Negócio dos CTT com a Iberdrola com vista à venda, nos seus balcões, de contratos de fornecimento de energia eléctrica e à reabertura, ou não, do concurso para distribuição das licenças para construção e exploração de novos centros de produção de energia eléctrica
Intervenção de Agostinho Lopes (sessão de perguntas ao Governo)
6 de Maio de 2005
Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado Adjunto da Indústria e da Inovação,
Encaminhamo-nos, hoje, para uma nova reestruturação ou, melhor, desestruturação do sector energético português. A concretizar-se, será a quarta no espaço de pouco mais de uma década: duas da responsabilidade de governos do PSD e, a avançar a anunciada pelo Sr. Ministro da Economia, duas da responsabilidade de governos do PS.
Temos de convir, Sr. Secretário de Estado, que é reestruturação a mais.
É o resultado de sucessivas tentativas para aplicar receitas neoliberais no sector energético português, sempre acompanhadas de promessas de tarifas mais baixas, melhores serviços e capitalismo popular. O resultado está à vista: tarifas mais caras — das mais caras da União Europeia —, serviços cada vez mais longe das populações e cada vez menos capitalismo popular.
Quanto custaram ao erário público estas sucessivas reestruturações em consultoria, em publicidade e marketing, em indemnizações a gestores despedidos, etc.? Seguramente, milhões de contos.
Mas tanto ou mais grave são as excessivas mudanças, quando não rupturas, de estratégia de desenvolvimento das estruturas empresariais: as paralisações, as indefinições, as viragens de 180º de orientações.
Custos enormes para um País que sofre de um conhecido e estrutural défice energético e de bem conhecidas dificuldades orçamentais.
Sr. Secretário de Estado, encontramo-nos presentemente num desses períodos de indefinição estratégica.
O Governo não quis responder à nossa primeira proposta de pergunta para hoje, que era, exactamente, saber o que pretendia para a futura estrutura accionista do sector. O Sr. Ministro, ontem, em entrevista, declarou que anunciará a nova arrumação do sector energético quando tiver ideias definitivas.
Sr. Ministro, por favor, procure acelerar a definição das suas ideias, ou vai limitar-se a abençoar o modelo energético que os grupos de capitalistas nacionais e estrangeiros tiverem configurado, conforme os seus interesses.
São notícias recentes, pelo menos, três assuntos: a vontade da Iberdrola de caminhar para a produção de energia eléctrica com a Galp, o que coincidiria com a tese do Primeiro-Ministro e do Governo de estabelecer a concorrência EDP/Galp na produção de energia eléctrica; a notícia de que a Iberdrola reclama da distribuição de licenças para centrais de ciclo combinado, decididas pelo anterior governo no dia 21 de Fevereiro, apesar de já ter sido contemplada com 420 MW na Figueira da Foz; e a notícia de que a administração dos CTT, já fora de prazo, fez um contrato com a Iberdrola para vender, aos seus balcões, contratos de energia para consumidores domésticos.
Em primeiro lugar, pergunto: vai o Governo rever e reconsiderar a distribuição das licenças das centrais de ciclo combinado desfeitas pelo anterior governo? Com que critérios o vai fazer? Vai ser dada satisfação à reclamação da Galp, da Iberdrola e da empresa Gás Natural?
Segunda pergunta: teve o Governo conhecimento prévio do negócio Iberdrola/CTT? Autorizou-o?
Se não o fez, por que é que não desautorizou imediatamente a administração dos CTT?
Vai o Governo procurar reverter este contrato?
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado Adjunto, da Indústria e da Inovação,
O senhor falou em povo, por isso permita-me que lhe responda com dois aforismos populares.
Primeiro aforismo: «À mulher de César não lhe basta parecer séria». Tudo o que vai sendo noticiado indicia o «talhar de um fato» feito à medida da Iberdrola. Se não é assim, o Governo que nos esclareça, por favor.
Mas, atenção, porque os antecedentes do PS na matéria em causa não são bons. Ou será preciso recordar a história da entrada da ENI e da Iberdrola no capital da Galp, que mereceu desta Assembleia um inquérito parlamentar?
Segundo aforismo: «Quando se metem raposas na capoeira fica-se sem galinhas».
E o Governo, no seguimento de governos anteriores, está a meter muitas «raposas» na «capoeira» do sector energético português.
Era bom que reflectissem sobre esta situação e que não continuassem a divulgar a profunda ilusão, ou a autêntica mistificação, de que todos os países da União Europeia se mantêm impávidos e serenos perante a invasão dos seus mercados por produtores ou concorrentes exteriores, que todos são respeitadores da dita livre concorrência no mercado europeu e mundial, porque todos sabemos que quanto mais poderosos são os Estados mais depressa e melhor violam as regras.