Sobre «O Balanço dos primeiros 60 dias da acção
governativa
na área da Educação e Ensino Superior»
Declaração de Jorge Pires, da Comissão
Política do PCP
23 de Maio de 2005
Passados que estão mais de dois meses sobre a tomada de posse do XVII Governo Constitucional e, quando caminhamos rapidamente para o final do ano lectivo, é possível fazer já um primeiro balanço do que tem sido a acção governativa, na área dos Ministérios da Educação e do Ensino Superior.
Não é positivo o balanço que fazemos. Tal como acontece com toda a acção do executivo, constatamos na acção governativa para a educação, que estamos perante um governo que tem primado pela ausência relativamente a questões estruturantes e a soluções imediatas de combate aos graves problemas que atravessam o nosso sistema educativo. Limitou-se a tomar algumas medidas superficiais, apresentadas sempre com grande pompa e circunstância, sem que os directamente interessados tenham sido ouvidos. Ausência de linhas definidas de política educativa orientadas no sentido da defesa da escola pública, da melhoria das condições de trabalho para os professores e restantes trabalhadores nas escolas, de combate ao desemprego docente e à precariedade e de verdadeiro combate ao insucesso e ao abandono escolar.
Está hoje mais claro do que há dois meses, que a profunda crise que se vive na educação em Portugal, cuja causas se encontram na brutal ofensiva contra a escola pública e no processo em curso de mercantilização dos saberes, só pode ser combatida com uma mudança a sério e não pela opção de “mais do mesmo”, como está acontecer com o governo do PS.
Não é possível defender-se um desenvolvimento credível
e sustentado, numa época marcada pela expansão das novas tecnologias,
não se apostando no desenvolvimento e enriquecimento do ser humano.
Não há “plano tecnológico” que resista à
continuada aposta num sistema educativo que tem na sua génese o primado
do mercado, em vez da aposta séria na formação integral
do indivíduo.
Neste início do século XXI é da maior importância que o país opte por uma política educativa que pela sua amplitude, eficácia e inovação, seja motivadora para professores e estudantes, e não como está acontecer com este governo que opta por decidir, fechado no casulo da sua pseudo superioridade intelectual, sem ouvir ninguém, e reagindo muito mal perante as críticas e sugestões, como se a maioria política do Partido Socialista não tivesse fortes responsabilidades na situação a que se chegou em matéria de educação e ensino em Portugal.
Portugal mantém dos níveis mais baixos de escolarização
e de licenciados, e dos mais elevados de insucesso e abandono escolares, na
União Europeia.
Continuamos com uma rede pública da Educação Pré-Escolar
muito aquém das necessidades do país e um parque escolar extremamente
carenciado.
Os sucessivos governos têm olhado para a educação, não como um investimento no país mas no indivíduo. Ainda recentemente foram divulgados os resultados de um estudo que confirmam o que andamos a dizer há décadas: que há relação directa entre o insucesso escolar e o abandono precoce e o baixo rendimento das famílias, constituindo-se este como um dos principais factores de selectividade e elitização no ensino.
Sobre estas questões essenciais o que diz o governo?
Muito pouco ou nada.
1. Começa por fazer aquilo que criticou ao governo de Durão Barroso, ou seja com uma nova versão do discurso da “tanga” vai preparando os portugueses e, neste particular, a comunidade educativa, com o argumento de que não há dinheiro, que a situação é pior do que pensavam e, deste modo, justificar a sua obsessão pelo défice.
2. Afirma que vai aumentar o número de horas de permanência dos alunos do 1º ciclo nas salas de aula e que o vai fazer sem gastar mais, pensando certamente na redução de direitos dos docentes e através da transferência para as autarquias da responsabilidade de contratarem professores de inglês ou pelo recurso a empresas especializadas, uma forma de privatização. Entendemos que é necessário afectar às escolas novos recursos humanos com formação adequada, recursos físicos, materiais e financeiros para as diversas actividades, no sentido da realização desta importante componente social, com qualidade e meios adequados.
