Sobre a nova Lei de Bases da Educação
Declaração de Jorge Pires da Comissão
Política do PCP
20 de Maio de 2004
Uma nova Lei que põe fim à democratização da educação
Com a votação final em plenário, realizada na Assembleia da República no passado dia 19, foi aprovada a nova “Lei de Bases da Educação,” que apenas reuniu os votos favoráveis da maioria parlamentar de direita. Com a aprovação desta nova Lei, deu-se mais um significativo passo no retrocesso do direito constitucional de acesso à educação para todos, direito que está consagrado na nossa Constituição, desde Abril de 76.
Desde a apresentação da proposta do Governo, o PCP foi alertando, que este não tinha como objectivo garantir e reforçar os deveres do Estado na promoção da democratização da educação, da cultura, da ciência e da investigação, mas colocar, como tem acontecido com outros importantes sectores da vida nacional, o sistema educativo ao serviço do grande capital, implementar a selectividade e a elitização da escola, acabar com a educação como direito social fundamental, tal como está consagrado na Constituição da República Portuguesa.
Só assim se pode entender a postura da actual maioria de direita, que numa matéria tão relevante para o desenvolvimento do País, e ao contrário do que aconteceu com a Lei 46/86 de 14 de Outubro, ainda em vigor, que mereceu um alargado consenso na Assembleia da República e entre a comunidade educativa, apresentou desta vez uma proposta de Lei sem que o País tivesse oportunidade de a debater previamente com a profundidade necessária e ignorou no texto final, como está denunciado na declaração de voto do Grupo Parlamentar do PCP, e apesar de os ter hipocritamente viabilizado na generalidade, os textos da oposição, bem como as recomendações apresentadas pelo Senhor Presidente da República e as críticas manifestadas pelo Conselho Nacional de Educação.
Para o PCP, os graves problemas que temos nos níveis de qualificação e desenvolvimento, os problemas do insucesso escolar e do abandono precoce, entre muitos outros na área da educação, não decorrem da lei ainda em vigor, mas das políticas educativas que têm vindo a ser implementadas pelos sucessivos governos, não esquecendo as enormes responsabilidades que o PSD tem, pelo facto de ter tido a responsabilidade do ministério da Educação, mais de 20 anos até agora, depois de Abril de 74.
Estamos pois perante uma atitude não apenas autista e prepotente, de quem tem no poder absoluto o único argumento para fazer prevalecer as suas opiniões, mas também de quem, quando não pode democraticamente fazer passar as suas propostas, como aconteceu com a recente revisão constitucional, procura impor as suas soluções através de legislação inconstitucional, com posições sustentadas num discurso populista e demagógico todo ele recheado de contradições.
Por um lado afirma-se que o Estado não pode ser omnipresente, que não tem meios financeiros para resolver todos os problemas e depois impõe-se legislação cuja matriz neo-liberal não engana nos seus objectivos essenciais. Financiar o ensino particular à custa dos dinheiros públicos e criar mão-de-obra barata, para desta forma ajudar a aumentar os lucros privados, não se inibindo de também nesta área tão importante para o desenvolvimento de qualquer País, trocar a nossa soberania por compromissos internacionais, como acontece com a introdução no texto, da defesa de que o número de vagas no ensino superior, fique dependente de directivas comunitárias.
Tal como já tinha acontecido com a nossa agricultura e as nossas pescas, também no ensino superior vamos ter certamente o regime de quotas, definidas em função dos interesses das grandes potências europeias.
Aliás esta nova Lei de Bases, se alguma virtude tem é mostrar a enorme contradição entre o objectivo recente, apresentado pelo Governo, com o Plano Nacional de Prevenção do Abandono Escolar, e a essência neo-liberal desta nova Lei. É que ao contrário do objectivo de combater o abandono precoce e acrescentamos nós, o insucesso escolar, porque são duas questões inseparáveis, esta nova lei ao consagrar o abandono por parte do Estado, dos seus deveres constitucionais em matéria de financiamento, do parque escolar, da gestão das escolas, na definição de novas regras de apoio às crianças e jovens no ensino especial, entre outras matérias, não só não resolve nenhum destes problemas, antes os agrava e por isso impede à partida que qualquer objectivo de reduzir a elevadíssima taxa de abandono, a maior da União Europeia, tenha êxito.
Reconhecendo que a Lei ainda em vigor ganharia, passados estes quase 18 anos, com algumas actualizações e melhorias, estávamos de acordo com um processo de revisão. Mas nunca foi este o objectivo da direita parlamentar, que não só não procurou organizar o debate nacional que uma lei desta natureza exige, como foi promovendo e aprovando um conjunto de legislação avulsa, que de forma antecipada foi introduzindo alterações, que a nova lei enquadradora do ordenamento jurídico de todo o sistema educativo, agora consagra. Por aqui se vê a seriedade com que estiveram desde o início neste processo e os seus verdadeiros objectivos.
O texto aprovado pelo PSD e CDS/PP, para além de lesivo dos interesses nacionais, pois coloca sérios entraves ao desenvolvimento do País no futuro, está ferido de inconstitucionalidades, porque põe em causa os artigos 74º, 75º e 77º da Constituição, artigos que garantem a igualdade de oportunidades de acesso e sucesso escolar, da obrigatoriedade do Estado criar “Uma rede de estabelecimentos públicos de ensino, que cubra as necessidades de toda a população” e o direito de participação dos professores e alunos na gestão democrática das escolas, respectivamente.
Sobre esta matéria queremos acreditar que o Senhor Presidente da República, que durante o período de discussão do projecto fez chegar algumas recomendações, não deixará agora de se pronunciar sobre estas flagrantes inconstitucionalidades e tomará as medidas necessárias ao cumprimento da Constituição da República Portuguesa.
Independente deste apelo, o PCP não deixará de nos momentos que considerar mais oportunos, tomar outras iniciativas políticas com o objectivo de impedir mais este atentado contra o direito à educação para todos, de repercussões cuja amplitude ainda hoje não é possível determinar em toda a sua dimensão.
Para o PCP, o direito à educação e ao ensino é o direito de todos e de cada um ao conhecimento e à criatividade, ao pleno e harmonioso desenvolvimento das suas potencialidades, vocações e consciência cívica.
Direito assegurado por uma política que assuma a educação, a ciência e a cultura como vectores estratégicos para o desenvolvimento integrado do nosso país; que atenda à multiplicidade dos processos educativos e formativos contemporâneos e as dimensões a que estes necessitam de dar resposta, desde a competência profissional e a qualificação à cultura humanista e científico-técnica, à inovação e à criação.
Uma política que considere o conjunto da população portuguesa e desenvolva um sistema de educação permanente, que integre e equilibre educação inicial com o ensino e a formação contínua dos adultos e assegure um ensino da mais alta qualidade para todos os portugueses.
Direito assegurado por um sistema educativo que valorize o ensino público, democraticamente gerido e dotado de objectivos, estruturas e programas e meios financeiros e humanos que permitam a concretização do direito ao ensino e à igualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativos, a todos os portugueses e a todos os níveis de ensino; que assegure o ensino básico, universal, obrigatório e a cobertura do País por uma rede pública de educação pré-escolar.
Direito assegurado através de um sistema educativo que garanta o ensino público, gratuito e de qualidade para todos.