Critica à Estratégia Nacional para a Energia, aprovada em Conselho de Ministros e à continuação da privatização de empresas nacionais do sector
Intervenção de Agostinho Lopes
19 de Outubro de 2005
Sr. Presidente,
Sr. as e Srs. Deputados:
Provavelmente o mais impor-tante desafio que se coloca actualmente aos estados é enfrentar e resolver o problema energético.
É consensual que a produção petrolífera mundial está prestes a atingir o seu nível máximo e que, a par-tir desse ponto, decairá continuamente até ao esgotamento. Os actuais aumentos dos preços, que temos tendência a considerar conjunturais e atribuíveis a factores bem identificados, mais não são do que o refle-xo do esgotamento das reservas, o que significa que serão cada vez mais sentidos.
Face ao problema, que no nosso país se coloca com especial relevância, tendo em conta a nossa excessiva dependência energética, é obrigação do Governo preparar as estratégias que permitam viabilizar o futuro.
O Conselho de Ministros aprovou, no passado dia 29 de Setembro, a Estratégia Nacional para a Ener-gia, sob a forma de resolução do Conselho de Ministros. Conhecendo-se apenas os textos disponibilizados publicamente, a resolução do Governo está muito longe de propor uma estratégia nacional para a energia. No essencial, aquilo que o Governo veio anunciar pode sintetizar-se em dois aspectos: continuar o proces-so de privatização das empresas de energia — EDP, GALP e REN — e não prosseguir a reestruturação empresarial que estava apontada anteriormente, optando por deixar que a EDP e a GALP disputem, pelo menos do ponto de vista formal, livremente o mercado do gás e da electricidade ibéricos.
O Orçamento do Estado para 2006 veio completar e consolidar essa estratégia privatizadora e liberali-zadora.
À venda de mais 5% da EDP, no presente ano, seguir-se-á — segundo o documento do Orçamento do Estado, ao que tudo indica — uma nova tranche da EDP, em 2006, parte do capital da GALP e o início da privatização da REN — sem golden shares, segundo o Ministro da Economia.
À vista do indigente documento, apresentado como «estratégia nacional para a energia», pode afirmar-se com certeza que Portugal continua a não dispor de uma política energética. Aquilo a que o Governo chama «política energética» deve ser, mais propriamente, chamada «política do grande capital para o sec-tor energético».
Não tanto pelo curto texto que dá notícia pública da resolução do Conselho de Ministros mas principalmente pela análise do conteúdo dos slides de apoio à conferência de imprensa, podemos constatar que o Governo evidencia uma postura de total capitulação perante os núcleos duros do capitalis-mo internacional e, principalmente, põe-se completamente à mercê dos poderosos e eficazes interesses espanhóis, sob a capa pacóvia de que pretende contribuir para o aumento da concorrência e da eficiência energética e que isso seria bom para os consumidores e os portugueses em geral.
O Ministro da Economia, na Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Desenvolvimento Regional, foi anunciando sucessivas datas para expor o projecto do Governo para a estrutura do sector da energia: fins de Maio, Junho, Julho… E, assim, chegámos ao fim de Setembro e à resolução do Conselho de Minis-tros do dia 29, que aprova a Estratégia Nacional para a Energia, sem que aquela Comissão tivesse obtido qualquer informação sobre o assunto. Afinal, o Governo estava à espera da decisão do Tribunal de 1.ª Ins-tância das Comunidades Europeias, que considerou improcedente o recurso da EDP ao veto de Bruxelas à aquisição da GDP por aquela empresa. Tal decisão, tudo leva a crer, será complementada com a homolo-gação da OPA da Gás Natural sobre a Endesa.
Isto demonstrará, com toda a clareza — se ainda fosse necessário —, que a Comissão Europeia está completamente ao serviço dos interesses do grande capital europeu, não hesitando, quando se trata de prejudicar os interesses dos países mais pequenos, ou seja, quando se trata de menosprezar os interesses dos grupos empresariais mais fracos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados:
Percebe-se, cada vez mais claramente, o que o Primeiro-Ministro José Sócrates quis dizer quando declarou que o futuro económico de Portugal passava por Espanha!