3. Apresenta uma proposta de alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, onde não só reafirma a existência das propinas, como deixa claro que quem quiser completar o segundo ciclo do Ensino Superior tem de pagar e bem, numa operação que tem um objectivo de mercado e de redução de investimento público. Segundo dados da OCDE, Portugal mantêm-se no fim da lista do investimento por estudante do Ensino Superior.
Tal como o PCP previu e preveniu, este era o quadro previsível ainda
antes de se conhecerem os resultados eleitorais.
Se dúvidas pudessem subsistir, desde logo uma leitura atenta do Programa
do Governo, confirmava, que nas questões essenciais o texto não
só era muito vago, como em alguns aspectos apontava os caminhos da continuidade,
ignorando por completo as muitas observações e propostas para
inverter o sentido das políticas seguidas nos últimos anos.
Políticas que levaram a uma sistemática desresponsabilização do Estado, ao crescente financiamento público do ensino privado e à subalternização de critérios pedagógicos em prol de critérios economicistas e elitistas.
Esta é uma realidade indissociável das políticas neoliberais que apontam para a desresponsabilização do Estado pela garantia de direitos fundamentais e universais, que se traduzem na crescente mercantilização da educação, com expressão concreta no desrespeito pelo preceito constitucional que obriga o Estado a democratizar a educação e a garantir a progressiva gratuitidade do ensino público. Políticas que contribuíram para aumentar a selectividade e elitizar o ensino e o acesso à educação, particularmente nos níveis secundário e superior, para além de se orientarem para o aumento dos privilégios e das benesses concedidas ao ensino privado.
A esta crise não é estranha a reforma educativa da responsabilidade do Governo PSD de Cavaco Silva, prosseguida e aprofundada pelos governos PS de António Guterres, cuja «paixão pela educação» feneceu rapidamente. Crise que se agudizou com a formação do Governo PSD/CDS-PP, após as eleições de 2002, registando como um dos pontos mais negativos, a tentativa de imposição de uma nova Lei de Bases, que acabou por ser vetada pelo Presidente da República perante o consenso que se criou na comunidade educativa e em toda a sociedade, contra tal propósito.
Neste quadro de profunda crise na educação os portugueses acreditaram ser possível encontrar um rumo diferente, dando a maioria ao PS e esperam agora por essa mudança.
Mas tal como o PCP previu e preveniu, a mudança a sério que os
portugueses aspiravam está agora posta em causa com a insistência
nas mesmas políticas.
Alguns exemplos:
Mantém-se a situação de instabilidade dos educadores de
infância e docentes do ensino básico e secundário, que não
têm qualquer vaga nos quadros de zona pedagógica – (situação
inédita desde que estes quadros foram criados) e o número insignificante
de vagas para os quadros de escola, sendo criados pouco mais de 4000 vagas,
propondo-se o encerramento de mais de 7000 lugares.
Esta é uma situação que obrigatoriamente levará
ao aumento da precariedade, sobretudo nos candidatos mais jovens, ao aumento
do desemprego docente e à redução de oferta pública
de ensino e educação em vastas regiões do interior do país,
particularmente na Educação Pré-Escolar e no 1º ciclo
do ensino básico.
Mas não ficam por aqui os problemas com o concurso a avaliar pelo número
de erros detectados nesta 1ª fase, 19.352, o que faz prever confusões
na fase de colocação dos professores nas respectivas escolas.
Por mais que o ME procure transferir para os professores a responsabilidade
dos erros, esta postura apenas confirma as responsabilidades que tem ao enviar
o manual de instruções em cima da hora, instruções
por vezes pouco claras e com alterações introduzidas já
durante o período de candidaturas pelos serviços da administração
educativa.
Numa postura demagógica, jogando sobretudo com as profundas preocupações
dos pais decide, sem ouvir ninguém, alargar a carga horária das
crianças do primeiro ciclo, com a introdução da aprendizagem
do Inglês a poucos meses do início do ano lectivo, sem que se saiba
ainda hoje qual o perfil exigido para o professor e sem que esteja assegurada
a implementação da medida para todos os alunos do 3º ano.
