Senhor Presidente
Senhores Deputados,
A gravidade do conteúdo da petição que é objecto de apreciação pelo plenário
desta Assembleia, exige alguma contextualização que permita compreender o incompreensível
num estado de Direito Democrático.
Na anterior sessão legislativa, a Associação de Estudantes da Faculdade de Arquitectura
foi recebida pela Comissão de Educação Ciência e Cultura.
Dessa audiência foi elaborado um relatório, aprovado por unanimidade e enviado
ao Ministério da Educação.
A Comissão de Educação solicitava ao Ministério da tutela que procedesse, e
passo a citar, "a uma avaliação criteriosa e urgente da situação pedagógica
e do funcionamento da instituição, a enviar à Assembleia da República;
e "no exercício dos poderes que lhe estão atribuídos e no respeito pela Lei
da Autonomia Universitária tome as medidas indispensáveis e urgentes para a
resolução dos problemas existentes nesta instituição de ensino".
Todos estes mecanismos ocorreram entre Novembro de 1997 e Janeiro de 1998.
A Associação de Estudantes colocava na altura duas grandes preocupações:
- O mau funcionamento da escola
- A necessidade de garantir a qualidade de ensino prestada
E entre os muitos exemplos enunciados, referia:
- Um apoio social escolar tão insuficiente que determina todos os anos o afastamento
de alguns alunos, impossibilitados de suportar o peso financeiro de um direito
que o texto constitucional lhes garante.
- A inexistência generalizada de programas de cursos e de disciplinas.
- A inexistência de mecanismo de avaliação atempadamente conhecidos pelos alunos.
- A substituição, sem qualquer justificação, da avaliação contínua pela avaliação
sumária e discricionária.
- A não garantia de um estágio de fim de curso, apesar do mesmo fazer parte
integrante dos currículos, o que implica a não conclusão do curso. - O número
insuficiente de docentes.
- A acumulação de funções docentes e outras - docentes ou não, fora da escola
- , questionando o exercício da actividade lectiva dentro da escola. Por exemplo,
hoje, oitenta por cento dos professores do C. Científico dá aulas nas Universidades
privadas.
- Atrasos sucessivos perante o calendário lectivo, transformando cadeiras anuais
em semestrais.
- A existência de três cursos ministrados numa Escola Pública mas não reconhecidos
pela Ordem dos Arquitectos.
- O curso de Arquitectura de Interiores
- O curso de Planeamento Urbano e Territorial
- O curso de Gestão urbanística.
Perante esta aberração, professores, com funções de grande responsabilidade
na escola, sugerem que os alunos se inscrevam nas Universidades Privadas, nomeadamente
na Lusíada, onde eles também leccionam e propõem aos alunos dois pacotes, para
concluírem, com mais meia dúzia de disciplinas, um outro curso, o de Arquitectura.
- Um, com duração de ano e meio e custará 40 contos mensais.
- Outro, com duração de um ano e custará 70 contos mensais.
E assim os alunos fazem um segundo curso de arquitectura, numa escola privada,
depois de 6 anos de um outro, numa escola pública e então já se podem inscrever
na Ordem.
Um pequeno detalhe: a Faculdade de Arquitectura também lecciona o curso de Arquitectura
mas não está interessada em resolver o problema destes alunos.
Um segundo pequeno detalhe - o curso de arquitectura da Faculdade Lusíada, uma
das privadas sugeridas, não cumpre todos os requisitos exigidos pela Comunidade,
mas o Ministério da Educação e a Ordem dos Arquitectos consideram tudo isto
pequenos detalhes.
Também em Janeiro de 98 a FENPROF envia a um conjunto de entidades - Reitor
da Universidade Técnica de Lisboa, Secretário de Estado do Ensino Superior,
Provedor de Justiça, Fundação das Universidades Portuguesas, Assembleia da República,
um texto onde afirma que "a situação interna da Faculdade é insustentável tanto
do ponto de vista da gestão científica como da pedagógica. Ocorrem graves atropelos
à legalidade", e destaca alguns factos reveladores da gravidade da situação:
"- A agressão física a um professor por um seu colega, em plena sala de aula
e perante os seus alunos, ocorrida em 15/11/96, que, até agora, não levou a
um procedimento disciplinar.
- A não leccionação de três disciplinas do Curso de Mestrado de Arquitectura
da Habitação, iniciado em 12/05/92.
- A existência de numerosos alunos do 5º ano da Licenciatura de Planeamento
que ainda não terminaram o seu curso por não lhes ter sido atribuída a classificação
a uma disciplina do ano lectivo de 96/97, em que só foram leccionadas três aulas.
- As ameaças e as promessas de reprovação futura, em provas académicas, formuladas
pelo vice-presidente do Conselho Científico.
- A composição do Corpo Docente da Faculdade é muito distorcida, pois, de um
total de 165 elementos, apenas seis são nomeados definitivamente.
- É excessiva a concentração de poderes em torno do Presidente do Conselho Directivo,
que também é Presidente do Conselho Científico, e do Vice-Presidente do Conselho
Científico que é ainda o Coordenador de quatro licenciaturas e Director do Centro
de Informática.
