Interpelação ao Governo sobre política económica: preços dos combustíveis
Intervenção do Deputado Lino de Carvalho
20 de Dezembro de 2000

 

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhores Deputados,

Interpelar o Governo para questionar as orientações do executivo em matéria de política de combustíveis é, obviamente, uma decisão sempre oportuna, não obstante sobre esta matéria já termos travado, nesta Assembleia e nesta sessão, vários debates em que o tema foi centro das atenções do hemiciclo.

Mas interpelar o Governo para reclamar deste que aumente os preços dos combustíveis, com tudo o que isso representa para os bolsos dos portugueses, é algo que convoca a nossa perplexidade. O Bloco de Esquerda reclama um aumento de dez escudos para o gasóleo e de quatro escudos para a gasolina sem chumbo, tudo conjugado com a proposta de lançamento de um novo imposto sobre os portugueses, um Imposto Ecológico, que iria de cinco a dez escudos por litro nos casos, respectivamente, da gasolina e do gasóleo. O Governo, entretanto, já respondeu, nesta matéria, e de forma favorável ao partido interpelante num valor, aliás mais baixo do que aquele que reclamava o BE. A partir de Janeiro, teremos assim, de acordo com as notícias vindas a público, um aumento de cinco escudos por litro nos combustíveis. O Bloco pode, assim, sair desta interpelação dizendo aos portugueses que foi ele que conseguiu obter do PS um novo aumento do preço dos combustíveis e, por acréscimo, do preço dos transportes, do gás e de outros bens de consumo de primeira necessidade cujo preço normalmente anda associado aos combustíveis. E o Governo pode, apesar de tudo, afirmar que conseguiu aumentar menos do que reclamava uma parte da oposição. Tudo bem.

Mas uma política de combustíveis não se devia esgotar nas decisões sobre os preços, como, aliás, o Bloco afirma nos documentos que divulgou em Novembro. E é verdade.

Já lá vamos. É que, ainda em matéria de preço dos combustíveis, o Governo tem andado permanentemente numa política de contra-ciclo. Entre 1997 e meados de 1999 o preço do crude baixou mas o Governo entendeu então manter o preço dos combustíveis, porque isso lhe interessava em matéria de receitas fiscais. De 87$00 / litro de ISP sobre a gasolina sem chumbo 95 que o Governo arrecadava no início de 1996, chegou aos 100$00 / litro no primeiro trimestre de 1999. Entretanto, a partir de Abril de 1999 os preços das ramas começaram a subir de forma acentuada nos mercados internacionais mas o PS, com as eleições de Outubro à porta, sacrificou a lógica económica à lógica eleitoralista, que prolongou mais três meses para poder, enganando então os trabalhadores da administração pública, negociar os aumentos salariais com base em referenciais de inflação, que sabia não ir cumprir, para as poder conter num patamar mais baixo. Chamou-se a isto, na altura, e bem, má fé. Confrontado pelo PCP, no debate do OE para 2000, com este comportamento inaceitável o Eng.º António Guterres, numa voluntarista fuga para a frente comprometeu-se a não aumentar o preço dos combustíveis até ao final deste ano. Eis que chegados a Dezembro o Governo, liberto da promessa do Primeiro-ministro, lá vai aumentar os combustíveis em Janeiro próximo. Agora, apoiado também no pedido do Bloco de Esquerda. Mas azar. Este aumento é decidido exactamente no momento em que o crude começa de novo a baixar de preço nos mercados petrolíferos. De 33 US $ por barril em Setembro passado estamos agora já abaixo dos 26 US $, menos 23 %.

ISTO É, O GOVERNO NÃO TEM NENHUMA ESTRATÉGIA ECONÓMICA NEM NENHUMA POLÍTICA INTEGRADA PARA AS SUAS DECISÕES EM MATÉRIA DE PREÇOS DOS COMBUSTÍVEIS. PELO CONTRÁRIO, AS DECISÕES DO GOVERNO SÃO CASUÍSTICAS E TÊM-SE PAUTADO EXCLUSIVAMENTE POR CRITÉRIOS DE OPORTUNIDADE POLÍTICA E ELEITORALISTA, COM SÉRIOS PREJUÍZOS PARA O PAÍS E PARA A EXPECTATIVA DOS PORTUGUESES.

O que o PCP defende nesta matéria é claro. Para nós, o preço dos combustíveis deve repercutir de forma gradual, para mais e para menos, a oscilação do preço do crude. Isto é, o preço dos combustíveis não deve só aumentar quando as ramas aumentam. Deve também baixar quando o crude baixa na origem.

Mas como já dissemos uma política de combustíveis não se esgota na política de preços.

Assim,

  1. Uma política de combustíveis deve ser inserida numa estratégia que estimule a procura e o consumo de energias alternativas, menos poluentes ou não poluentes;

  2. As políticas fiscais para os veículos automóveis devem ser definidas de modo a penalizar os que consomem mais combustíveis e contribuem mais para os níveis de poluição, com base, por exemplo, na cilindrada e nos cavalos-fiscais;

  3. Desenvolvimento de redes de transportes públicos colectivos que desincentivem o uso do transporte individual;

  4. Medidas integradas de acompanhamento dos aumentos dos preços dos combustíveis, em matéria designadamente de contenção dos aumentos dos passes sociais nos transportes colectivos, para evitar a repercussão em cadeia das decisões sobre os preços dos combustíveis bem como em matéria de compensações para os sectores mais vulneráveis como a agricultura e as pescas;

  5. Investimento no transporte ferroviário de passageiros e mercadorias;

  6. Aplicação do princípio do poluidor - pagador;

  7. Não consideração do Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos exclusivamente como uma variável em matéria de receitas fiscais. Hoje, em Portugal, o ISP e o IVA são reponsáveis por cerca de 80% do preço final dos combustíveis;

  8. Não à liberalização do preço dos combustíveis, que deixaria a política de combustíveis exclusivamente nas mãos do mercado, isto é, nas mãos dos objectivos estratégicos e de máximo lucro das companhias petrolíferas sem nenhuma consideração pela inserção das decisões sobre preços numa estratégia integrada em matéria de uma política energética e ambiental.

Estas oito medidas não são seguramente as únicas. Outras haverá. Mas o que não pode continuar é uma política de combustíveis baseada quase exclusivamente em critérios de oportunidade política que se traduzem na necessidade de financiamento permanente das petrolíferas em dezenas de milhões de contos, pagos pelo erário público, isto é, pagos por todos os portugueses. O que não pode continuar é a ausência de uma estratégia integrada em matéria de políticas energéticas. É isso que o PCP propõe que seja reflectido e alterado nas orientações do Governo, por mais que o PS não queira perturbar interesses instalados. Mas governar, senhor primeiro-ministro é, também, forçosamente optar e assumir essas opções com justiça social porque, como sabe não é possível enganar-se toda a gente todo o tempo. É a vida

Disse.