Ensino Superior - Lei Quadro da Acção Social Escolar e Lei Quadro do Financiamento e da Gestão Orçamental e Financeira
Intervenção da deputada Luísa Mesquita
24 de Junho de 1999

 

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados:

O PCP propõe hoje para discussão dois projectos de lei sobre o Ensino Superior, decorridos que são dois anos sobre a aprovação da Lei nº 113/97, proposta pelo Governo, viabilizada pelo PS e pelo PSD e rejeitada pelo PCP.

A realidade demonstrou que tínhamos razão. A lei não serve.

Afirmam-no as Instituições Universitárias e Politécnicas.

Afirmam-no os estudantes.

Afirmam-no as famílias, ao verem os orçamentos familiares desaparecerem, perante as responsabilidades de financiamento do ensino superior que o Governo lhes exigiu.

Hoje, podemos nós e os Senhores Deputados que viabilizaram a Lei das Propinas, a tal a que o Governo do PS, eufemisticamente, deu o pseudónimo de Lei do Financiamento do Ensino Superior, provar, sem nenhuma dificuldade, porque a realidade está aí, que a Lei das Propinas só tinha um objectivo.

Obrigar os estudantes e as suas famílias a financiar o ensino superior, com uma verba anualmente actualizada e segura - as propinas.

Este objectivo retirou ao Estado a responsabilidade de alguns milhões de contos, indispensáveis ao funcionamento das instituições e determinou que estas verbas passariam a constar não do Orçamento do Estado mas do Orçamento de cada Família portuguesa que tivesse filhos no ensino superior.

No Orçamento de Estado para 1999, o Governo estimou em 9 milhões de contos o montante das propinas, e reduziu esta verba na transferência a efectuar para as Universidades.

O Governo conseguiu assim, e, simultaneamente, diminuir também, e era difícil fazê-lo, porque a Acção Social Escolar do Ensino Superior já vive à míngua, as comparticipações, as ajudas económicas aos estudantes e às famílias que delas estivessem carenciadas.

O Governo passou então a comparticipar o valor da propina, em situações de grande dificuldade económica, a tal que havia criado, inviabilizando na prática outras ajudas e passou a garantir os Novos Financiadores do Sistema - os Estudantes e as suas Famílias.

Tudo isto aconteceu ao arrepio do texto constitucional que estabelece o princípio da universalidade do direito ao ensino como garantia do direito de igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar e que enuncia a incumbência do Estado de garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados de ensino e estabelecer progressivamente a respectiva gratuitidade.

Aliás, princípios que a Lei de Bases do Sistema Educativo integra.

Aliás, presente de forma muito mais operacional e pragmática no texto do Programa do Governo do PS de Novembro de 1995.

Vale a pena, Senhores Deputados do PS, reler as vossas incumpridas promessas no domínio do ensino superior. Poderão aproveitar o texto para a próxima campanha eleitoral, só necessitam alterar a data.

Prometia o PS a expansão do ensino superior público. Onde está?

A dinamização progressiva do numerus clausus. Onde está?

A liberdade de escolha na procura dos cursos. Onde está?

O reforço da acção social escolar e dos apoios educativos do ensino superior público, privado e cooperativo. Onde está?

A criação de novas estruturas de apoio sócio-educativo como a prestação qualificada de serviços médico-sociais. Onde está?

A criação de uma rede de residências para estudantes, de acordo com as necessidades. Onde está?

Considerar a alimentação escolar como factor de desenvolvimento físico e mental. Onde estão as novas cantinas?

Num estudo elaborado por um professor de uma instituição de ensino superior - a Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação - são gritantes as conclusões sobre as responsabilidades do Estado relativamente ao financiamento do Ensino Superior Público.

O estudo revela que as famílias dispendem o triplo do que o Estado investe por aluno que frequenta o ensino superior.

O investimento do Estado por aluno varia entre os 22 mil escudos - nos cursos de Direito e os 120 mil escudos nos cursos de Medicina.

As famílias situam-se entre os 60 e os 83 mil escudos por mês por cada filho que frequente o ensino superior.

O material escolar, a alimentação, o alojamento, as propinas, os transportes constituem uma pesada lista nos orçamentos familiares.

Se acrescentarmos a este quadro o déficit de actualização das bibliotecas das nossas escolas e portanto a necessidade de comprar um sem número de livros que só, a pedido e com pré-pagamento algumas livrarias aceitam.

