Declaração política sobre o ensino superior
Intervenção da deputada Luísa Mesquita
16 de Dezembro de 1999

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Na véspera do novo milénio, Portugal continua a ter a mais elevada taxa de analfabetos da União Europeia e uma das mais elevadas do mundo.

E não se vislumbram políticas que considerem a educação como prioridade para o desenvolvimento do país.

É exemplo disto mesmo, a actual situação vivida no ensino Superior, quer público quer privado e que tem constituído objecto de notícia diária desde o inicio deste ano lectivo e desde a constituição do governo do partido socialista.

Alunos e professores têm vindo a chamar a atenção do governo, do parlamento e do país para a grave crise que as diferentes academias de Norte a Sul do país enfrentam.

Associações de estudantes, Federações e Sindicatos de professores, Conselho de Reitores são unânimes em considerar que a ausência de medidas de financiamento e a desresponsabilização do estado estão a pôr em risco o Ensino Superior em Portugal.

Desde o dia em foram divulgadas as medidas educativas para a actual legislatura e até hoje, sucedem-se as tomadas de posição de toda a comunidade educativa.

É cada dia mais difícil, encontrar uma faculdade ou instituto que não tenha feito ouvir a sua voz preocupada perante a inoperância e a ineficácia do governo do partido socialista.

Os estudantes do Instituto Politécnico da Guarda exigiram, durante dois meses o início do ano lectivo.

Denunciaram a ausência de funcionamento democrático dos órgãos de gestão da escola, a longa série de ilegalidades e prepotências de alguns professores. Acusaram um professor licenciado de usurpar o título de agregado às universidades portuguesas.
Os estudantes dos diferentes Institutos Sociais do país, um de Beja, dois do Porto, dois de Coimbra e dois de Lisboa denunciaram que a opção por uma licenciatura de Serviço Social obriga à frequência do Ensino Particular e Cooperativo, com o pagamento de propinas elevadíssimas, porque não existem alternativas no Ensino Superior Público.

No entanto o Estado é o principal empregador destes jovens licenciados, prova clara da sua necessária formação.

A acção social escolar é praticamente inexistente quer no público, quer no privado.

Bolsas de estudo, residências universitárias, cantinas, assistência médica, bibliotecas actualizadas, apoios em material escolar constituem cada vez mais excepções no sector público e primam pela ausência no sector privado.
Muitos destes alunos dos Institutos Sociais e outros, apesar de cumprirem os requisitos impostos pela lei da Acção Social Escolar, não são contemplados por falta de verbas.

Mas, agravando ainda mais a situação destes jovens, o seu plano de estudos prevê um estágio curricular de dois anos e por isso são recrutados para satisfazer necessidades permanentes dos serviços público e privado, continuando a pagar à escola privada as propinas, ao mesmo tempo que passam a suportar os custos de transporte e alimentação como se fossem trabalhadores e não estudante estagiários.
Os estudantes da Faculdade de Ciências Sociais Humanas de Lisboa acusaram o governo de subfinanciar a escola e de ignorar a situação deficitária em infra-estruturas, acção social escolar e corpo docente.

Dizem os alunos que, ao pretender-se a redução dos gastos da faculdade com a contratação de professores, algumas cadeiras, núcleos de estágio, seminários de mestrado em diversas licenciaturas ficaram sem funcionar.

E, posteriormente, para colmatar as necessidades, passou-se a pagar aos professores à conferência, não tendo estes docentes qualquer vínculo à faculdade.

A carga horária de algumas disciplinas transformou-se em conferências.

Entretanto, e porque dinheiro não há, o Conselho Directivo propôs uma reforma curricular e científica dos vários cursos que reduz o corpo docente, a carga horária dos alunos, o número de cadeiras e as variantes de opção.

Esta semana, no decurso de uma audição com a Associação de Estudantes da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, proposta pelo Grupo Parlamentar do PCP, quando da discussão de uma Petição desta Associação de Estudantes, ficamos a saber que, a insustentável e antidemocrática situação vivida no seio desta escola pública quer do ponto de vista da gestão cientifica quer pedagógica, continua a agravar-se, apesar das denúncias feitas pelos estudantes nos últimos três anos.

Ocorrem atropelos à legalidade, agressões físicas, ameaças de morte, promessas de reprovação em provas académicas, etc. etc.....
O medo está instalado.

Alunos há a quem é recusada a matrícula
Alunos há que há quatro anos são impedidos de fazer qualquer cadeira.
Alguns, como foi dito, irão para o estrangeiro com o objectivo de poder terminar o curso que o país lhe recusa.

Se o aluno é trabalhador estudante ou dirigente associativo está condenado.
Os instrumentos legislativos que regulam estes estudantes estão no índex, a escola desconhece-os e recusa as matrículas destes alunos, como já o fez este ano, incluindo, nestes procedimentos uma jovem francesa a estudar na escola, ao abrigo de um programa Europeu.

