Alteração das regras do sigilo bancário para garantir o combate eficaz à fraude fiscal
Intervenção de Honório Novo
2 de Junho de 2005

 

Sr. Presidente,
Sr. Deputado Francisco Louçã,

No início da sua interven-ção, o Sr. Deputado refere que o Sr. Primeiro-Ministro, Eng.º Sócrates, na apresentação do Programa do Governo, anunciou aqui vários compromissos para cumprir.

É verdade, somos todos testemunhas disso. Só que, Sr. Deputado, o problema foi que o Sr. Primeiro-Ministro se enganou na preposição e, em vez de dizer «compromissos por cumprir», disse «compromissos para cumprir»… E todos nós sabemos que os com-promissos são cada vez mais por cumprir!

Veja o que aconteceu com os impostos, que não eram para subir, mas vão subir. Veja-se a economia, que ia crescer a 3% e certamente nem no fim da Legislatura isso ocorrerá. Veja-se os 150 000 postos de trabalho a serem criados, que, pelos números ontem distribuídos na Comissão pelo Sr. Ministro das Finanças, se calhar, não serão 150 000 postos de trabalhos a mais, mas 150 000 postos de trabalho a menos — oxalá me engane! Certamente todos vamos fazer por estar enganados.

Sr. Deputado, dizia o PCP — e cada vez mais esta afirmação é verdadeira —, no ano 2000 (veja lá!), o seguinte: a pedra de toque da eficácia do combate à evasão e à fraude fiscais reside na possibilidade ou não de aceder a informações bancárias protegidas por sigilo bancário.

E se isto era verdade em 2000, hoje continua a sê-lo. Posto isto, gostava de colocar duas questões concretas sobre o projecto de lei, hoje em discussão. A primeira tem a ver com a comissão para a transparência fiscal que se propõe seja criada.

Todos nos recordamos, porque isso aconteceu recentemente, que o ministro — digo, ex-ministro, felizmente!… — Bagão Félix, no debate orçamental, propôs a criação de uma espécie de supergrupo de investigação fiscal. Tenho a certeza de que essa entidade nem terá sido nomeada…

Mas, admitindo que, por estultícia, essa superpo-lícia de investigação tenha sido nomeada pelo ex-ministro Bagão Félix, haverá ou não aqui alguns conflitos de competências entre aquela que pretendem criar e aquela que presumivelmente teria sido criada? Não se sabendo se terá sido criada, como é que se propõem resolver o problema, na especialidade, em relação a essa putativa entidade, que não se sabe se foi ou não criada?

A segunda questão tem a ver com a avaliação de resultados. Propõe o Sr. Deputado que a comissão remeta para investigação fiscal uma série de contribuintes eventualmente em falta, mas importava era veri-ficar a avaliação dessa remissão de procedimentos. Ora, isso não está contemplado no vosso projecto de lei. E é importante avaliar e verificar os resultados, porque, como acabámos de ouvir aqui, pela voz do Sr. Deputado José Manuel Ribeiro, do PSD, em matéria de combate à evasão e à fraude fiscais, o que temos é bons discursos, boas intenções, quando o que se pretende é acabar com aqueles bons discursos e passar à eficácia fiscal, que é o que tem faltado neste país.

 

(...)

 

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados

 

Surge este agendamento potestativo num momento em que começam a ser conhecidos alguns dos aspectos concretos que vão fazer parte do novo Programa de Estabilidade e Crescimento.

De tudo o que se conhece bem se percebem três coisas essenciais. Em primeiro lugar caem por terra todas (ou quase todas) as principais apostas e compromissos do PS decalcados no Programa do Governo: a economia não vai crescer como se disse, o desemprego vai aumentar em vez de diminuir, a moderação salarial regressa à ordem do dia (de que aliás nunca saiu) para continuar a impor a competitividade de uma economia que se insiste em construir à base de um modelo de baixos salários!

