Declaração Política sobre o financiamento
do ensino superior
Intervenção do deputado Bernardino Soares
18 de Março de 1998
Senhor Presidente,
Senhores Deputados:
A Juventude Comunista Portuguesa realizou há poucas semanas uma série de contactos
com o movimento associativo estudantil do Ensino Superior. Serviram estes contactos
para conhecer a opinião e as intenções dessas Associações de Estudantes, nomeadamente
em relação à Lei do Financiamento do Ensino Superior.
É visível que, ao contrário do que diz o discurso condescendente do Governo
e do Ministro da Educação, existe uma contestação generalizada e crescente a
esta Lei do Financiamento do Ensino Superior, aprovada pelo PS e pelo PSD nesta
Assembleia.
Sendo esta Lei do Financiamento uma lei que agrava os obstáculos no acesso ao
ensino superior e que estrangula o ensino superior público, naturalmente iria
ter forte oposição dos agentes educativos, nomeadamente dos estudantes.
Por isso, o Governo tento desde cedo branquear esta Lei do Financiamento, através
de uma forte ofensiva mediática. O Governo andou durante meses a garantir que
com esta Lei do Financiamento não haveria desresponsabilização do Estado no
financiamento do ensino superior público.
Para quem ainda acreditasse nestas promessas bastou esperar pelo orçamento da
educação de 1998 para se concluir, no rigor dos números, que o Governo contava
com dinheiro a cobrar de propinas para os orçamentos das instituições de ensino
superior público.
A verdade é que o Governo lançou mão de todos os meios que estavam ao seu alcance
para tentar convencer os portugueses de que a Lei era justa; de que cobrar propinas
estava certo.
As instituições foram pressionadas, desde logo porque para muitas o dinheiro
das propinas é indispensável até para o funcionamento normal. Algumas instituições
estão hoje em risco de não terem verbas para funcionar nos últimos meses do
ano lectivo. E esta é uma forma de pressão também sobre os estudantes.
O Governo tentou também convencer os portugueses de que os estudantes do ensino
superior são privilegiados e que por isso devem pagar. Esta não é uma linha
nova; já vem do tempo do Ministro Couto dos Santos e dos seus Ferraris.
Esquece o sr. Ministro que os estudantes do ensino superior suportam já hoje,
mesmo sem pagamento de propina grande parte dos custos de frequência do ensino
superior e que isso constitui, tal como a propina, uma limitação real, baseada
em factores socio-económicos ao acesso a este nível de ensino.
O Governo e o PSD estabeleceram também como sanções para o não pagamento de
propinas, a nulidade de todos os actos curriculares numa tentativa de impor
à força a cobrança. Mas mais do que isso: o Governo e o Ministério da Educação
dizem desconhecer a existência de sanções ilegais pendendo ameaçadoramente sobre
os estudantes que não pagarem as propinas. A verdade é que elas existem, em
várias instituições e vão desde multas diárias de 1.500$00, multas diárias cujo
valor progride geometricamente, anulações de matrícula e de inscrição e toda
a espécie de discriminações administrativas. O desconhecimento e não intervenção
do Governo nestas situações, ou é incompetência ou é conivência.
Outra estratégia também utilizada pelo Ministro Marçal Grilo foi a de tentar
reduzir a contestação e a oposição dos estudantes a esta lei ao facto de terem
ou não pago as propinas ou as suas primeiras prestações. A verdade é que a contestação
desta lei vai muito além do boicote à propina. Passa por todas as acções simbólicas,
greves, vigílias, manifestações, boicotes e protestos em que dezenas de milhar
de estudantes têm participado antes e depois de esta lei ser aprovada.
Mas mesmo se compararmos os números do boicote às leis do PSD com aquilo que
se prevê existir agora, verificamos que o número de não pagantes é maior agora
na maioria das instituições.
Nem adiantou também ao Governo a introdução apressada da alteração à Lei de
Bases do Sistema Educativo, tentando atirar universidades contra politécnicos
e acicatar rivalidades e corporativismos de um e de outro lado.
Mais ainda o protesto dos estudantes não se resume à oposição à propina. Trata-se
também de contestar aquilo que de mais perverso tem a aplicação desta lei. É
também o conceito de aluno elegível que o sr. Ministro apresenta como instrumento
para atacar os estudantes cábulas. Resolve assim o problema das más condições
de aprendizagem, das insuficiências de docentes, dos curricula desadequados,
não intervindo sobre estes problemas mas simplesmente excluindo os estudantes.
Assiste-se também à destruição da acção social escolar. Por um lado, diminui
ano após ano o investimento do Estado em infraestruturas de acção social escolar;
por outro mantém-se um número insuficiente de bolsas com montantes em média
muito baixos. Os aumentos que o Governo afirma existirem em alguns casos praticamente
resumem-se à inclusão de um complemento que apenas se destina a pagar a propina.
É que - presume-se - no nosso País, os bolseiros, que por definição são estudantes
que necessitam de apoio económico para frequentar o ensino superior, pagam propinas.
Aliás, está criada uma situação de grande habilidade contabilística que leva
a que na prática, boa parte do dinheiro atribuído em bolsas, sendo entregue
pelos estudantes para pagamento de propinas vai afinal reverter para o funcionamento
das instituições.
Isto é: a partir de agora a acção social escolar passa a ser contribuinte para
o orçamento corrente das instituições. É a mais completa perversão de todos
os princípios em matéria de apoio social no ensino superior!
Mas há mais! Confrontados com o desinvestimento do Estado em infraestruturas
de acção social escolar, muitas instituições vêem-se obrigadas a lançar mão
do dinheiro das propinas para construir alguns equipamentos indispensáveis.
O que quer dizer que em vez de ser o Estado a criar as condições de apoio aos
estudantes do ensino superior, são os estudantes que suportam os custos do apoio
que o Estado lhes deveria dar. Milton Friedman não faria melhor.
De resto, a grande, para não dizer a única, preocupação do Governo em matéria
de aplicação da Lei do Financiamento do Ensino Superior é a aplicação da propina
como é visível pela parca regulamentação das matérias que poderiam aligeirar
as graves medidas que a lei preconiza. O lema da 5 de Outubro é sem dúvida "propinas
já e em força".
Mas afinal, apesar das repetidas intervenções públicas do sr. Ministro e de
outras figuras do Partido Socialista, com tom seráfico e condescendente, os
estudantes por todo o País contestam a lei. E fazem-no fundamentalmente e com
a razão de quem não está a defender interesses próprios, está a defender o futuro
do País e a sobrevivência do ensino superior público.
A oposição dos estudantes à galopante desresponsabilização do Estado no financiamento
do ensino superior público, na aplicação cega dos ditames do neoliberalismo,
é a maior garantia de que é possível inverter o rumo da política educativa e
pô-la ao serviço do desenvolvimento do país e da democratização do ensino.
É urgente que se tome a única medida admissível e que serve os interesses do
ensino superior - a revogação imediata da Lei do Financiamento do Ensino Superior.
A JCP e o PCP estarão do mesmo lado com os estudantes e outros agentes educativos
em defesa do ensino superior público.
Disse.