Por uma outra política para Portugal e para as comunidades portuguesas
Contra o encerramento e a privatização dos consulados

Declaração de Rui Fernandes, do Secretariado do PCP
1 de Setembro de 2003

 

 

A decisão, por parte do Governo, de encerramento de vários consulados traduz não só uma completa insensibilidade governamental face às evidentes necessidades das comunidades portuguesas abrangidas por essa decisão, como põe a nu a retórica sobre o prestigio de Portugal no Mundo.

Na verdade, a decisão tomada pelo Governo, em pleno Verão, de costas voltadas para os recém eleitos membros do Conselho das Comunidades, e também de costas voltadas para os trabalhadores consulares e para o seu sindicato, além de inaceitável é, do ponto de vista do método, reveladora de baixo carácter e profundamente antidemocrática.

O Governo não só fez ouvidos moucos às exigências da comunidade como, pela voz do Secretário de Estado José Cesário, adjectiva de “conservadores” os que discordam do encerramento dos consulados e os que simplesmente pediram para que o assunto pudesse ser discutido e apreciado no Conselho Permanente do CCP.

Pela parte do PCP dizemos: não são as comunidades e os conselheiros que são conservadores. Esta política é que é profundamente antidemocrática e lesiva do interesse nacional.

Nós somos pela rentabilização e a eficácia nos gastos dos dinheiros públicos, mas não aceitamos cortes cegos e irracionais. Ou será que os gastos com a missão da GNR no Iraque é que prestigiam Portugal ?

Preocupado com a extensão do mal-estar e descontentamento legítimos que grassam entre a comunidade, o Governo procura, agora, apressadamente, promover reuniões que lhe permitam encontrar novas linhas de argumentação para as decisões que tomaram.

Só que os argumentos do Governo ninguém os entende.

Ninguém entende que o Governo decida encerrar o consulado de Osnabruck e diga agora ir manter 3 funcionários. Se assim é, reconhece que Osnabruck tem dimensão para ser um consulado de carreira. Se assim é, então o problema não se resolve pela sua transformação em consulado honorário. Se assim é, existirá quando muito um problema de ajustamentos no quadro de pessoal. Ou seja: não é um problema do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas sim um problema do Ministério das Finanças. E lembra-se que sensivelmente 20% do quadro de pessoal dos trabalhadores consulares está por preencher.

O Governo sabe que consulados honorários não resolvem o problema do dia-a-dia das pessoas, muito menos em locais onde existem milhares de emigrantes. Foi o Governo português que em Osnabruck, colocou a questão (algo inacreditável) de ser o órgão municipal alemão a pagar as instalações, coisa para a qual terá havido alguma abertura por parte das entidades alemãs. Responsáveis alemães têm acompanhado, certamente preocupados com o impacto local do fecho do consulado português, as preocupações da Comunidade Portuguesa. Mas não satisfeito com o imbróglio que estava a criar, o Governo prepara-se para colocar uma personalidade estrangeira a representar Portugal junto dos portugueses.

Esta inacreditável actuação, confirma que para o Governo as comunidades e os seus problemas significam pouco.

A realidade é que, aquilo a que o Governo chama de “reestruturação consular”, nada mais é do que privatização consular, ou seja, a privatização das funções do Estado, passando para as mãos de personalidades privadas um conjunto de actos consulares, diminuindo simultaneamente a qualidade do serviço prestado.

A política que se impõe e que é de há muito reclamada, não é a de debilitar ainda mais a relação entre o Estado e a Comunidade, mas antes a de reforçar essa ligação. O que se impõe não é o fecho de consulados, particularmente onde existem milhares de portugueses, mas criar as condições para um seu melhor funcionamento e abrir novos consulados onde tal se justifique.

Por outro lado, a decisão agora tomada tem também impacto ao nível dos trabalhadores consulares com um vasto conjunto de transferências que, apanhando os trabalhadores de férias, se vai traduzir em acrescidas dificuldades para estes, já que vai obrigar a mudanças de vida – arrendamento de novas habitações, mudança de escola dos filhos, etc.. A menos que o Governo pretenda com tal prática e face à resistência e, até, nalguns casos, impossibilidade prática de alguns trabalhadores aceitarem ser transferidos, criar argumentos que conduzam ao seu despedimento.

O PCP quer deixar desde já claro, que acompanhará com a máxima atenção tudo o que diga respeito a esta matéria, no sentido de serem respeitados os direitos dos trabalhadores.

Depois de um conjunto de lamentáveis situações de ruptura de pessoal, para as quais o PCP oportunamente chamou à atenção, que envolveram entre outros locais Londres, Berna e Hamilton, o Governo decide criar um novo foco de incêndio.

Contrariamente a tal política e como o PCP de há muito alertou , a afirmação de Portugal no Mundo passa por uma política que valorize a comunidade portuguesa, potêncie a língua e a cultura portuguesas, dignifique os trabalhadores consulares, respeite os órgãos representativos das comunidades envolvendo-os na definição das políticas relativas aos emigrantes.

Foi exactamente preocupado com o desenvolvimento da acção do Governo que o PCP, em 20 de Junho último, ao mesmo tempo que reafirmava todo o seu empenho político e institucional em contribuir para que o conselheiros pudessem desempenhar as suas funções, desafiava o Governo a não repetir erros do passado, garantindo aos Conselheiros as condições indispensáveis ao funcionamento do Conselho com autonomia e dignidade.

Eis, hoje, qual o conceito de dignidade do Governo – o conceito do “quero, posso e mando”.

O PCP, reafirmando hoje a sua disponibilidade de ontem, manifesta a sua solidariedade às comunidades portuguesas, aos trabalhadores consulares e aguarda por parte do Governo as explicações já solicitadas pelo Grupo Parlamentar do PCP.

O PCP torna a chamar à atenção para o facto de continuar por cumprir as promessas em torno da questão dos ex-combatentes, matéria que afecta também muitos milhares de emigrantes. A última versão do Ministro Portas era a de que em Agosto sairia a regulamentação. Agosto já passou e os ex-combatentes continuam na mesma.

Por outro lado, tendo a maioria PSD/PP chumbado o projecto do PCP que visava resolver o problema do vínculo dos trabalhadores do Instituto Camões, reafirmamos a disposição de tudo fazermos para que este problema seja resolvido e estes trabalhadores obtenham finalmente a estabilidade profissional a que têm direito.
O PCP alerta também neste momento, para a necessidade de serem tomadas todas medidas visando garantir o início do ano escolar no estrangeiro em condições de normalidade, coisa que não têm sucedido nos últimos anos com prejuízo para alunos, professores e encarregados de educação.
Por último, uma palavra sobre um conjunto de medidas ligadas com aberturas ou não de embaixadas portuguesas nos países que vão integrar a União Europeia.

Nós somos a favor da racionalização e eficácia dos meios, mas é inaceitável que sejam critérios economicistas a determinarem matérias que entroncam de forma expressa com o prestigio de Portugal. Torna-se portanto necessário que o Governo clarifique quais os critérios políticos que determinaram as suas opções.

As decisões sobre esta matéria conjugadas com o encerramento de consulados, revela a ausência de uma visão estratégica assente no interesse nacional, já patente e pelo PCP denunciada quando da discussão do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e hoje, por estas e por outras, claramente posta à luz do dia.

É por isso urgente uma outra política para Portugal e para as comunidades.