No Encontro-debate “A importância da refinação de petróleos
e da Refinaria do Porto para a região e o país”
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP
Porto, 18 de Junho de 2005

 


Camaradas e amigos,
Estimados Convidados:

Com a realização deste nosso Encontro-Debate sobre a defesa da capacidade de refinação nacional de petróleo e da Refinaria de Matosinhos iniciamos a acção nacional do PCP sob o lema “Basta de sacrifícios e desemprego. Nova política, mais produção nacional”.

Acção que enquadra bem os propósitos que nos trouxeram aqui e que são os da defesa da produção e do aparelho produtivo nacional, o crescimento e desenvolvimento económico do país e das regiões e a defesa do emprego.

Iniciativa nacional que se desenvolverá até ao próximo dia 1 de Julho e que justamente quer dar resposta à mistificadora campanha que faz do défice público o problema central dos portugueses e do país e dele quer fazer pretexto para uma nova escalada na ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e para um novo agravamento das injustiças sociais.

Nas próximas duas semanas iremos, por isso, ao encontro dos portugueses com um vasto conjunto de iniciativas declarando a nossa firme oposição às medidas tomadas pelo novo governo do PS que, tal como os governos da direita do PSD/CDS, sacrifica os mesmos de sempre, os trabalhadores, os reformados, os pequenos e médios empresários.

Em cem dias de governação, se descontarmos as promessas que têm tanto valor e credibilidade como as que foram feitas durante a campanha eleitoral, para depois serem esquecidas e adulteradas, o que é concreto, aprovado e calendarizado é no essencial o mesmo caminho desastroso iniciado nos cem dias do Governo Barroso.

Não há resultados diferentes com políticas iguais! O Banco de Portugal descobre a pólvora, quando anuncia a possibilidade de recessão económica.

Medidas socialmente injustas e economicamente desastrosas, como são o aumento dos impostos indirectos, o congelamento das carreiras dos trabalhadores da administração pública, a contenção salarial ou a alteração da idade da reforma, que vão juntar crise à crise, acentuam o pendor recessivo da economia portuguesa com a redução do mercado interno através do ataque ao poder de compra da população, agravam os custos das empresas, e vão acrescentar dramaticamente o número de cerca de meio milhão de desempregados.

Uma acção nacional que reafirmará não só a possibilidade, mas também a necessidade de se encetar outro caminho, com uma nova política que aposte no crescimento e no desenvolvimento económico e na criação de emprego, no combate às deslocalizações, na valorização dos salários e das pensões, não só por um imperativo de justiça social, mas como factor dinamizador da actividade económica.

Outro caminho e nova política que promova um sério combate aos crónicos défices estruturais da economia portuguesa, o agro-alimentar, o energético e o tecnológico, esses sim, os mais preocupantes défices que o país tem que enfrentar com determinação e são a fonte das dificuldades das finanças públicas.

Uma acção nacional também de esclarecimento e mobilização dos trabalhadores e do povo português que apela à necessidade da luta e do protesto contra uma política injusta no plano social e que é incapaz de dar resposta aos grandes problemas e necessidades dos portugueses. (...).

Caros camaradas,
Caros convidados:

Realizamos este Encontro-Debate sobre a importância da refinação do petróleo e da Refinaria de Matosinhos para o país e para esta região num momento em que também as questões energéticas, especialmente aquelas que se prendem com a tendencial escassez de petróleo, reassumem uma particular centralidade nas preocupações da acção política, dos agentes económicos e sociais e na vida dos povos.

Preocupações que, com especial agudeza, se manifestam num país, como o nosso, que, embora possuindo significativos recursos energéticos próprios, hídricos, solar, éolicos, biomassa, geotérmicos, bastante mal aproveitados, apresenta simultaneamente uma forte dependência do exterior dominantemente em combustíveis fósseis e que se traduz num enorme défice estrutural e, por conseguinte, numa volumosa factura energética que teima em não diminuir.

Défice, aliás, subestimado e esquecido, em comparação com outro, o das finanças públicas, cuja gravidade comparativa se empola com propósitos pouco inocentes.

Enorme défice energético que se vem agravando sobre a pressão de múltiplos factores nacionais e internacionais, o menor dos quais não será, no plano nacional e europeu, a concretização nos últimos anos, de uma deliberada política neoliberal de privatizações e de desregulamentação não só na área da energia, mas também noutros domínios onde a irracionalidade e a anarquia se instalou, como é o caso da política de transportes com nefastas consequências na evolução da situação energética do nosso país.

Este preocupante e descontrolado crescimento tem no fundamental, a ver com a política de transportes ou a falta dela em que se constata uma clara dominância do transporte rodoviário, particularmente privado, sobre o transporte público, de preferência sobre carris e de tracção eléctrica.

