Sobre a situação dos trabalhadores-estudantes
Intervenção do deputado Bernardino Soares
17 de Setembro de 1998

 

Sr. Presidente
Srs. Deputados

São muitos milhares os jovens que todos os anos se vêem excluídos do ensino, seja na escolaridade obrigatória, seja noutro qualquer nível de ensino.

E de facto são verdadeiramente excluídos.

São excluídos porque o ensino, mesmo na escolaridade obrigatória, está longe de ser gratuito e portanto acessível a todos.

São excluídos porque tantas vezes a escola não responde aos seus anseios, às suas dificuldades.

São excluídos quando a escola é longe, de difícil e demorado acesso.

São excluídos porque tantos deles e as suas famílias precisam, para sobreviver, de mais dois braços entregues a um qualquer patrão, quase sempre por um salário miserável, mas de que necessitam literalmente como de pão para a boca.

Por estas e por tantas outras razões são muitos os que cedo deixam o ensino. Mas nem por isso deixam de ter direito a ele. Nem por isso deixam de ser cidadãos a quem não pode ser negado o acesso à educação, à formação e à cultura.

Portanto é preciso garantir que quem trabalha pode também em simultâneo estudar. É preciso garantir a protecção dos direitos dos trabalhadores - estudantes.

A existência de um estatuto do trabalhador - estudante, em que se definem e protegem os seus principais direitos é por isso um importante instrumento.

O primeiro estatuto, de 1981, cumpriu em parte essa função, sendo que a sua aplicação evidenciou algumas carências e foi fortemente ignorada e boicotada por sucessivos Governos, deixando até por regulamentar partes fundamentais, durante os mais de 16 anos que esteve em vigor.

Também por isso o PCP e a JCP apresentaram um projecto de alteração destas normas que com projectos de outros partidos acabou por dar origem a um novo estatuto do trabalhador - estudante que ficou em vários aspectos aquém daquilo que seria justo e necessário, mas que apesar de tudo constituiu em muitas áreas um avanço e um aperfeiçoamento em relação às regras até então existentes.

A verdade é que na contabilidade economicista do Governo e do Ministério da Educação os direitos dos trabalhadores - estudantes têm pouco cabimento. É que defender os direitos dos trabalhadores - estudantes implica disponibilizar mais verbas para pagar a professores e funcionários para que as escolas funcionem em horário pós - laboral; implica manter serviços básicos como cantinas, bibliotecas ou serviços administrativos a funcionar depois das cinco horas; implica fiscalizar nas escolas e, imagine-se, nas empresas a aplicação destes direitos.

Por isso o Governo meteu o novo estatuto na gaveta e deitou fora a chave. Não o regulamenta, não fiscaliza a sua aplicação e não atribui aos estabelecimentos de ensino as verbas de que necessitam para cumprir o que a lei determina.

Um dos principais instrumentos para que o estatuto fosse devidamente aplicado seria a criação de um organismo junto do Ministério da Educação especificamente vocacionado para os direitos dos trabalhadores estudantes. Nele estariam obviamente representantes dos trabalhadores estudantes, das associações de estudantes em geral, dos sindicatos e dos Ministérios mais directamente ligados a esta área.

Este organismo nem sequer está por criar desde o ano passado com a publicação do novo estatuto; está por criar desde 1981 porque já o anterior previa a sua criação.

Mas para o Governo valores mais altos se levantam. O que é preciso é que a flexibilização e a precaridade laboral aumentem especialmente para os mais jovens. E neste campo é muito difícil ser trabalhador - estudante. Experimentem os Srs. Deputados perguntar aos trabalhadores das grandes superfícies se lhes é permitido usufruir dos direitos que a lei lhes dá; se podem sair mais cedo para poderem assistir às aulas ou se são dispensados para estudar ou para realizar um exame.

E por isso o Governo faz de conta que não está obrigado a regulamentar a lei, que não tem de fiscalizar a sua aplicação nas escolas, de obrigar os patrões a cumprir e de aplicar as sanções por violação dos direitos destes trabalhadores.

Mais do que isso o Governo na prática cria as condições para que seja praticamente impossível às escolas garantirem ensino pós - laboral. É por isso que hoje a rede de escolas que no ensino básico e secundário dispõem destes horários é cada vez mais exígua e na prática impossibilita a frequência a tantos e tantos trabalhadores.

É por isso que no ensino superior se tem assistido nos últimos anos a uma sangria desenfreada de acabar com cursos nocturnos que custam caro às escolas e pelos quais o Ministério não atribui mais verbas no orçamento. É por isso que no Instituto Superior Técnico, no ISEG, na Faculdade de Letras do Porto e em tantas outras escolas, encontrar ensino pós - laboral é quase como encontrar agulha em palheiro.

O PCP e a JCP não aceitam que esta situação seja tratada como facto consumado e que os direitos dos trabalhadores estudantes sejam papel de embrulho para o Governo Socialista.

Exigimos o cumprimento da lei, a sua fiscalização, a sua regulamentação, nomeadamente no que diz respeito ao organismo para os assuntos dos trabalhadores estudantes; exigimos o financiamento adequado e indispensável para que as escolas de todos os níveis de ensino possam funcionar à noite.

Ser trabalhador estudante já é difícil; não queremos que o Governo o torne completamente impossível.

Disse.