Apreciação parlamentar n.º 16/X do Decreto-Lei n.º 20/2006, de 2 de Fevereiro, que revê o regime jurídico do concurso para selecção e recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, revogando o Decreto-Lei n.º 35/2003, de 27 de Fevereiro
Intervenção de Luísa Mesquita
6 de Abril de 2006

 

 

 

 

Sr. Presidente,
Sr. as Deputadas
, Srs. Deputados:

A publicação do Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de Janeiro, que regula o concurso para a selecção e recrutamento do pessoal docente de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário constituiu uma oportunidade perdida para melhorar as condições de aprendizagem das crianças e dos jovens e, consequentemente, apostar na estabilidade do corpo docente.

A medida mais publicitada pelo Governo foi a opção pelo carácter plurianual do concurso, numa primeira fase de três anos e posteriormente de quatro anos, apontada como fundamental à estabilidade das escolas, porque direccionada para o corpo docente.

Afinal, o que o texto publicado consagra é, na realidade, uma falsa solução com consequências gravosas no que à estabilidade diz respeito, para além dos focos de instabilidade que promove. Estamos perante uma medida que impede que muitos professores, durante três ou quatro anos, obtenham de uma forma definitiva, através do ingresso ou transferência no quadro de escola, uma colocação mais próxima da sua área de residência por inexistência de uma candidatura anual e, simultaneamente, permite que o Governo protele, sem qualquer compromisso, a adequação dos quadros de pessoal das escolas às suas reais necessidades e ainda adia, quando existam vagas por preencher, a possibilidade dos professores, através de concurso externo, ingressarem no quadro dos respectivos estabelecimentos de ensino.

Ora, se dúvidas existissem acerca desta falaciosa medida, a fixação forçada, o incentivo previsto à renovação de contratos para responder a necessidades permanentes dos estabelecimentos de educação e ensino confirma, de facto e de forma inequívoca, que a decisão do Governo é pelo aprofundamento da precariedade do sistema, com consequências de injustiça na vida dos trabalhadores docentes, que poderão ser remetidos para o desemprego mesmo quando a sua graduação profissional demonstrar que reúnem as melhores condições para aceder a lugares de quadro, mas que tiveram azar porque, por mero acaso, tiveram a pouca sorte de ser colocados em escolas em que não foi possível renovar o contrato por ter deixado de ser necessária a sua contratação.

Esta disposição é ainda agravada no diploma com o facto de a renovação do contrato não depender apenas da necessidade de contratação e da vontade do docente, mas exigir o parecer favorável da escola, o que, no actual quadro de elevadíssima taxa de desemprego docente e da grande precariedade nos vínculos laborais, permite que se instalem relações de sujeição e de dependência inaceitáveis, ferindo claramente o artigo 47.º do texto matricial, que determina que todos os cidadãos têm direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade.

O decreto-lei em apreço continua a ignorar qualquer mecanismo de vinculação que determine o ingresso nos quadros das escolas após um período de contratação a termo certo, o que significará que os docentes contratados, mesmo de forma plurianual, necessários ao sistema educativo continuarão a ver crescer o número dos já muitos contratos que firmaram com o Ministério da Educação sem qualquer contrapartida que não seja a instabilidade e a precariedade.

Também não é menos preocupante que o regime jurídico agora publicado, no que à educação especial diz respeito, viole descaradamente a Lei de Bases do Sistema Educativo e a Declaração de Salamanca de que o Estado português é signatário.

Numa mera e exclusiva manobra de contenção de despesas, o Governo contorna as reais necessidades do sistema e reduz as estratégias de apoio às crianças e aos jovens a «necessidades educativas de carácter prolongado». Esta simples decisão consagrada no diploma permitiu que o Ministério da Educação eliminasse, de uma só penada, 5000 vagas para docentes de Educação Especial, mas, simultaneamente, anunciou a abertura de 3000 vagas, como se estivéssemos perante o alargamento da rede para esta área.

Hoje os números não enganam e estão aí em toda a comunicação social: as vagas são 2155, o que significa que o Governo optou por uma redução de 70% relativamente ao actual número de docentes de educação especial!

Com esta decisão, o Governo resolveu ignorar a necessidade de criar condições de aprendizagem e de inclusão socio-educativa a que estas crianças e estes jovens têm direito.

O diploma consagra ainda tratamento desigual que pode suscitar dúvidas de constitucionalidade no âmbito das transferências por ausência de serviço e dos destacamentos por aproximação entre os docentes dos concelhos situados nas áreas geográficas de Lisboa e Porto e os que se encontram em escolas de outros concelhos.

Tratamento desigual é também aquele que é conferido aos docentes que adquiriram a sua licenciatura nos termos de dois artigos diferentes do Estatuto da Carreira Docente. Ambos são licenciados, mas em relação aos que adquiriram uma licenciatura nos termos dos artigo 55.º é dada a possibilidade de alterarem a sua classificação profissional, enquanto que os que optaram por uma licenciatura ao abrigo do artigo 56.º ficam impedidos de o fazer, sem que se entenda ou adivinhe qualquer razão a não ser a incompetência pura e simples.

O resultado é claro: o Governo que, para além da desigualdade instalada, se concretize uma efectiva discriminação, com consequências gravosas na ordenação das listas decorrentes do regime de concurso.

Estas são, no fundamental, as razões que sustentam a nossa apreciação parlamentar.

Aos Sr. as e Srs. Deputados Partido Socialista propomos que leiam atentamente as nossas propostas e estamos convictos de que, se o fizerem, considerarão que elas constituem uma excelente melhoria ao diploma que gravosamente foi aprovado pelo Governo.