Esgotado o impacto mediático das declarações oficiais em relação à abertura do novo ano lectivo e com as escolas a retomarem progressivamente o seu funcionamento (apesar da persistência localizada de problemas com a colocação de professores e de pessoal auxiliar e com as instalações), coloca-se a necessidade de avaliação global da situação do sector educativo e o exame das políticas do Ministério da Educação.
Para o PCP, analisar a situação existente na área educativa não se resume a um (facilitado) exercício crítico da política que o Governo vem promovendo neste sector de decisiva importância nacional. Existe, sem dúvida, uma situação de crise estrutural que se desenvolveu ao longo de anos e que melhorias avulsas não podem, por si só, superar. Por outro lado, os problemas educativos têm dimensões que não podem ser reduzidas à esfera da política governamental ou a um enfoque predominantemente partidário.
Além disso, num país em que o número de desempregados ultrapassou o meio milhão e em que a precarização do trabalho se torna cada vez mais extensa; em que mais de um terço da população se encontra numa situação de pobreza e em que a exclusão social (com todas as suas complexas manifestações) não cessa de alastrar; - é inevitável que na escola se reflictam os problemas resultantes da grave deterioração da situação social com que o país está confrontado.
Mas isto dito não evita, antes impõe, que se questionem as orientações políticas e as medidas do Ministério da Educação.
a situação não está melhor
O juízo que o PCP formula, com base na avaliação continuada promovida pelas suas comissões especializadas que acompanham os problemas da área educativa, é claramente negativo.
Considerada no seu conjunto, a situação na área da educação não se encontra melhor do que há um ano.
E a expectativa positiva que muitos intervenientes no processo educativo alimentavam em relação à anunciada «paixão» do Governo, acabou por transformar-se num sentimento de crescente desilusão e desesperança.
O Ministério da Educação persiste numa gestão puramente conjuntural, associada a um discurso de carácter vago e generalista (de que o «pacto educativo» constitui a mais expressiva manifestação). Confrange a ausência de uma visão política que identifique as questões de fundo, assuma e calendarize objectivos, mobilize recursos, capacidades e entusiasmos. A política educativa não pode ser confundida com o academismo e muito menos substituída por ele e pela incessante multiplicação de grupos de trabalho.
A persistente e prolongada crise do sistema educativo está bem evidenciada no rotundo fracasso da «reforma» do PSD (que o Ministério da Educação se recusa a avaliar), no desastre dos exames nacionais do 12º ano que o Ministério se obstinou em realizar, na chocante flutuação de orientações relativamente à nota mínima de acesso ao superior e nas condições em que este teve lugar. As elevadas taxas de insucesso escolar continuam a constituir-se como um dedo acusador contra o sistema e os responsáveis. O despacho da criação de turmas de currículos alternativos, abre a porta a situações conducentes ao agravamento das discriminações de classe no seio da escola e ao conformismo perante a marginalização de uma parte significativa dos alunos.
Constituindo a expansão do ensino pré-escolar e a qualidade do 1º ciclo condições efectivamente muito importantes para atacar, ao nível das gerações mais jovens, as deficiências de aprendizagem dos alunos, dificilmente se compreende a distância entre o discurso e a realidade.
Em relação ao pré-escolar não há correspondência entre os objectivos expansivos anunciados e a (insuficiente) orçamentação de recursos. Além desse facto apontar para uma inadmissível expectativa oficial de cobrança de «mensalidades» aos pais na rede pública, deixa adivinhar o recurso a outros expedientes - como aparece confirmado pela recente circular nº 35/96 da Directora do Departamento de Educação Básica ao procurar que os jardins de infância transfiram para as autarquias a «contratação de pessoal de apoio sócio-educativo», façam pagar o «pessoal de apoio» pelas famílias e, até, mobilizem «voluntários, nomeadamente familiares das crianças».
No que respeita ao 1º ciclo é significativo que a importância que o Ministro da Educação (justamente) lhe atribui nos seus discursos, não tenha depois correspondência no terreno. Veja-se por exemplo o facto - ocorrido em muitos distritos - dos concursos para professores vinculados do 1º ciclo terem tido muito menos candidatos do que vagas a concurso, originando uma tardia colocação de professores entretanto contratados. Por outro lado, verifica-se que aquela importância dada ao 1º ciclo ainda não foi acompanhada de medidas concretas e eficazes que permitissem gerar melhores condições para o ensino e a aprendizagem.
É também significativo que o PS, que durante a campanha eleitoral sustentou a necessidade da progressiva eliminação dos numerus clausus no acesso ao ensino superior público agora, no Governo, assuma uma política de sentido oposto. E que o número de vagas no ensino superior tenha tido um crescimento significativamente maior no ensino privado do que no ensino público, ao ponto do número total de vagas do privado ter sido este ano superior às disponibilizadas para o ensino público.
A situação de crise em que mergulhou o sistema educativo; a persistência por parte dos actuais responsáveis pelo Ministério da Educação - apesar de diferenças de estilo e da resolução pontual de alguns problemas - numa linha de continuidade essencial com as orientações de desvalorização do ensino público que o PSD deixou marcadas no sector durante mais de uma década; o sentido burocrático-administrativo, centralizador, que continua a caracterizar o essencial do modo de intervenção do Ministério da Educação no sistema educativo; a falta de capacidade política na definição dos «nós» dos problemas, e na realização bem definida e calendarizada de objectivos concretos, que os actuais responsáveis do Ministério da Educação vêm evidenciando; - impõem a todos quantos não consideram o presente estado das coisas uma fatalidade, uma acrescida intervenção social e política na área educativa.