Portugal não tem há anos uma política energética digna desse nome e o que existe como alternativa é uma política do capital financeiro e monopolista que no essencial se traduz na aquisição de activos e na obtenção de elevados dividendos e cujas decisões determinam no essencial a condução e evolução das opções dessa política.

Uma política marcada pelo abandono do planeamento energético – o organismo que concebia, actualizava e monitorizava o Plano Energético Nacional foi extinto, mas também pelo desmembramento do sector público e pela abdicação pelo Estado do controlo sobre as empresas do sector e dos objectivos de racionalização, mínimo custo, satisfação dos consumidores, desenvolvimento regional, ambiente e aproveitamento dos recursos nacionais que deviam presidir a uma política ao serviço dos interesses do país.

Uma política que anunciava com a desregulamentação e a liberalização do sector energético mais eficiência e preços mais baixos, objectivos que estão muito longe de se confirmarem e, que, afinal, apenas, tornou o país mais exposto ao capital monopolista estrangeiro sem qualquer vantagem para os consumidores e para o alívio da nossa factura energética.

Situação que nem o facto positivo do aumento da diversificação do aprovisionamento energético com a introdução no país, nestes últimos anos, do carvão e do gás natural vem alterar.

Contraditória evolução num país em crescente processo de desindustrialização em resultado de uma política que, pela mão de sucessivos governos, abdicou da defesa do aparelho produtivo e da produção nacional e que tem na evolução do sector petrolífero com o processo de privatização da Petrogal, uma outra preocupante expressão, nomeadamente com a intenção, umas vezes explicita, outras vezes vagamente afirmada, de liquidação da Refinaria de Matosinhos.

Escorada nos empolados argumentos das baixa produtividade, fiabilidade e segurança das instalações, para esconder os verdadeiros motivos que são os terrenos que a saída da Refinaria libertaria. Todos os estudos sérios apontam para o facto de que tais debilidades são perfeitamente superáveis com adequados investimentos, perfeitamente insignificantes, face à importância estratégica da Refinaria para o país.

Está hoje cada vez mais claro que todo o processo de privatização da Petrogal é totalmente contrário aos interesses do país.

A constituição da Galp Energia daí resultante com a malfadada fusão da Petrogal com a Transgás, cometida durante o governo de Guterres e quando era Ministro da Economia , Pina Moura, foi pensada e realizada para dar inicio a um processo de subalternização dos interesses nacionais.

Processo ainda em curso e no seio do qual emergem as contradições próprias de uma luta entre facções do grande capital pela posse dos vários segmentos do sector energético.

Operação que permitiu a entrada, muito pouco esclarecida, do Grupo ENI com a junção do negócio do petróleo e do gás natural e que tinha como objectivo abrir espaço à penetração dos interesses daquela empresa nas áreas do gás natural e à colocação dos seus produtos petrolíferos, particularmente em Espanha, em total concorrência com a empresa portuguesa.

Foi neste quadro de afirmação dos interesses da multinacional italiana ENI, que tem na área dos petróleos uma capacidade excedentária, que se passou incompreensivelmente, e no âmbito desta reestruturação privatizadora a defender o fecho da Refinaria de Matosinhos.
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Pretensão tanto mais incompreensível quanto é sabido que a Refinaria de Matosinhos é a única que produz especialidades – aromáticos e lubrificantes – em articulação e estreita ligação com a Refinaria de Sines e cuja actividade permite a potenciação da produção de ambas através da troca de produtos intermédios.

Duas refinarias cuja capacidade instalada não é excedentária para o abastecimento do país, sendo ainda hoje necessário importar alguns produtos, nomeadamente o GPL e o gasóleo.

Num momento em que tanto se afirma a necessidade de elevar a produção e criar mais riqueza a diminuição da nossa capacidade de refinação, o fecho de qualquer destas unidades de produção, para além das consequências sociais, traduzir-se-ia num aumento das importações com o consequente aumento do défice da balança comercial e o aprofundamento do estrutural défice das finanças públicas.

Para além da actividade ligada claramente ao sector energético, a Refinaria de Matosinhos é também um importante produtor de matérias-primas para a indústria química orgânica nacional e para a exportação, constituindo assim uma actividade que contribui muito positivamente para o já tão desvalorizado perfil de especialização da nossa indústria transformadora.

Depois de várias “reestruturações” realizadas pelos governos do PSD e do PS, que se traduziram em novas oportunidades de investimento/especulação do capital monopolista nacional e internacional e numa desestruturação geral das empresas do sector, assistimos neste momento ao anúncio de mais uma nova “ reestruturação” a segunda da iniciativa de um governo do PS, ao mesmo tempo que são tornadas públicas notícias de novas movimentações do grande capital nacional e internacional com a espanhola Iberdrola à cabeça, agora também pela mão de Pina Moura, num novo processo de assalto à Galp e às outras empresas do sector.

Nova reestruturação que o governo PS anuncia como “um novo impulso” à liberalização do mercado de energia, nos seus diversos segmentos e que se perspectiva como uma nova etapa na entrega de mais fatias de poder ao grande capital privado nas empresas do sector.