- O regulamento do Conselho Científico da Faculdade é sistematicamente desrespeitado.
- Na Faculdade de Arquitectura praticamente não se desenvolvem trabalhos de
investigação, de prestação de serviços ao exterior, de produção teórica e científica,
de publicação e de verdadeira colaboração com outras instituições universitárias.
- A responsabilidade principal por toda esta situação encontra-se num pequeno
grupo de Professores Catedráticos que detém o controlo da totalidade da Escola,
(...). O medo encontra-se instalado entre docentes, estudantes e funcionários
não docentes e é um dos principais factores impeditivos da ultrapassagem da
actual situação por recurso às forças internas da Escola."
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Após a denúncia desta longa listagem de irregularidades numa Escola Pública
do Ensino Superior, o que foi feito?
Em Março de 1998 o Ministro da Educação informa a Assembleia da República que
solicitou à Universidade Técnica de Lisboa que integra a respectiva Faculdade,
indicadores de avaliação da situação.
E esta é a única resposta às recomendações formuladas pela Comissão de Educação.
Perante tamanha incapacidade do Governo para agir e alterar a situação, em Junho
de 98 - mais de 11 mil cidadãos dirigem à Assembleia da República a petição
que hoje analisamos e onde se exige o direito a uma formação de qualidade e
à credibilidade dessa formação e se denuncia, mais uma vez,
"- Abuso de poder por alguns dos professores catedráticos.
- Ausência de alternativa democrática interna.
- Incumprimento dos princípios básicos da Lei e do Direito.
- Afastamento compulsivo de todas as possíveis alternativas.
- Prática de ameaças tanto a docentes como a funcionários e alunos.
- Manietação da ascensão das carreiras docentes, dos júris às provas de Doutoramento,
dos júris para admissão de novos docentes, etc.
- Práticas prepotentes pelas corpos administrativos.
Perante este quadro e esgotados todos os restantes recursos no âmbito da instituição,
exigimos à tutela a reposição da Lei, bem como o assegurar da resolução efectiva
dos problemas enunciados, no intuito único da criação das condições básicas
necessárias para o exercício democrático da Autonomia Universitária."
E hoje, decorridos dois anos o que foi alterado?
Muito pouco ou quase nada, perante a gravidade das situações denunciadas.
- Iniciou-se uma sindicância a 2 de Julho de 1998 que ainda não terminou.
E porquê?
O Juiz Sindicante não tem meios para realizar o trabalho.
Já colocou à tutela, mais de uma vez, as dificuldades e as respostas ou não
são dadas ou são insuficientes.
Dois Inspectores da Inspecção Geral da Educação estiveram na Escola e desapareceram
há cerca de 4 meses.
Pressupõe-se que existam relatórios, mas não são conhecidos.
E os alunos? E a formação oferecida pela Escola?
Os três cursos não reconhecidos pela Ordem dos Arquitectos mas reconhecidos
pela tutela formaram cerca de 300 alunos, nos últimos três anos?
E o que fazem estes alunos?
Concorrem às Câmaras Municipais por exemplo, mas como a Ordem dos Arquitectos
não os reconhecem, eles trabalham na gestão, no planeamento, no ordenamento
do território, etc...., mas como funcionários administrativos e recebem como
tal.
Apesar de muitas vezes, os júris de admissão, integrarem professores que os
formaram na tal Escola Pública.
Claro que se tivessem ido até à Lusíada, resolviam o problema.
Se o aluno é trabalhador estudante ou dirigente associativo está condenado.
Os instrumentos legislativos que regularam estes estatutos estão no índex, a
escola desconhece-os e recusa as matrículas destes alunos, como fez este ano
a um dirigente associativo.
Senhor Presidente
Senhores Deputados
Limitámo-nos a sintetizar algumas das situações vividas numa Escola Pública
do Ensino Superior.
Abstivemo-nos de narrar tristes e bizarros episódios, inimagináveis num Estado
de Direito Democrático.
No entanto, é demasiado grave o que esta Assembleia já sabe.
É demasiado grave a inoperacionalidade do Governo do Partido Socialista.
É demasiado grave o silêncio do Ministério da Educação perante os pedidos da
Assembleia da República.
Não é possível continuar a sustentar em nome de nenhuma autonomia universitária,
a desresponsabilização do Governo e particularmente do Ministério da Educação
perante o que é já do domínio público.
Por isso o PCP propõe que, de imediato, se tomem algumas medidas:
1. Exigir a presença do Ministro da Educação na Assembleia da República;
2. Solicitar a presença do Juiz Sindicante para saber se estão criadas as condições
que a realização do seu trabalho com isenção e celeridade exigem.
3. Exigir o envio urgente à Assembleia da República, órgão fiscalizador do Governo,
de todos os relatórios, todos os dados, todas as informações que constituam
matéria fundamental para o conhecimento e avaliação do funcionamento da Faculdade
de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa.
Disse.