Medidas de combate à evasão e fraude fiscais e de contribuições ao regime da Segurança Social
Intervenção de Lino de Carvalho
11 de Dezembro de 2003

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

11 mil milhões de euros de dívidas fiscais ao Estado !

2,9 mil milhões de euros de dívidas à Segurança Social !

Multinacionais que, só em 2002, lesaram o Estado em 142 milhões de euros de IRC por recorrerem de forma ilegal à figura de sujeito não residente sem estabelecimento estável!

50% das empresas sedeadas na zona franca da Madeira que não declaram qualquer volume de negócios para efeitos de IVA, 42,5% que não apresentam a declaração periódica de rendimentos para efeitos de IRC, 67% de empresas licenciadas naquele off shore que a Administração Fiscal não consegue identificar !

Instituições financeiras que se vangloriam de só pagarem 8% de IRC!

Dívidas fiscais de 1,6 mil milhões de euros em risco de prescrever, da qual cerca de metade é já irrecuperável!

E isto é somente referente ao que se sabe! Portugal transformou-se, sem dúvida, num paraíso para a evasão e a fraude fiscais dos grandes contribuintes, que não dos trabalhadores que vêem logo descontado na fonte as suas obrigações tributárias.

E para um combate efectivo a este escândalo o que ouvimos do Governo não tem passado, até ao momento, de palavras, palavras e mais palavras. Actos nenhuns. O Ministério das Finanças tinha anunciado para 2003 a criação de uma ficha do contribuinte com o registo da sua relação fiscal com o Estado. Mas nada foi feito. O Governo prometeu o cruzamento de dados mas a única coisa que aconteceu foi o envolvimento da Ministra das Finanças numa polémica com a Comissão Nacional de Protecção de Dados pela qual se ficou a saber que, ao contrário do afirmado, o Governo jamais avançou com qualquer iniciativa nesta matéria. A Ministra das Finanças e o Primeiro-ministro continuam a não permitir, na prática, o aceso da Administração Fiscal às informações protegidas pelo sigilo bancário, meio decisivo para combater a fraude e a evasão fiscais.

Finalmente, o Governo não só esvazia a Administração Fiscal dos meios humanos necessários à arrecadação da receita fiscal do Estado como ataca e desvaloriza permanentemente os trabalhadores da Administração Pública.

É por isso tudo que não temos qualquer hesitação em afirmar que o Governo não revelou vontade política para combater a fraude e a evasão fiscais, porque isso obviamente atingiria interesses instalados, base de apoio do PSD e do CDS/PP. A afirmação espantosa da Ministra das Finanças de que Portugal não tem um problema de receita fiscal, contra todas as evidências, demonstra exactamente a acusação que fazemos.

O comportamento do Governo, durante o debate do Orçamento do Estado para 2004, no que se refere à criação de mecanismos que permitissem a interconexão de dados entre a Administração Fiscal, a Segurança Social e outros departamentos da Administração Pública, ao recusar um acordo com toda a oposição sobre esta matéria é revelador da indefinição e hesitação que atravessam o Governo.

Por isto tudo, o Grupo Parlamentar do PCP tem erigido como prioridade nas suas propostas de politica fiscal o combate à fraude, à evasão e à elisão fiscais. O projecto de Lei que hoje está em debate, na sequência de muitas outras propostas anteriormente feitas – como as que ainda recentemente foram rejeitadas no debate do Orçamento do Estado para 2004 – cria um conjunto de instrumentos necessários à plena efectivação deste objectivo.

Propomos:

• A criação de duas Bases de Dados, da Segurança Social e da Administração Tributária;
• A Base de Dados da Segurança Social, da responsabilidade do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, tem por finalidade organizar, normalizar e manter permanente e actualizada informação a nível nacional relativa a todos os contribuintes e beneficiários;
• Sempre que uma pessoa singular ou colectiva proceda à entrega de uma declaração de início de actividade nos termos do Código do IVA a Administração Tributária informará, nos 30 dias seguintes, a Segurança Social;
• A Administração tributária envia à Inspecção-Geral da Segurança Social, no final do segundo trimestre de cada ano e referente ao ano anterior a listagem completa das remunerações constantes da declaração anual entregue por cada empresa com vista ao cruzamento dos valores declarados pelo contribuinte à Segurança Social;
• Todos os beneficiários da Segurança Social terão acesso às suas informações pessoais através da utilização de um cartão informatizado com uma senha pessoal e intransmissível;
• A Base de Dados da Administração Tributária, da responsabilidade da Direcção-Geral dos Impostos, integrará toda a informação fiscal e patrimonial de cada contribuinte e todos os registos da Administração Pública (cujos organismos assumem o dever de fornecer todos os dados relevantes) com incidência tributária, designadamente os registos e informações disponíveis nas Conservatórias do Registo Automóvel e do Registo Predial;
• As duas Bases de Dados têm âmbito nacional e integrado e um campo comum com a indicação do número de identificação fiscal através do qual se procede ao cruzamento de informações;
• Face à detecção de infracções os serviços competentes da Segurança Social e da Administração Tributária desencadearão os procedimentos necessários, que o projecto prevê, com vista à liquidação dos valores de contribuições e impostos em falta e à aplicação de sanções que a lei prevê;
• As duas Bases de Dados e as suas operações, no âmbito da aplicação da lei, são acompanhadas e fiscalizadas pela Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais;
• Anualmente serão apresentados à Assembleia da República os respectivos relatórios de actividade sobre a execução da lei.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Já depois de agendado este debate o Governo fez distribuir esta manhã, a reboque das iniciativas da oposição, o seu projecto de decreto-lei visando a interconexão de dados entre a Administração Fiscal e a Segurança Social. Quando for efectivamente publicado teremos então oportunidade de o apreciar. Mas se as iniciativas que desencadeámos no debate do Orçamento do Estado e os projectos de lei hoje em debate já impuseram que o Governo, finalmente, rompa com a sua falta de vontade politica e as suas hesitações dispondo-se a dar passos nesta matéria, então podemos desde afirmar que valeu a pena a nossa insistência. Mas mais. Numa primeira leitura do texto que o Governo nos enviou verificamos que seguiu muito de perto a solução proposta no projecto do PCP criando também duas Bases de Dados e cruzando-as entre si. Afinal, a oposição não faz tudo mal, como alguns, no seio do Governo gostam de propagandear. Ainda bem. Em todo o caso o que seria adequado é que o Governo nos enviasse uma Proposta de Lei que, com as iniciativas legislativas hoje em debate, dessem lugar a uma Lei, com uma larga base de consenso, responsabilizando-nos a todos. Temos ainda a expectativa de que até à hora da votação o bom senso impere na maioria e no Governo.

Disse.