Não se trata de rejeitar a introdução de uma língua
estrangeira no 1º ciclo, medida que o PCP há muito defende. As comunidades
educativas e, em especial os pais, deverão ter uma palavra a dizer na
escolha da língua estrangeira. Chamamos a atenção para
o facto de uma medida que é passível de ser positiva, poder não
passar de uma medida avulsa, populista, tomada sem ter em consideração
o facto de, em muitos agrupamentos de escolas, já estar integrada no
currículo e de, sendo extra curricular, também não ser
obrigatória, o que significa que a curto e médio prazo não
existirá em todas as escolas.
Também não se conhecem medidas concretas para a promoção
do sucesso escolar, limitando-se a intenções vagas apenas quanto
à formação dos professores na área da Matemática,
quando o insucesso se verifica também em outras áreas e de forma
preocupante, nomeadamente em Língua Portuguesa.
Começou mal o governo PS, quando decidiu manter os exames do 9º
ano, a Matemática e a Língua Portuguesa, mesmo sabendo que milhares
de alunos estão num patamar inferior de conhecimentos, fruto de um processo
de colocação de professores, marcado por atrasos escandalosos,
com os consequentes prejuízos nas condições de aprendizagem
dos alunos e quando se sabe que o próprio governo rejeitou aumentar o
crédito de horas pedido por muitas escolas para poderem superar os atrasos
verificados.
Mesmo que não quisesse fazer uma discussão de fundo sobre os
exames, a falta de equidade nas condições de aprendizagem que
foram dadas aos alunos, são por si só razão válida
para a não realização dos exames no final do ano lectivo
em curso.
Argumentos como «o dinheiro que já foi gasto», «estarmos
muito próximos da data prevista para a sua realização»,
ou «não poderem alterar-se as regras nesta altura do ano»,
são muito frágeis se comparados com os danos causados por uma
prática selectiva que contraria as características do Ensino Básico
contidas na Lei de Bases do Sistema Educativo.
Começou mal o Governo do PS quando, pela primeira vez, numa perspectiva economicista para a área da Educação Especial, não coloca o número de docentes nesta área de acordo com o aumento das necessidades, o que resulta em apoiar menos alunos. Apresenta as vagas para o concurso de professores para este sector sem indicação dos locais de trabalho, o que torna este concurso um verdadeiro tiro no escuro. Trata-se de gerir (e racionalizar) recursos ao nível dos agrupamentos, dispensando o pagamento de deslocações entre escolas e não aumentando o número de docentes. Sabe-se que este ano foram sinalizados mais 8 000 alunos com necessidades educativas especiais o que exigiria que no próximo ano lectivo estivessem mais 1300 professores a trabalhar nesta área. Nas vagas agora divulgadas, o aumento do número de lugares foi de apenas pouco mais de uma centena, o que vai ter graves implicações no apoio educativo a estes alunos em 2005/2006.
Por fim o Governo do PS, de forma apressada e apenas com o objectivo de mostrar trabalho na reunião que se realizou em Bergen, no passado dia 19, com a presença dos Ministros do Ensino Superior da União Europeia, decidiu apresentar na Assembleia da República uma proposta de alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, com o objectivo de nela introduzir um conjunto de normas que visam a aplicação do processo de Bolonha no nosso País. Esta proposta do Governo desvaloriza as formações iniciais, diminui o financiamento do Estado ao Ensino Superior público, aumenta a selectividade para a continuação do estudos em pós-graduação e promove a mercantilização dos saberes, ignorando os reais problemas do Ensino Superior em Portugal, como as elevadas taxas de insucesso e de abandono, a irrelevante acção social escolar, a desadequação entre as formações oferecidas e as necessidades de desenvolvimento do País, bem como o sub - financiamento crónico deste nível de ensino.
Começou mal o Governo de maioria absoluta do PS porque a sua política pouco se tem distinguido da que foi seguida pelos governos da direita.
O PCP reafirma a necessidade de Portugal ultrapassar os atrasos estruturais
em que está mergulhado e encontrar os caminhos de um desenvolvimento
integrado e sustentável.
Tudo faremos para isso, com uma intervenção consequente e com
um projecto que assume a educação como um vector estratégico
fundamental para o desenvolvimento do País e para o reforço da
identidade nacional, respondendo aos desafios que o desenvolvimento científico
nos coloca hoje.