Para além da OPA da Gás Natural sobre a Endesa, operação que, deve sublinhar-se, envolve também a Iberdrola, reforçando-a, o que atesta a visão estratégica da operação, a Europa viu há poucas semanas a EON — a grande empresa alemã que é uma das maiores do ramo a nível mundial — comprar a Scottish Power. Estamos a entrar numa fase, que há muito se esperava, de fusões e aquisições com vista à concen-tração capitalista no sector energético europeu.
Neste contexto, os governos de países pequenos e periféricos deveriam, caso quisessem de facto defender os seus países e os seus povos, até na sua perspectiva restrita de consumidores, adoptar políti-cas firmes. Sabemos que, no actual contexto europeu, não é nada fácil contrariar os desígnios do grande capitalismo — ainda por cima, com o apoio da União Europeia —, mas exigia-se a um governo de um parti-do socialista que tivesse um mínimo de decoro e não escancarasse ainda mais a porta do sector energético português. O PS nada aprendeu com a «história» da ENI!
De facto, não é privatizando ainda mais a EDP e a GALP nem iniciando a privatização da REN ou insistindo nas negociatas com a ENI, sob ultimato desta – «dá cá o petróleo e eu entrego o gás mais umas centenas de milhões de euros» – e desarticulando as gestões das principais empresas energé-ticas portuguesas, sob o pretexto de que devem ser as administrações destas empresas a encontrar o seu próprio caminho no mercado, através da chamada livre competição, que conservaremos estas empresas-chave sob o controlo português, para já não dizer sob o controlo público, porque este já foi prévia e metodi-camente corroído.
Anote-se que até um articulista, indefectível apoiante deste Governo, veio um dia destes questionar a privatização da REN e, devemos dizer, por boas e justas razões.
Os vários cenários que equacionam as possibilidades de a GALP adquirir significativos activos eléctricos em Portugal e/ou Espanha, e, por outro lado, as de a EDP vir a adquirir novas potencialidades na electrici-dade e gás ibéricos, sem ser numa operação articulada à luz de interesses nacionais e públicos, enqua-drando nesse movimento o papel da REN e da GDP, são cenários pouco mais do que académicos, conde-nados ao fracasso.
Ao contrário do que defendem muitos comentadores, as razões que levaram a esta situação, de grande fragilidade empresarial do sector energético português, não se devem à intervenção que o Estado ainda tem nessas empresas. O problema é que essa intervenção tem sido usada no pior dos sentidos pelos governos do PS e do PSD/CDS, com governantes a transmitir orientações completamente coladas aos interesses deste ou daquele grupo, nacional ou internacional, numa trajectória errática e muitas vezes pou-co transparente. Já vamos em quatro reestruturações energéticas!
Também não se poderá concordar com as análises que defendem que o crescente poderio espanhol se deve ao facto de as empresas daquele país decidirem apenas de acordo com critérios de mercado e de racionalidade empresarial, sem intervenção do Estado nem dos governos. Obviamente, só por ingenuidade se poderia pensar que estas últimas movimentações no sector energético espanhol não estão concatena-das com o poder político ao mais alto nível.
Depois de todo o voluntarismo e propaganda, e até alguma «ingenuidade», com que os vários governos e as empresas anunciaram o MIBEL (mais datas de inauguração do que ministros das Finanças!) como a grande solução para o mercado ibérico de energia, verifica-se que este talvez nem venha a ser concretiza-do, porque, no fundo das coisas, não será possível nem necessário face aos «dois monopólios» espanhóis. Mas se o MIBEL vier a ser concretizado, por uma questão de aparência de mercado, é óbvio que pouca ou nenhuma convergência de regulação haverá, assim como pouca ou nenhuma convergência haverá das próprias políticas de concorrência e de fixação de preços entre os dois países, porque será um jogo com-pletamente viciado à partida.
O Governo devia, pelo menos, poupar os cerca de 3 milhões de euros que o «omni» do MIBEL está a custar neste momento ao Estado português.
Esta é a denúncia política que, hoje, aqui julgamos dever fazer. Regressaremos ao tema com propostas e medidas concretas.