Este ano também, a escola diminuíu em cerca de 3 centenas o número de alunos que, segundo a informação que foi dada, se matricularam numa faculdade privada, onde encontraram muitos dos professores da escola pública de arquitectura, à procura do reconhecimento de cursos que a faculdade de arquitectura ministra mas a ordem dos arquitectos não reconhece.
Recentemente também, o Sindicato dos Professores da Região Centro chamava a atenção para a abertura de mais uma universidade privada - a Universidade Vasco da Gama, cujos promotores já haviam viabilizado 800 pré-inscrições, criando expectativas aos jovens que se inscreveram, sem que existisse autorização para avançar com o projecto.

Entretanto, os critérios de selecção permitiram práticas de exclusão e de segregação, pondo em causa direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa.

Alunos com dificuldades de aprendizagem, com problemas comportamentais, com antecedentes policiais e de droga não poderiam candidatar-se.

Recentemente também, o Conselho de Reitores veio a público denunciar aquilo que considerou ser o estado de degradação para que se caminha no Ensino Superior, acusando o governo de desrespeito e quebra de compromissos.

O actual Presidente do Conselho de Reitores receia que estejamos perante um grave retrocesso no financiamento das instituições e considera que não se vislumbram mudanças nas propostas do actual executivo que o distingam do anterior.

Mas não é só a política de financiamento que preocupa o Conselho de Reitores, também o decreto-lei aprovada em Conselho de Ministros e vetado pelo Senhor Presidente da República, que pretendia dar mais autonomia às universidades privadas, permitindo que estas criassem cursos sem autorização do governo, a ser concretizada, era uma medida que desrespeitava compromissos assumidos com o Conselho de Reitores.

Lamenta ainda o Conselho de Reitores que nenhuma das prioridades traçadas pelo governo do partido socialista em Janeiro de 1999 relativamente ao financiamento, tivesse tido consequências, o que levou a que, hoje, o ensino superior esteja mais degradado.

Também o constitucionalista Jorge Miranda denunciou há dias em Faro a existência de um grave défice de gestão democrática nas instituições de ensino superior privado, afirmando que a participação de professores e alunos na gestão destas escolas é deficiente e atenta contra a Constituição.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

Estamos perante um grande consenso, relativamente à grave situação vivida neste subsistema de ensino, consenso de que se auto-exclui o governo do partido socialista.

Um governo e uma tutela que continuam a avaliar o sistema educativo e os diferentes subsistemas que o integram, numa lógica exclusivamente economicista, como se as escolas fossem hipermercados em permanente fim de época e só disponíveis para a prática dos saldos.

O governo tem vindo a ignorar os problemas estruturais e tem vindo a apostar em medidas de imposição neoliberais que têm conduzido à condenação das instituições e à exclusão dos alunos.

E perante o avolumar das dificuldades, o governo descobre como terapia única a substituição do financiamento do estado às instituições pelas propinas, impostas aos alunos, defraudando escolas e estudantes.

O acréscimo de financiamento que deveria decorrer das propinas, verbas próprias das faculdades, dizia o governo, e destinadas à melhoria da qualidade de ensino prestado, transformou-se em instrumento de redução da responsabilidade financeira do estado.

E perante o sub-financiamento, roubadas as instituições, o país tem vindo a saber que:

não há salas de aula
não há bibliotecas
não há laboratórios
não há professores
não há funcionários
não há cantinas
não há residências
não há vagas
que respondam às necessidades dos jovens estudantes, às necessidades do país, mesmo quando, unanimemente, se reconhece quer há falta de médicos, que há falta de enfermeiros, que há falta de quadros técnicos qualificados. Mas para o governo do partido socialista o filme é outro.

Prefere antes autorizar universidades privadas, a troco sabe-se lá de quê. Algumas sem a mínima qualidade, outras com pareceres antagónicos de diferentes ministros do mesmo governo. Outras, onde é possível fazer diversos pacotes de disciplinas, para ver reconhecido um curso, já concluído numa escola pública, mas para o qual não se tinha direito a certificação profissional.

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

São muito preocupantes os indicadores que se conhecem ao nível deste subsistema.

O ensino superior, por ausência de medidas políticas, está cada vez menos em condições de responder às pressões da sociedade, relativamente às actividades de formação e de investigação, capazes de enfrentar os desafios que o desenvolvimento actual exige.
São problemas graves não só ao nível da qualidade do ensino prestado, mas também ao nível das condições para a investigação científica e ao nível dos sectores democratizados do acesso e sucesso escolares.

Por isso o PCP propõe um conjunto de medidas urgentes de reestruturação do ensino superior universitário e politécnico, com respeito pela identidade e especificidade de cada instituição.
É urgente defender e aperfeiçoar a autonomia no quadro das orientações nacionais da política educativa democrática;

É urgente alargar a frequência, elevar a qualidade e garantir o financiamento sustentado do sistema público;

É urgente apoiar o aperfeiçoamento científico curricular e pedagógico;

É urgente prosseguir e generalizar os processos de avaliação e acompanhamento das instituições;

É urgente elevar a alargar significativamente a acção social escolar;

É urgente defender a qualidade do ensino e os direitos educativos dos alunos do ensino privado;

É urgente qualificar os recursos humanos;

É urgente dignificar e valorizar as carreiras docentes.
Disse.