A Bandeira Comunista
A folha manuscrita aqui reproduzida é a
única existente do original de A Bandeira Comunista
de José Carlos Ary dos Santos.
Um dos mais conhecidos poemas de Ary
e seguramente dos mais queridos dos militantes do PCP, A
Bandeira foi escrito em condições que merecem
ser recordadas.
Na segunda-feira, 11 de Agosto de 1975 o Centro
de Trabalho do PCP em Braga foi destruído e incendiado
após um ataque comandado por um grupo operacional do ELP,
como mais tarde veio a ser revelado por numerosas investigações
e directamente reconhecido por alguns dos membros do comando directamente
envolvidos.
O «Avante!» enviara no fim de semana
anterior para Braga um seu colaborador fotógrafo, uma vez
que corriam insistentes boatos de incidentes em Braga na segunda-feira
por (como sucedeu em diversos outros actos terroristas) ser dia
de feira. Tendo resolvido pernoitar no Porto, o repórter
chegou a Braga a meio da manhã verificando então
que os provocadores haviam já desencadeado as agressões
e que o Centro de Trabalho (onde se encontravam numerosos militantes)
estava já cercado.
Apedrejamentos e tentativas de fogo posto sucederam-se
ao longo do dia, tendo – de forma equívoca nunca
inteiramente esclarecida – os defensores do Centro acabado
por ser retirados por uma força militar que deixou o edifício
entregue aos fascistas que completamente o destruíram e
incendiaram.
Tomado pelos provocadores como um repórter
que lhes era favorável, o fotógrafo do «Avante!»
pôde assim obter ao longo do dia as mais extraordinárias
imagens da violência fascista à solta, muitas das
quais foram publicadas na edição seguinte do «Avante!»,
a 14 de Agosto.
Para essa mesma quinta-feira, a Direcção
da Organização Regional de Lisboa convocara para
o hoje Pavilhão Carlos Lopes um comício de solidariedade
com os camaradas das organizações atingidas pelo
terrorismo e de exigência de medidas de salvaguarda da ordem
democrática.
Na redacção do «Avante!»
decidimos montar num dos átrios do Pavilhão uma
exposição com ampliações das fotos
de Braga, de que só uma pequena parte havia sido publicada
no jornal. Feitas as ampliações, colocou-se o problema
das legendas – que acabou a ser um duplo problema...
A questão era que as imagens tinham uma
força tal que qualquer palavra, qualquer frase parecia
estar ali a mais. Contudo...
Lembrámo-nos então, telefonou-se
ao Zé Carlos para a Espiral, agência
de publicidade onde trabalhava, e dissemos-lhe do problema: «Não
serias capaz de fazer aí qualquer coisa, uns versos com
força, isto não há legendas que resolvam
isto...». «Esperem lá um bocado que eu já
ligo.»
Meia hora depois o telefone tocava e ouvia-se
o vozeirão do outro lado: «Então vejam lá
se esta coisa serve.»
Era A Bandeira Comunista. Copiada
ao telefone, dactilografada e ampliada, iniciou nessa noite de
luta um caminho que não findou jamais.
A bandeira comunista
Foi como se não bastasse
tudo quanto nos fizeram
como se não lhes chegasse
todo o sangue que beberam
como se o ódio fartasse
apenas os que sofreram
como se a luta de classe
não fosse dos que a moveram.
Foi como se as mãos partidas
ou as unhas arrancadas
fossem outras tantas vidas
outra vez incendiadas.
À voz de anticomunista
o patrão surgiu de novo
e com a miséria à vista
tentou dividir o povo.
E falou à multidão
tal como estava previsto
usando sem ter razão
a falsa ideia de Cristo.
Pois quando o povo é cristão
também luta a nosso lado
nós repartimos o pão
não temos o pão guardado.
Por isso quando os burgueses
nos quiserem destruir
encontram os portugueses
que souberam resistir.
E a cada novo assalto
cada escalada fascista
subirá sempre mais alto
a bandeira comunista.
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