Debate sobre política energética
Intervenção do Deputado Octávio Teixeira
5 de Abril de 2000

 

Senhor Presidente,
Senhores Membros do Governo,
Senhoras e senhores Deputados

"Desta vez safámo-nos"...

Este desabafo do Ministro da Presidência no final do buzinão de segunda-feira passada, espelha bem o estado de espírito do Governo relativamente ao brutal aumento de preços dos combustíveis que decretou no passado dia 30 de Março.

Com este "grito de alma", o cada vez mais permanente substituto do Primeiro-Ministro mostrou que o Governo tem a consciência pesada da decisão que tomou. A consciência própria do elevadíssimo nível da sua irresponsabilidade levou o Governo a gritar, publicamente, que esperava, e temia, que a reacção imediata da generalidade dos portugueses fosse muito além do enorme buzinão que se fez ouvir nas principais cidades do País. Receava, quiçá, o trambolhão imediato, pelo que se considerou muitíssimo feliz com o anúncio de um eventual início da queda ...

Mas este brado de pulmão cheio, que fez lembrar o "berro de água" do Quincas de Jorge Amado que se ouviu por toda a Baía, mostrou igualmente uma outra grave e permanente irresponsabilidade da acção quotidiana do Governo. Qual seja a de não se preocupar com o emendar de mão, com o corrigir dos erros que comete, mas se interessar, acima de tudo, com o tentar passar por entre a chuva sem se molhar.

O Governo tem, de facto, razões muitas para se inquietar.

A decisão deste aumento abrupto dos preços dos combustíveis foi política, económica e socialmente irresponsável.

Entre 1997 e meados de 1999, o Governo manteve praticamente inalterados os preços dos combustíveis, apesar da forte baixa dos preços internacionais das ramas de petróleo. Durante esse longo período, o Governo não teve qualquer consideração pelos consumidores, apenas se preocupou em arrecadar mais e mais receita orçamental, aumentando pesadamente o imposto sobre os produtos petrolíferos. Os 87$00 do ISP sobre a gasolina cobrados no início de 1996 saltaram rapidamente para o nível dos 100$00 que se mantiveram até Março/Abril de 1999, ao mesmo tempo que a tributação global sobre o gasóleo aumentou em 7$00. Então, o Governo nunca se decidiu pela baixa dos preços desses combustíveis. Contrariando, aliás, o que sobre isso estava e está legislado. Era o cidadão, eram os portugueses os penalizados, pelo que para o Governo naturalmente estava tudo bem.

Na sequência da reunião da OPEP de 30 de Abril do ano transacto, os preços do petróleo começaram a subir em flecha. Pela sua própria génese, foi público e notório para toda a gente, incluindo para o Governo, que se não tratava de um aumento ocasional de preços, antes se anunciou como uma tendência a prazo. Aumento inequívoco e forte, de tal modo que em Agosto o ISP cobrado já se encontrava abaixo dos níveis nominais de 1996.

Mas também aqui o Governo não mexeu nos preços dos combustíveis. Agora, por razões exclusivamente eleitoralistas.

A ambição (frustrada) da maioria absoluta do PS nas eleições de Outubro sobrepôs-se à realidade económica. Mas nesta sua fuga para a frente, o Governo sentiu ainda a necessidade de prolongar a sua irresponsabilidade por mais uns meses após as eleições. Era preciso fazer a actualização anual do salário mínimo nacional, das pensões e reformas, dos salários dos trabalhadores da administração pública e dos escalões e deduções no IRS, e ao Governo convinha que tudo isso fosse feito com base num logro, com base na previsão de uma taxa de inflação virtual.

Com todos estes "interesses prioritários" do Governo a marcarem o tempo e os tempos, com a irresponsabilidade de hoje a somar-se à de ontem, o Governo enredou-se nas malhas que ele próprio teceu, culminando a sua, tão lastimável quanto inaceitável, performance, com o anuncio do brutal aumento dos preços dos combustíveis no preciso momento, ou melhor, na sequência da decisão da OPEP de garantida redução dos preços do petróleo!

A razão, dirão eles, é a questão das receitas orçamentais.

Mas, também aqui, o desnorte e as incoerências do Governo são patentes.

