Ratificação n.º 41/VII, do Decreto-lei n.º 304/97, de 8 de Novembro, que regula o pagamento de propinas às instituições de ensino superior
Intervenção do deputado Bernardino Soares
09 de Janeiro de 1998

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados:

A correcta análise do diploma que hoje apreciamos não pode fazer-se sem entendermos todo o processo de que é apenas um episódio.

É o processo da desresponsabilização do Estado no financiamento do ensino superior público. Sucessivamente foram caindo as máscaras usadas pelo Governo para tentar esconder o seu verdadeiro propósito. A tão prometida proposta global sobre as questões de financiamento e acção social escolar acabou por se traduzir num texto em que a única medida garantida era a aplicação da propina; o compromisso de que cobrar propinas não se traduziria numa desresponsabilização do Estado no financiamento do Ensino Superior Público não resistiu à objectividade dos números do último Orçamento de Estado; a promessa de mais e melhor acção social escolar esbarrou com o constante decréscimo do investimento em infra-estruturas nesta área com que nos brindaram os sucessivos orçamentos socialistas.

O propósito do Governo foi sempre e continua a ser um só: cobrar propinas já e em força!

O PCP sempre lutou e continuará a lutar contra esta política de estrangulamento do ensino superior público, de elitização do acesso ao ensino e que compromete o futuro do país.

O decreto-lei n.º 304/97 é mais uma prova de que este Governo quer propinas a todo o custo. Aparentemente tratar-se-ia da simples regulamentação das disposições sobre receitas próprias existentes na lei do financiamento. O artigo 1º chega a atribuir com naturalidade às instituições de ensino superior a competência para definir os prazos e termos de pagamento de propinas.

Mas se atentarmos no artigo 2º e no seu conteúdo encontramos mal disfarçada a ânsia desenfreada do pagamento de propinas.

O regime que o Governo quis aplicar através deste artigo 2º é uma solução tão arrogante quanto incoerente.

Arrogante porque o Governo, num claro desrespeito pela autonomia do ensino superior impõe procedimentos que devem ser as instituições a decidir. Mais ainda: mascara de supletivo um regime que se destina a ser taxativo. Não há outra maneira de interpretar uma disposição, que publicada no dia 8 de Novembro de 1997, Sábado, impõe um regime supostamente supletivo caso as instituições de ensino superior não estabelecessem até 15 de Novembro, isto é oito dias depois, os prazos e termos de pagamento das propinas.

Só se explica tal procedimento pela má-fé com que o Governo socialista pretendeu disfarçadamente impor às instituições os prazos e as condições que desejava.

Mas esta é também uma solução incoerente já que o próprio decreto-lei se contradiz a si próprio. De facto o artigo 2º, a ser aplicado rigorosamente esvazia de conteúdo o primeiro.

A verdade é que o Governo nunca pretendeu com este diploma dar às instituições de ensino superior a margem de decisão que a sua autonomia exige.

O que aconteceu na realidade foi que as instituições que já tomaram as decisões em causa o fizeram em geral fora dos prazos draconianos do Ministério da Educação. Resta saber se o Governo vai levar até ao fim a sua afronta à autonomia e impor às instituições que ainda não decidiram ou que o fizeram depois de 15 de Novembro as soluções que inscreveu neste diploma.

Por tudo isto se tornou indispensável suscitar esta apreciação parlamentar. Porque além de ser fundamental combater esta política educativa e em particular a imposição de propinas aos estudantes do ensino superior público, se trata aqui também de denunciar o carácter abusivo deste diploma.

A apreciação parlamentar pedida pelo PCP do decreto-lei n.º 304/97 é uma oportunidade única e que não pode ser desperdiçada de corrigir mais este atropelo do Governo à autonomia das instituições de ensino superior.

É por isso que propomos, que independentemente da questão de fundo e da nossa oposição frontal à existência de propinas no ensino superior público e à Lei de bases do financiamento aprovada nesta casa, se respeite a autonomia das instituições de ensino superior sendo assim indispensável que se expurguem da ordem jurídica as normas que a violam.

Não pode esta Assembleia pactuar com a política do respeito pela autonomia apenas quando convém e da sua violação sempre que é necessário fazer cumprir a vontade do Governo.

Não pactuaremos nós com mais esta machadada no ensino superior público na marcha forçada para a propina.