O PCP, está pronto a reforçar o apoio à intervenção social e política de professores, estudantes, pais, e suas organizações, bem como das comunidades locais, em torno de problemas da área educativa, cuja dinâmica pode ser absolutamente determinante para impôr a mudança de rumo que a situação exige.
O PCP está também inteiramente pronto para uma mais dinâmica intervenção política directa, susceptível de promover o debate dos problemas e de marcar o ritmo, de equacionar as prioridades de política educativa a que o Governo não atende, de adiantar propostas, de tomar a iniciativa - na sociedade e nas escolas, no seio das instituições democráticas e em particular na Assembleia da República.
Sem preocupação por um enunciado completo das questões a que iremos prestar particular atenção nos próximos meses, destacamos:
- Orçamento para a Educação: designadamente no que respeita à efectiva consagração de verbas para a expansão da rede pública do pré-escolar, para o combate ao insucesso escolar no ensino obrigatório (com o conjunto de medidas de apoio social e pedagógico que envolve), para a valorização profissional dos professores, e a expansão e a elevação da qualidade do ensino superior.
- Exigência da avaliação séria da «reforma» e da urgente correcção das suas orientações mais nefastas, incluindo o modelo de avaliação dos alunos.
- Reconhecimento do papel essencial dos professores, técnicos de educação e das escolas, nas opções que se colocam na revisão dos curriculos e das orientações para a avaliação dos alunos.
- Autonomia democrática do sistema educativo; novo quadro legislativo em relação à gestão democrática das escolas, na linha do desenvolvimento do «modelo» criado depois do 25 de Abril.
- Exigência de uma acrescida e articulada intervenção do Governo e do Ministério da Educação em relação aos factores sociais condicionadores da aprendizagem; acção Social Escolar - novos quadros legislativos reguladores, quer em relação ao ensino básico/secundário, quer em relação ao superior.
- Pré-escolar: expansão acelerada através da rede pública e gratuita, como está constitucionalmente consagrado.
- Ensino Superior: Lei de financiamento; eliminação dos numerus clausus no ensino público; novo e mais justo regime de acesso; debate em torno da autonomia democrática, visando a sua defesa, reforço e aperfeiçoamento; avaliação da avaliação.
- Negociação expedita dos Estatutos de Carreira Docente, subordinada a uma orientação geral de valorização da profissão docente.
Uma questão fundamental para a qual importa vivamente chamar a atenção da população portuguesa e, em primeiro lugar, dos intervenientes no processo educativo, diz respeito à linha de fundo de inspiração neo-liberal que vem marcando, em aspectos extremamente relevantes, as opções políticas do Ministério da Educação.
No pré-escolar, é a caracterização como «rede pública» de uma modalidade «contratual ou concessionada», traduzindo o propósito de financiamento público da expansão acelerada da rede privada, em muitos casos travestida de social.
No ensino obrigatório e no ensino secundário, o Ministério da Educação deve uma urgente explicação ao país sobre as razões por que tem vindo a multiplicar «contratos de associação» com escolas privadas - o que significa que o seu ensino passa a ser fortemente subvencionado pelo Estado -, em zonas que estão cobertas pela rede pública.
No que respeita ao ensino superior, para além de prosseguir a política cavaquista de rápida expansão do ensino privado e de favorecimento de clientelas políticas (de que o recente caso da «Universidade Atlântica» é bem ilustrativo), o Ministério da Educação vai ao ponto, na sua proposta de lei sobre o financiamento, de considerar a realização de «contratos de associação» para passar assim a financiar, através do Orçamento do Estado, estabelecimentos do ensino privado.
O ensino público, nos termos da Constituição e da Lei de Bases do Sistema Educativo, constitui indiscutivelmente o primeiro problema e a principal responsabilidade do Ministério da Educação perante o país.
As linhas privatizadoras que o Ministério da Educação tem vindo a desenvolver, não estão apenas em conflito com essa obrigação constitucional e legal. Elas limitam, também, a capacidade de vencer os profundos atrasos educativos com que o país está confrontado. E as concepções circulantes sobre uma escola pública mínima, fóra da qual deveria ser procurado um ensino de qualidade, a prevalecerem significaria uma ainda maior acentuação das discriminações sociais e das crescentes desigualdades que atingem a população portuguesa.
Não se trata, por parte do PCP, como é evidente, da negação do espaço para o ensino privado, desde que cumpra as obrigações legalmente determinadas e assegure efectivamente níveis de qualidade dos cursos e o valor dos diplomas que emite. Ou do não reconhecimento do direito de opção dos portugueses que a Constituição, justamente, lhes reconhece.
Trata-se, sim, de assumir que a questão de um Ensino Público e de Qualidade para Todos os Portugueses, constitui o problema crucial da política educativa do país. E que a posição em relação ao Ensino Público representa a fronteira que separa os que à esquerda, com largo apoio nos professores, estudantes, pais, e suas organizações, e na sociedade portuguesa em geral, assumem a causa da defesa e da efectiva modernização e aperfeiçoamento do sistema; e daqueles que, à direita, apostam na sua efectiva redução, subalternização e enfraquecimento.