Declaração
Política sobre o processo da privatização da GALP
Intervenção de Bernardino Soares
12 de Maio de 2004
Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
Esta manhã a maioria parlamentar chumbou as propostas para que o Ministro da Economia comparecesse em comissão para dar explicações. Espantosamente o Governo apenas está disponível para explicar o assunto depois de a decisão estar tomada.
Isto é, o Governo quer decidir sem esclarecer, acha que a transparência de processos a que obriga o dever de prestar contas perante a Assembleia da República é inimiga dos bons negócios que se preparam na nova privatização da GALP.
Não, senhores deputados da maioria. Nenhuma decisão que tenha como objectivo a defesa do interesse público sai prejudicada pelo debate e pela fiscalização no parlamento.
O Governo sabe que quanto mais escrutínio houver pelos deputados e pela opinião pública, mais ficarão à vista as trapalhadas, as promiscuidades e as ligações perigosas deste negócio.
Mas sabe também que quanto mais se debater democraticamente a privatização da GALP, mais ficará claro que estamos perante um processo que a concretizar-se lesará gravemente o interesse nacional e comprometerá uma parte substancial da nossa já debilitada soberania económica.
O problema da privatização da GALP não está só nas pouco esclarecidas ligações entre o Governo e algum ou alguns dos concorrentes. Vai muito para além disso. O problema está em primeiro lugar na própria opção de privatização.
A GALP é uma empresa estratégica para o país. Tem uma posição incontornável num sector decisivo para a economia nacional como é o dos combustíveis. A sua privatização significa a alienação de qualquer capacidade relevante do Estado português de intervir neste importante sector, designadamente na defesa da nossa economia. A sua actuação tem uma influência directa em toda a economia, na inflação, no custo de vida dos portugueses.
Se dúvidas houver veja-se o que se tem passado com o aumento dos preços dos combustíveis e as consequências que têm na vida dos portugueses e na economia nacional. Os portugueses já perceberam que a liberalização do mercado de combustíveis não lhes trouxe nenhuma vantagem. Já perceberam que são vítimas da avidez de receitas do Governo para fazer face ao sacrossanto défice e da concertação das empresas petrolíferas, perante uma autoridade da concorrência que ainda há poucos dias lamentava a falta de meios para exercer com eficácia as suas competências. Já perceberam que depois de pagarem os aumentos dos combustíveis, vão pagar o seu reflexo nos preços de bens essenciais e ver subir ainda mais uma inflação bem distante das previsões do Governo e dos aumentos nominais de salários e reformas.
A alienação do controle da GALP só trará uma ainda maior fragilidade e desprotecção da economia nacional e da população aos interesses concertados do sector petrolífero.
A GALP é uma empresa muito valiosa e logo muito apetecida. Tem uma presença importante nos mercados português, espanhol, angolano e moçambicano; dispõe de duas refinarias com posições importantes no mercado europeu, particularmente a de Sines; está presente na exploração e extracção de crude, designadamente em Angola; obteve quase 250 milhões de euros de lucro em 2003, tendo aumentado a quota de mercado na venda a retalho, sem contar com a alienação do negócio do gás natural.
Por isso dizemos que a questão da GALP é muito mais do o problema da opção entre Carlyle e Mello, Viapetro e CVC. Transparência precisa-se neste processo e ela continua a não existir. Mas é absolutamente transparente que qualquer decisão de privatização será negativa para o interesse nacional.
Claro que aqui e ali se retoma a questão dos centros de decisão nacionais, que para alguns são como pastilha elástica que se mastiga quando é preciso e se deita fora quando já não serve. O certo é que as decisões de privatização de empresas estratégicas se têm traduzido quase invariavelmente na perda de importantes centro de decisão nacionais.
As privatizações são uma verdadeira Via Verde para a passagem de importantes empresas e sectores para mãos estrangeiras.
Assim foi com a privatização desta mesma empresa com o governo anterior. A privatização aos tais grupos nacionais acabou na entrega rápida da sua fatia a um grupo estrangeiro – a ENI – que concorria com a GALP no mercado da venda a retalho, embolsando 500 milhões de euros não sujeitos a impostos. Curiosamente os mesmos que então venderam aparecem agora nalguns dos consórcios concorrentes invocando até como argumento em seu favor a suposta garantia de manutenção de um grande grupo nacional no sector. É o supremo descaramento.
Só há portanto uma maneira de defender com transparência o interesse nacional. Pôr fim ao processo de privatização da GALP, mantendo no controle estratégico do Estado esta empresa.
Disse.