Orientação que persiste no mesmo e incoerente caminho para onde tem sido conduzido, nos últimos anos, o sector energético português, que se traduz nesse inadmissível desequilíbrio que se expressa no aumento dos consumos de energia a taxas superiores ao aumento do PIB pela demissão e desresponsabilização do Estado na concretização de uma política energética e pela completa ausência de um plano energético nacional.

Uma evolução contrária às necessidades de desenvolvimento do país quando se sabe que o sector energético é um sector que assume uma importância estratégica, tão mais importante quanto as economias e as sociedades se complexificam e incorporam cada vez mais energia nas suas diversas áreas de actividade e no quotidiano de qualquer cidadão.

Tal facto, torna a disponibilização de energias, a sua transformação e distribuição numa actividade muito sensível do ponto de vista da soberania e independência nacional.

É essa posição estratégica que o sector energético assume, como actividade sensível e crítica, que impõe, quanto a nós PCP, a exigência de uma inequívoca e muito forte intervenção do Estado, não apenas enquanto legislador, ou agente regulador e fiscalizador, mas também enquanto actor importante na esfera económica do aprovisionamento, da transformação e da distribuição.

É nesta última vertente, a relativa ao papel do Estado na esfera económica e empresarial que a situação actual no sentido da defesa do interesse nacional deverá sofrer uma completa mudança que permita viabilizar a existência de uma economia mista, onde coexista um sector público forte juntamente com um sector de iniciativa privada e de economia social.

Mudança que exige não só parar com os processos de alienação, em cascata, do capital público, mas também a reversão de parte ou da totalidade dos processos de privatização.

Não é a consigna do pensamento neoliberal do menos Estado que a defesa dos interesses nacionais e do desenvolvimento do país exigem e impõem, mas antes de mais Estado que assuma uma nova e mais forte influência na condução das políticas energéticas, nas funções reguladoras e fiscalizadoras da Administração, nomeadamente no planeamento, no controlo de qualidade e fiabilidade de instalações e sistemas, no controlo dos preços, na segurança estratégica do aprovisionamento de energias e na gestão dos “stocks” estratégicos e na vertente económico-produtiva, onde deve prevalecer o interesse colectivo ou público e não o privado dos accionistas e do seu máximo lucro.

Mas se para garantir um mínimo de racionalidade neste sector estratégico se exige, sem dúvida, esse maior controlo do Estado das empresas do sector exige-se, também, que se repense e reflicta no imediato numa nova arquitectura empresarial que permita, também, dar um outro contributo para assegurar com alguma eficácia essa possibilidade de controlo e planeamento e atenuar os efeitos nefastos em termos de qualidade de serviços e preços que resultaram dos processos de desestruturação geral das empresas do sector energético, antes fortemente verticalizadas e hoje retalhadas num deliberado processo de dissociação que separou, em nome da “concorrência” os vários componentes antes verticalizados (produção, transporte, distribuição, etc.).

Medida que mais se impõe reflectir num alterado quadro de alta de preços do petróleo e de previsíveis mudanças que levarão inevitavelmente à substituição de umas formas de energia por outras, e cuja solução não pode apenas ficar entregue às forças de mercado que mostraram já a sua total incapacidade para travar e inverter o curso que, nesta matéria, tem levado ao desenvolvimento de enormes irracionalidades macroeconómicas.

O PCP desde há longo tempo vem manifestando uma grande preocupação sobre o estado e as linhas de desenvolvimento deste importante sector, fazendo diagnósticos, apresentando propostas e colocando também muitas vezes dúvidas e interrogações e que ainda recentemente foram objecto de debate no Seminário que apresentou “ As propostas de política energética do PCP para o século XXI”.

Temos consciência que não respondemos a todas as questões que uma política energética ao serviço do desenvolvimento sustentável exige, mas é para nós evidente e para concluir que, não haverá uma efectiva mudança à caótica situação em que se encontra o sector energético sem uma paragem imediata de todos os processos de privatização das empresas, sem o reassumir pelo Estado, em plenitude, do papel de Produtor e Autoridade nas diversas esferas de actividade do sector e sem uma reorganização empresarial das diversas fileiras energéticas.

Do que estivemos a tratar não pode ser considerado como um ponto de chegada, mas das ideias mais fortes relevo:

1º É possível e necessário manter a Refinaria de Matosinhos, numa perspectiva de defesa do interesse regional, nacional e económico e social.

2º Há forças, conhecimento e capacidades por parte dos trabalhadores, das suas organizações, de quadros técnicos, de homens e mulheres de saber que estão em condições de garantir a sua manutenção e desenvolvimento.

Por nós, PCP, no quadro da nossa luta por uma política alternativa (também no plano energético) assumimos esse compromisso tendo como eixo o interesse nacional!. Tudo faremos para a sua concretização.