Regime de tributação das mais valias
Intervenção do Deputado Honório Novo
5 de Dezembro de 2002

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,

Esta apreciação parlamentar poderia constitui, ela própria, uma importante oportunidade para se conhecer da sinceridade das preocupações de todos quantos enchem os discursos com a necessidade de se aumentar a receita fiscal do Estado pondo a pagar impostos quem não paga. Poderia, dizemos nós. Se o PSD e o CDS/PP, se o Governo, tivessem um comportamento minimamente sério nesta matéria.

Todos conhecemos a história da saga das mais valias à portuguesa. Com a parcialmente defunta reforma fiscal introduziu-se, na nossa ordem fiscal, pela primeira vez, a tributação das mais valias de ganhos bolsistas em resultado da venda de acções, obrigações e outros títulos. Não fizemos mais do que se faz na generalidade dos restantes países da União Europeia, de que tanto certos sectores deste hemiciclo falam mas para só copiarem o que interessa aos interesses que representam.

Antes da reforma fiscal os ganhos em bolsa eram teoricamente tributados à taxa liberatória de 10%. Teoricamente, de facto, porque não existindo nenhuma forma de registo ou controle nem esse valor era pago.

A Reforma Fiscal de 2000, com a Lei n.º 30-G de 29 de Dezembro, com o contributo forte do PCP, passou a determinar que as mais valias fossem tributadas, aliás, de forma extremamente moderada. Recordemos que o saldo apurado entre as mais e as menos valias era apenas considerado em 50% do seu valor em certos casos e, na alienação de acções, o valor dos rendimentos sujeitos a tributação eram considerados em apenas 30%, 40%, 60% e 75% conforme os títulos em causa fossem detidos, respectivamente, durante 60 meses ou mais; entre 24 e 60 meses; entre 12 e 24 meses ou menos de 12 meses. Recordamos que na altura também passaram a ser tributadas em IRC as mais valias realizadas pelas SGPS na venda do seu património que o Governo do PSD/CDS já teve o cuidado também de revogar na Lei do Orçamento de Estado para 2003.

E todos nos lembramos também da reacção violenta, arrogante, chantagista até dos grandes interesses que passavam a ser obrigados a pagar impostos. Basta lembrar o tom e a postura do Sr. Belmiro de Azevedo e a sua ameaça de deslocalizar as suas holdings para a Holanda.

Ainda a Reforma Fiscal não tinha entrado em vigor e já o Partido Socialista, dando uma curva de 180º e violando a boa-fé de quem, como o PCP, com ele tinha viabilizado a Reforma Fiscal, cedendo à chantagem dos interesses, suspendeu a tributação das mais valias, adiando-a de 2001 para 2003 e, mesmo assim, reduzindo a sua tributação a metade.

Chegado o PSD/CDS ao poder, uma das primeiras medidas, senão a primeira, foi o pedido de autorização legislativa (a Lei n.º 16-B/2002 de 31 de Maio) para acabar de enterrar a Reforma Fiscal nesta componente da tributação das mais valias em IRS, o que acabou por ser executado com o Decreto-Lei n.º 228/2002 de 31 de Outubro, que hoje chamamos à apreciação parlamentar. A tributação das mais valias passou assim à situação existente antes da Reforma Fiscal: deixaram de ser tributadas e nem sequer contam para efeitos de determinação da taxa.. Ou, se quisermos ser mais rigorosos, voltaram à tributação em taxa liberatória de 10% e só para as acções detidas há menos de 12 meses. E aqui, pasme-se sobre o que está para acontecer, segundo notícias que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não desmentiu. No quadro da reforma fiscal tinha também sido introduzida a obrigatoriedade dos operadores da bolsa organizarem uma conta-corrente com os resultados, por investidor, dos rendimentos das transacções efectuadas em bolsa. É o n.º 4 do art.º 101.º do Código do IRS que, que saibamos, ainda não foi revogado. O que, apesar de tudo, poderia constituir um instrumento para que fosse possível reter na fonte os 10% a que as mais valias passaram de novo a estar sujeitas. Pois nem isso o Governo do PSD/CDS quer fazer. Cedendo também às exigências dos operadores e da Associação Portuguesa de Bancos o Governo prepara-se, segundo notícias divulgadas pela comunicação social, para dispensar os intermediários financeiros de reter na fonte os tais 10%, o que deveriam começar a fazer a partir de Janeiro do próximo ano. No mínimo, o Governo tem a estrita obrigação de dizer hoje ao País se esta vergonha se confirma, sem prejuízo de entendermos que o que é necessário é regressarmos às normas originais da Reforma Fiscal.

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,

Quando o Governo afirma a extrema necessidade de aumentar as receitas fiscais do País para poder cumprir o “sacrossanto” déficit; quando o Governo agrava a carga fiscal sobre os portugueses de mais baixos rendimentos, os que vivem dos rendimentos do seu trabalho, os pensionistas e reformados, como resulta do Orçamento de Estado para 2003; quando o Governo, em nome dos sacrifícios que exige aos portugueses (mas só a uma parte dos portugueses) impõe praticamente o congelamento salarial na função pública com diminuição real dos seus rendimentos, anuncia o mais baixo aumento das pensões de reforma dos últimos anos, propõe um aumento do Salário Mínimo Nacional de 2,4% (abaixo da própria taxa de inflação prevista pelo Governo para o próximo ano, o que acontece pela primeira vez desde o 25 de Abril), quando o Governo se prepara para aumentar o Imposto sobre os combustíveis, constitui um escândalo que os rendimentos obtidos na bolsa continuem a estar isentos de qualquer tributação. Mas porque razão, mas com base em que conceito de justiça fiscal, é que se alguém ganhar 500 000$00 a trabalhar paga .34 % de IRS mas se obtiver o mesmo rendimento jogando na bolsa não paga, de facto, nada. Zero!!!

Saibam, senhores deputados do PSD/CDS, que tanto falam nos exemplos da Europa, que a Alemanha, para fazer face às suas dificuldades orçamentais e à dramática quebra de receitas fiscais, acaba de decretar a introdução de uma taxa de 15% sobre as mais valias obtidas em bolsa. Neste quadro entregámos na mesa várias propostas de alteração ao Decreto-lei que estamos a apreciar e cujo sentido fundamental é o regresso às normas de tributação que estavam previstas na Reforma Fiscal de 2000. Lançamos assim um desafio ao Governo (e ao PS) para, em Comissão nos acompanharem e votarem a favor da reintrodução de alguma justiça no nosso sistema fiscal. Se o não fizerem ficam, definitivamente, sem nenhuma autoridade moral, para continuarem a pedir sacrifícios aos portugueses que vivem dos rendimentos do seu trabalho, aos trabalhadores por conta de outrém, aos micro e pequenos empresários.

Disse.