Se acrescentarmos a este quadro o encerramento de algumas cantinas, a não existência de outras; o facto de só 1% dos estudantes do ensino superior poderem beneficiar de um lugar numa residência universitária; o facto de só 1 em cada 10 estudantes muito carenciados receber uma bolsa de estudo; o facto do valor da bolsa de estudo ter que cobrir parte do pagamento das propinas.

Perguntar-se-á, Senhores Deputados, onde está o Estado?

Não está de certeza com o Ensino Superior Público.

Mas também não está com o Ensino Superior Privado, nem sequer para assegurar globalmente a qualidade do ensino superior ministrado neste sector.

O Governo do PS tem assumido relativamente ao Ensino Superior Privado duas posturas inconciliáveis.

Numa primeira fase facilita, viabiliza, ignora o aparecimento das instituições.

Numa segunda fase, selecciona um ou dois casos, assume uma postura sancionatória e ficamos todos a saber que até para as irresponsabilidades há limites.

São muitos os exemplos, mas vale a pena recordar aquela instituição de ensino superior que, entre outros, ministrava o curso de Medicina Dentária.

No início deste ano lectivo não se sabia ainda se o curso iria funcionar mas as vagas já estavam preenchidas. Os candidatos sem vaga ficavam numa lista de espera, aguardavam desistências e pagavam 25 mil escudos de pré-inscrição.

O curso não estava ainda autorizado mas a propina estava definida, 850 mil escudos por ano.

O aluno pagava 215 mil escudos pela inscrição e depois o restante em prestações de 85 mil escudos.

O curso durará seis anos e só para propinas um aluno gastará mais de 5 mil contos.

E hoje o que se passa relativamente a esta instituição privada de ensino superior, concretamente na área da Medicina Dentária.

A Ministra da Saúde formulou um parecer negativo relativamente à matéria curricular porque não cumpria as determinações da União Europeia.

O Ministro da Educação autorizou o funcionamento do curso de Medicina Dentária porque... Não se sabe!

Somos, realmente, uma República muito especial, não sei se de bananas.

É importante esclarecer que, este ano lectivo, um aluno com média global final inferior a 18 valores, 5 não teria acesso ao ensino superior público na área da Medicina dentária.

Claro que há sempre uma hipótese. Não é médico dentista mas pode ser professor de português ou gestor.

Afinal são opções similares.

Não frustram as expectativas dos candidatos.

Constituem a resposta ao empenhamento dos jovens durante 12 anos de escolaridade.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados:

É esta a realidade.

De facto, a lei já mostrou à exaustão que não serve a não ser como resposta à obsessão socialista das propinas.

O ensino superior público e privado correm graves riscos.

A educação, a ciência e a tecnologia são vectores estratégicos fundamentais para a aceleração do desenvolvimento e para a salvaguarda da capacidade de decisão própria do nosso País.

Cabe ao ensino superior um papel muito especial quer pelas funções complexas que desempenha no interior do sistema educativo, quer pela resposta às necessidades quantitativas e qualitativas de quadros e aos parâmetros económicos, sociais e culturais de um desenvolvimento integrado.

Por todas estas razões, o PCP reapresentou os seus projectos de lei e propõe hoje para discussão os princípios que os estruturam.

Relativamente ao financiamento do ensino superior público o Estado deve assumir plena responsabilidade pelo seu financiamento.

Os estabelecimentos do ensino superior deverão ser dotadas de orçamentos suficientes e estáveis, em base plurianual e assentes em critérios objectivos.

O financiamento por concurso a programas específicos deverá ser instrumento apenas utilizado para a prossecução de políticas governamentais cujo objectivo extravase a missão estatutária do sistema de ensino superior.

No que se refere à Acção Social Escolar, o PCP propõe duas formas distintas e complementares de apoios:

O facto de o acesso ao ensino superior privado não decorrer, na maior parte dos casos, de uma livre opção, mas da incapacidade de resposta da rede de ensino superior público, justifica plenamente que a acção social escolar seja alargada aos alunos que frequentam o ensino particular ou cooperativo, e por isso o propomos.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados:

O que o PCP propõe a esta Assembleia é a defesa do ensino superior de qualidade.

É a defesa da democratização da sua frequência.

É a defesa das necessidades e do desenvolvimento do País.

Disse.