Sobre a reprovação do Ministério da Educação
Conferência de Imprensa do PCP
16 de Julho de 1996

 

Participaram:

1. O Ministro da Educação apareceu, finalmente, perante o país, para tentar justificar o descalabro dos exames nacionais do ensino secundário e o recurso à bonificação administrativa das classificações.

Uma questão básica se coloca à partida:

— ou o Ministro da Educação não compreende a natureza política e a gravidade do que se está a passar e, por isso, é incapaz de apresentar uma apreciação da situação, com um mínimo de objectividade e credibilidade;

— ou então a escolástica do discurso, cuidadosamente composta com uma atitude de falsa humildade, tem outro alvo: eximir-se, em momento de aperto, às responsabilidades próprias e endossá-las, de forma sem dúvida algo indecorosa, para terceiros seus subordinados.

Não passa também sem viva denúncia a arrogância salazarenta de Marçal Grilo ao referir-se às críticas ao seu ministério por parte dos partidos da oposição, acusando-os, nomeadamente, de serem "factores de perturbação" e, pasme-se, de "avançarem com soluções".

Pela parte do PCP, que fique claro: a educação não constitui uma coutada política do Professor Marçal Grilo e do seu bocejante "pacto educativo"; a sociedade portuguesa não precisa de menos, mas pelo contrário está carecida de muito mais debate político, sobre o que na realidade andam a fazer os responsáveis do Ministério da Educação.

2. Diga-se, de uma vez por todas, que o descalabro dos exames nacionais do ensino secundário deste ano não tem fundamentalmente a ver (como o pretende o Ministro da Educação) com as gralhas, omissões e erros que se verificaram em provas de exame.

Com isto não se afirma que essa ocorrência de gralhas, erros e omissões, não foi grave. E que ela não patenteou a profunda incompetência e a irresponsabilidade que grassam no Ministério da Educação.

Chega a ser patético ouvir o Ministro da Educação, no seu afã branqueador, afirmar que "o maior erro ou os maiores erros que se podiam ter cometido, foram aquelas que nós evitámos".

A questão fundamental, como é evidenciada pela profunda discrepância das classificações dos exames nacionais em relação aos resultados positivos da avaliação contínua dos alunos durante o ensino secundário, é que a política de exames nacionais seguida pelo Ministério da Educação revelou ser uma decisão completamente errada.

É em nosso entender falacioso abordar o mérito da realização de exames nacionais em contextos internacionais completamente distintos e em sistemas educativos que não apresentam um conjunto tão vasto e complexo de deficiências e insuficiências como o nosso. E que, sobretudo, não sofreram os efeitos arrasadores de uma "reforma" educativa como aquela que o PSD empreendeu durante a última década.

É essencial que se esclareça que a opção por exames nacionais para finalizar o ensino secundário, foi uma política dos anteriores governos do PSD que o actual Governo do PS prosseguiu e concretizou, e que não teve nem tem como objectivo fundamental melhorar o sistema educativo ou tornar mais justo o processo de avaliação das aprendizagens dos alunos.

Afirmava o antigo Ministro da Educação, Couto dos Santos, em Outubro de 1993: "se o actual sistema de acesso ao ensino superior fosse eliminatório, as vagas existentes (seriam) suficientes", e que isso aconteceria dois anos depois com o exame nacional no fim do 12º ano (Público de 7/10/93).

O que não é compreensível e é criticável é que o PS, que enquanto na oposição foi crítico desta política do PSD, uma vez chegado ao Governo não a tenha alterado. E que se tenha limitado a aplicar e a concretizar os planos dos anteriores governos de introdução de uma acrescida e artificial selectividade na finalização do ensino secundário desligada da melhoria efectiva das condições de aprendizagem dos alunos como forma de limitação economicista do acesso dos alunos ao ensino superior.

3. Como é conhecido, o PCP, primeiro em 13 de Março e depois em 8 de Maio, pronunciou-se de forma muito negativa em relação à orientação estabelecida pelo Ministério da Educação e aprovada pelo Conselho de Ministros, no que respeita aos exames nacionais de finalização do ensino secundário e ao acesso ao ensino superior.

O PCP, ao mesmo tempo que valorizou a dimensão científica e pedagógica que deve presidir aos processos de avaliação das aprendizagens, manifestou a sua terminante recusa da "filosofia" das orientações assumidas pelo Governo: a instrumentalização dos sistemas de avaliação escolar ao serviço da regulação economicista dos fluxos dos alunos entre os diferentes níveis de ensino e para os diferentes destinos escolares.

Na mesma ocasião o PCP contrapôs às orientações adoptadas pelo Governo, um conjunto de nove propostas entre as quais se destaca a de que a classificação do ensino secundário dependesse exclusivamente dos processos e resultados da avaliação interna conduzidos nas próprias escolas. Que, num quadro de eliminação em três anos lectivos do numerus clausus, entendido como restrição quantitativa global no acesso ao ensino superior público, as provas de acesso ao ensino superior dos alunos habilitados com o curso secundário acompanhasse o que está expressamente previsto na Lei de Bases do Sistema Educativo, devendo ter âmbito nacional e ser específicas para cada curso ou grupo de cursos (8 de Maio).

