-se que, na actual redacção, a dedução pode ser efectuada, na situa-ção mais vantajosa, até à totalidade do imposto liquidado. Todavia, com a redacção agora proposta, essa dedução só pode, em qualquer circunstância, ser efectuada até 50% ou 25% do total do imposto cobrado, o que significa um regime claramente mais penalizador que vai atingir a actividade turística, sector económico cuja importância me dispenso de assinalar.

O Governo, a pretexto das clarificações dos textos confusos e contraditórios introduzidos no Orçamento para 2005 — objectivo que, quanto a nós, não é inteiramente atingido —,consagra um novo regime de dedução do IVA substancialmente diferente e claramente mais penalizador de empresas cuja actividade se centra no sector turístico e na hotelaria. Neste aspecto, não podemos acompanhar sem uma explicação qualificada, que não foi dada, as opções do Governo.