Lei de Bases da Política de Família
Intervenção de Margarida Botelho na Assembleia
da República
25 de Outubro de 2000
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
O projecto-lei do PSD defende uma política de família. O que não se coaduna com a realidade sociológica, hoje, de família. Esta é objecto de várias políticas, nas várias áreas, dirigidas aos vários membros do agregado familiar, e não à família como ente jurídico que já não tem acolhimento no nosso direito.PCP já frisou no recente debate sobre o 'cartão da família' proposto pelo PSD a enorme discrepância existente entre algumas boas intenções aqui aparentemente espelhadas e o voto que essa bancada deu em relação a propostas que de facto protegem os trabalhadores, as famílias e os seus membros.
Escuso-me a aprofundar o que o PCP já denunciou na sessão de 27 de Setembro, mas há que sublinhar as posturas do PSD nesta questão: abstenção - e consequente chumbo - da gratuitidade dos manuais escolares; introdução de uma lei de financiamento do ensino superior assente na comparticipação das famílias, as mais penalizadas da Europa para que os seus filhos prossigam os estudos; foi o PSD quem aumentou a idade da reforma das mulheres; é o PSD que está normalmente ao lado do patronato na desregulamentação e precarização do mundo do trabalho.
Há algumas passagens deste projecto-lei que nos merecem atenção especial, pelo que revelam do conceito extraordinariamente conservador de família do PSD.logo, na base 25, a referência, para nós misteriosa, a 'uma vida familiar normal', que não sabemos sinceramente o que é, quem a define, nem o que acontece a quem tem a desgraça de não corresponder ao parâmetro da normalidade.
Na discussão da proposta de lei 35/VIII que autorizava o Governo a alterar o regime jurídico que regula a entrada, a permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, recordamos que o PSD, com o PS e o CDS-PP, votaram contra a proposta do PCP que garantia 'o direito ao reagrupamento familiar aos estrangeiros membros da família de um cidadão residente que com ele tenham vivido noutro país, que dele dependam ou que com ele coabitem em território nacional.
É no mínimo hipócrita fazer esta votação e colocar agora neste projecto o direito ao reagrupamento das famílias de emigrantes portugueses no estrangeiro, omitindo os casos dramáticos das famílias dos estrangeiros que se fixam no nosso país.propor que os pais se possam 'opor a que os filhos sejam obrigados a receber conhecimentos que não estejam de acordo com as suas convicções éticas e religiosas', o PSD está na realidade a abrir caminho para que os pais possam impedir os filhos de receber conhecimentos científicos e técnicos que se oponham às suas convicções.
Esquecendo que os pais não podem, segundo a Lei, interferir na opção religiosa dos maiores de 16 anos. Mas esquecendo também que prerrogativas deste género levaram a que nos Estados Unidos se fizesse um referendo estadual para decidir o que aprendiam os meninos na escola sobre o surgimento do Homem: a teoria criacionista ou a teoria evolucionista?
Os pais dos meninos decidiram em referendo que, para efeitos escolares, Deus tinha criado o Homem. E penso que ninguém nesta Assembleia quer deixar em aberto esta possibilidade de obscurantismo.
Ao PCP só resta o voto contra.
De resto, ao apresentar um projecto-lei muito semelhante aos que já tinha apresentado noutras legislaturas, e muito semelhante aos projectos do CDS-PP, o PSD já deveria saber que não recolhe o acordo desta bancada.