Em segundo lugar também já se percebeu que isso da crise ser para pagar por todos, e que isso dos sacrifícios terem que ser pedidos a toda a gente é muito bonito para ser dito, mas não tem qualquer correspondência prática nas medidas que se conhecem e têm sido anunciadas. De um lado surge o ataque sem quartel aos funcionários públicos e aos trabalhadores – transformados em responsáveis e bode expiatório do défice – de um lado, surge o aumento do IVA – esse “imposto cego” (como diziam os socialistas em 2002), esse imposto que penaliza em especial os mais desprotegidos. Do outro lado mantêm-se os privilégios fiscais, designadamente para o sector financeiro que continua a ter lucros fabulosos e a pagar de IRC menos de metade do que pagam as pequenas e médias empresas deste país.

Em terceiro lugar, é visível a falta de vontade política (de coragem) do Governo em tomar medidas concretas cujo objectivo seja atacar os problemas centrais da fraude e da evasão fiscal, do combate e da eliminação a benefícios e privilégios fiscais indevidos.

Tudo nesta matéria é adiado. Tudo neste campo é remetido para grupos de estudos e de reflexão. Tudo nesta questão essencial é atirado para decisões a tomar lá mais para o fim do ano.

Mas esperar e adiar o quê e para quê? Com que fundamento? Não se conhecem soluções? Não há já recomendações e muitas propostas para resolver o problema da evasão e fraude fiscais?

A verdade é que há soluções, muitas, há muito tempo conhecidas.

O que falta é vontade política para levar a prática essas propostas, para as implementar, para as agilizar e as colocar no terreno.

O que sobra, são discursos redondos que nada fazem, só contribuem para criar ilusões!

Como aliás recorda o Bloco de Esquerda no preâmbulo do seu projecto, já Silva Lopes, no contexto da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, defendia que perante uma consulta ao sistema bancário “sem possibilidade de recurso a manobras dilatórias (…) os contribuintes cumpridores não teriam razões para se queixar de perseguição fiscal” (fim de citação).

 

Senhores Deputados

Ao longo destes anos têm sido muitas as propostas que temos defendido para que o sigilo bancário deixasse de ser uma das principais armas colocadas ao serviço da evasão e fraude fiscais. Talvez recordar as propostas no contexto da reforma fiscal do rendimento, ocorrido no final de 2000 na sequência de um agendamento potestativo do PCP; talvez recordar projectos da mesma época que visavam agilizar a eficácia da investigação bancária em matéria de crimes de branqueamento de capitais; talvez recordar, ao invés, a realidade. E a realidade tem a ver com soluções mitigadas, envergonhadas, para que remeteram muitas daquelas propostas do PCP, soluções impostas pelo PS ou pelo PSD, e que, na prática, nada ou quase nada tem alterado. E é por isso, por tudo isso, que Portugal continua a ser um dos países da União Europeia com maior volume de fraude e evasão fiscal e com menor grau de eficiência da sua Administração tributária, não obstante o esforço dos seus profissionais!

Não há nenhum argumento válido que possa dar cobertura à falta de vontade política de governos sucessivos. Nem sequer o argumento da desconfiança e da fuga de capitais. A realidade na maior parte do países da Europa é bem outra, aí existe facilidade no acesso à informação bancária para efeitos fiscais.

Vamos ver até que ponto e até quando se mantém a falta de vontade política do PS. Como sempre dissemos, a eficácia do combate à fraude e evasão fiscais resulta em linha directa da possibilidade de acesso da administração fiscal às informações protegidas por sigilo bancário. Até agora o PS tem ignorado esse facto elementar e recusado – enquanto governo e até na oposição, em parceria com o PSD e CDS – todas as propostas concretas que ao longo dos anos temos apresentado e que, muitas delas são consensuais e assumidas por muitos outros que se tem empenhado seriamente no combate á fraude e evasão fiscais. Por isso este combate se tem limitado mais a palavras e intenções do que acções concretas, ainda menos a resultados palpáveis.

O projecto do Bloco de Esquerda, não obstante um ou outro pormenor de avaliação na especialidade, merece-nos pleno apoio já que, também ele retoma, no fundamental, o espírito, propostas e orientações já conhecidas e muitas delas já debatidas (embora infelizmente recusadas).

Disse.