Criticámos a obstinação do Ministério da Educação em aumentar a selectividade no acesso ao ensino superior desligada da melhoria efectiva das condições de aprendizagem dos alunos, e prevenimos que para além da perturbação que estava já a provocar, ela não demoraria a revelar a sua grave inadequação e a acarretar incalculáveis prejuízos para muitos milhares de estudantes.

Esbarraram com a total surdez e insensibilidade do Ministério a simples reclamação de medidas concretas que minimizassem as dificuldades dos alunos e que conferissem maior equidade à realização dos exames nacionais de finalização do ensino secundário e de acesso ao superior. Medidas tão simples como a de diminuir a contingência dos exames nacionais, com a possibilidade de cada prova ter duas oportunidades de realização cumulativas, sendo tomada em consideração a nota mais elevada obtida pelo aluno, no caso de ter optado por comparecer nas duas oportunidades; e a garantia de efectivas condições de igualdade na realização dos exames nacionais nas escolas públicas e privadas, através da distribuição dos alunos em cada concelho por ordem alfabética pelas salas destinadas à realização das provas.

Sem alegria sublinhamos que o PCP teve razão nas posições que tomou e nos alertas que fez.

E como o PCP muitas outras entidades — desde sindicatos de professores, a associações de estudantes e associações de pais — que, numa perspectiva mais ou menos extensa, assumiram posições críticas em relação às orientações do Governo em relação à finalização do secundário e ao acesso ao superior.

Marçal Grilo afirmou que o objectivo dos exames nacionais era de credibilizar o ensino secundário. Como o resultado foi exactamente o oposto, para além de todos os restantes efeitos negativos, ao Ministério da Educação e ao Governo não pode, evidentemente, deixar de ser averbada uma séria reprovação da sua política.

4. A atribuição de um bónus de dois valores na classificação final do ensino secundário constitui, a "solução" improvisada pelo Governo para que as reprovações no ensino secundário não excedam aquilo que julgam constituir o máximo socialmente suportável.

O Ministro da Educação ao vir agora caracterizar o atrapalhado e injusto improviso das bonificações como resultante de um eufemístico "trabalho com as classificações" e de uma original "pedagogia de senso" que ocupariam o espírito dos responsáveis da Avenida 5 de Outubro, não consegue esconder que se trata de uma má solução e de mais um passo de uma política errada, gerador de novas injustiças e frustrante das legítimas expectativas de milhares de estudantes. E de uma má solução, de cujos inconvenientes e injustiças os estudantes e a opinião pública em geral, estão a ganhar crescente consciência.

Em primeiro lugar porque o valor da bonificação é completamente artificial — o Ministério da Educação limitou-se a estabelecer uma fasquia de reprovações que admite ser socialmente suportável, e a bonificar em conformidade as classificações do ensino secundário. As dezenas de milhar de estudantes que obtiveram nota positiva na avaliação contínua no ensino secundário e que agora se vêem retidos nesse grau de ensino por causa dos exames nacionais e da fasquia arbitrariamente escolhida, com que sentimento de justiça encararão essa situação?

Acresce, além disso, a desigualdade que projecta no acesso ao ensino superior, entre os alunos da reforma e os que já haviam anteriormente completado o ensino secundário.

O facto da bonificação de dois valores aprovada pelo governo ser insuficiente para reparar os danos provocados a toda uma geração de alunos e ser geradora de novas distorções e injustiças, leva o PCP a lembrar as suas propostas que apresentou há dias ao país. E que representam uma forma muito mais adequada e justa de minorar as consequências negativas da política do Governo em relação à finalização do ensino secundário e ao acesso ao ensino superior.

Como é conhecido, são três essas propostas:

1.ª — anulação dos resultados dos exames nacionais do ensino secundário, para finalização do ensino secundário e a sua substituição pelas classificações obtidas nos processos e resultados da avaliação interna conduzidos nas próprias escolas, salvo no caso em que os resultados dos exames nacionais permitam aos alunos obter uma classificação mais elevada;

2.ª — os resultados dos exames nacionais referentes à disciplina base e à disciplina ou disciplinas específicas, serão apenas utilizados para a composição da nota de candidatura de acesso ao ensino superior.

3.ª — com vista à candidatura ao ensino superior, deverá ainda ser promovida uma correcção estatística das classificações do ensino secundário (através da comparação das classificações obtidas por avaliação interna com os resultados dos exames), de modo a reduzir os efeitos de discrepâncias perversas e a assegurar uma maior justiça relativa entre os alunos.

5. Quando o Ministro da Educação vem solenemente garantir ao país que a análise dos resultados dos exames nacionais será feita em todas as vertentes, mas delas exclui o exame das opções políticas fundamentais do seu ministério e do Governo;

quando recorre à linguagem forte do apuramento até ao fim das responsabilidades... dos outros; quando, com refinada hipocrisia, admite erros, mas limita-os às anomalias verificadas em algumas provas de exame;

quando, objectivamente, foge a assumir as suas responsabilidades políticas nas orientações fundamentais da política que foi seguida;

— obviamente que o país tem o direito de exigir, ao Ministro e ao Governo, que assumam plenamente essas responsabilidades.

A equipa ministerial da educação pelos erros que cometeu — e que foge a reconhecer —, pelo impenitente verbalismo que substitui à acção política, não dispõe já hoje da credibilidade indispensável para promover com sucesso a correcção da política herdada de anteriores governos e levar por diante uma nova e urgente política educativa de orientação democrática.

E o Primeiro Ministro não se pode eximir das suas responsabilidades.