Por um lado, porque é à custa do Orçamento que está a procurar apagar alguns focos de descontentamento, muito demarcados e personalizados. Por outro lado, porque os aumentos de preços decretados revertem na sua totalidade para as gasolineiras, visando o pagamento da dívida que o PS, no Governo, com elas contraiu durante o 2º semestre de 1999 e o 1º trimestre do ano corrente. A receita orçamental do ISP, essa continua encostada ao mínimo legal!

Pela sua actuação nesta comédia trágica, o Ministro das Finanças e o Primeiro-Ministro não ganharão nenhum globo de ouro ou qualquer oscar.

Mas lesaram pesada e irresponsavelmente a economia e, principalmente, os consumidores e os trabalhadores portugueses.

Depois de atearem o fogo ao País com o maior aumento dos preços dos combustíveis jamais verificado em Portugal, o ministro das Finanças assessorado pelo Ministro da Presidência, ou vice – versa, mas de qualquer modo tão responsável um como outro e sempre com a ausência do Primeiro Ministro, assumem agora o papel do "bombeiros pirómanos", procurando apagar ou fazer o rescaldo de alguns fogos localizados. Gostosamente, aliás, vão cedendo às pressões de alguns sectores com mais fácil acesso aos gabinetes ministeriais, com o pretexto de minorar os efeitos da pesada factura energética que passaram ao povo português.

Com o objectivo único de os calarem e impedir que engrossem "buzinões", que avolumem o protesto e o repúdio legítimo e generalizado dos portugueses. Assim procurando evitar terem que encarar, de frente e com seriedade, o fulcro do incêndio e tomarem as medidas necessárias para o apagar, para limitarem as suas consequências mais pesadas sobre os consumidores e os trabalhadores.

E isso passa, necessária e obrigatoriamente, pela preservação do nível de vida dos portugueses. Depois de tudo o que de mal fez neste processo, é impensável, é política e socialmente inaceitável, que o Governo não tome medidas em três planos essenciais. Que o PCP já explicitou num Projecto de Resolução que o Grupo Parlamentar do PS não permitiu que hoje mesmo fosse votado (aliás, os Deputados do PS também parecem sentir a consciência pesada, por não terem a coragem política necessária para dizerem o que lhes vai na alma e para votarem o nosso projecto de resolução com o sentido de justiça que, admito eu, eventualmente muitos gostariam de expressar ...).

Assim, o PCP considera absolutamente necessário e exigível que o Salário Mínimo, as pensões e reformas e os salários, designadamente os dos trabalhadores da administração pública, sejam actualizados e negociados tendo por base a previsão da taxa de inflação real e não a virtual que o Governo apresentou no Orçamento. Seria inadmissível que o Governo, por via de um logro saloio, pretendesse reduzir em termos reais os salários dos trabalhadores portugueses.

Por outro lado, o PCP estima como indispensável que o Governo tome todas as medidas necessárias para conter fortemente um novo aumento dos preços dos transportes públicos de passageiros, e em especial dos passes sociais, por forma a evitar uma forte erosão nos orçamentos familiares em que essas despesas têm peso considerável.

Em terceiro lugar, exigimos do Governo um estreito acompanhamento e controlo das repercussões do aumento dos combustíveis nos preços de outros bens e serviços, por forma a impedir aproveitamentos oportunistas que se banqueteiem à custa do agravamento das condições de vida dos portugueses e a pretexto dos dislates políticos do Governo.

Este caderno é o mínimo que se pode reivindicar ao Governo, pela situação que a sua inépcia gerou. Não para anular os efeitos da sua saga petrolífera. Mas para minorar fortemente a repercussão negativa desses efeitos sobre os trabalhadores e os consumidores portugueses.

Pela sua prática, é evidente que temos de admitir a hipótese de o Governo, do alto da sua arrogância alicerçada em 115 votos neste Parlamento, nada disto tomar em consideração.

Mas, senhor Ministro da Presidência, senhor Ministro das Finanças e da Economia, senhores Deputados do PS: se assim vier a ser, se acrescentarem mais um grave erro político neste processo, é bom que pelo menos tenham a consciência que não há "safa" que sempre dure ...

Disse