Alteração do regime de constituição e dos direitos e deveres a que ficam subordinadas as associações de pais e encarregados de educação
Intervenção de Luísa Mesquita
12 de janeiro de 2006
Senhor Presidente
Senhores Deputados, Senhoras Deputadas,
O projecto de lei que hoje apresentamos pretende alterar, aperfeiçoando obviamente, no nosso ponto de vista, o regime de constituição e os deveres e os direitos das Associações de pais e encarregados de educação.
A crescente presença do movimento associativo de pais e encarregados de educação ao longo dos anos, no seio da escola, tem constituído um efectivo contributo e uma parceria indispensável à melhoria dos processos de ensino-aprendizagem.
O empenhamento e a disponibilidade para assumir responsabilidades acrescidas, substituindo-se inúmeras vezes ao Estado, são algumas das razões que justificam hoje, um olhar diferente dos diversos parceiros da comunidade educativa e também o menor preconceito com que alguns avaliavam a intervenção das Associações de Pais e Encarregados de Educação.
Hoje, inúmera legislação consagra os seus direitos e deveres, exige a sua presença nos mais diversos espaços educativos, mas simultaneamente dificulta e muito a realização individual e colectiva do exercício pleno da sua actividade associativa voluntária e consequentemente dos direitos e dos deveres que os textos legais lhes garantem.
Constitui um direito das Associações de Pais e Encarregados de Educação, por exemplo: - Pronunciar-se sobre a definição da política educativa; Participar na elaboração de legislação sobre educação e ensino; Participar na administração e gestão dos estabelecimentos de ensino; Integrar os órgãos consultivos no domínio da educação, a nível local, regional e nacional com atribuições nos domínios da definição e do planeamento do sistema educativo e da sua articulação com outras políticas sociais.
A presença e intervenção do movimento associativo dos pais, no sistema educativo é um direito de cidadania que não pode ser dificultado por ausência de vontade política.
A escola é cada vez mais um espaço onde se reflectem as assimetrias da sociedade portuguesa, onde se reproduzem e, por vezes, se agudizam as desigualdades, a discriminação e a exclusão sociais.
Apostar numa escola de igualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativos é um combate que não pode excluir nenhum dos parceiros educativos, antes tem que optar pelo aprofundamento da democracia participativa e integrar todos, porque todos são indispensáveis à construção de soluções eficazes e adequadas à complexidade dos problemas.
A legislação existente é claramente insuficiente e, por vezes, desmotivadora quer da constituição das Associações, quer da participação dos seus associados na vida escolar dos seus educandos.
Hoje ninguém tem dúvidas que algumas das medidas decididas pelos diferentes governos só são exequíveis porque há Associações de Pais e Encarregados de Educação.
São estas Associações que criam e geram os tempos livres em muitas escolas do país, que se responsabilizam pela confecção e distribuição das refeições a que as crianças têm acesso ou que respondem às necessidades de apoios educativos especiais.
Foram recentemente as Associações de Pais em conjunto com as escolas e as autarquias que diminuíram o impacto negativo das decisões voluntaristas do governo, quer relativamente ao ensino do Inglês, quer relativamente ao prolongamento dos horários, criando condições mínimas de funcionamento e não permitindo a sua concretização a qualquer preço.
O contributo que o PCP traz hoje para esta discussão pretende, como já o afirmámos, reforçar os mecanismos legais que facilitem o reforço institucional deste movimento associativo e garantam que o seu voluntariado não tem como consequência quer os elevados custos da criação das Associações, quer a penalização no exercício da actividade profissional dos seus associados.
Por isso, propomos a isenção do pagamento de quaisquer emolumentos, quanto aos actos relativos à constituição e ao consequente registo das Associações de Pais, garantindo assim que se associem livremente e sem custos, considerando que esse direito é fundamental para o cumprimento dos deveres e exercício dos direitos que lhes são conferidos por lei.
Propomos ainda que as despesas de educação e formação, desde que prestadas por Associações de Pais e Encarregados de Educação, devidamente reconhecidas, sejam consideradas no âmbito das deduções à colecta do sujeito passivo de IRS.
O que aconteceria se fosse o Estado a assumir as responsabilidades que lhe compete na área da formação integral das crianças e dos jovens, prevista nos mais diversos normativos, nomeadamente, na Lei de Bases do Sistema Educativo.
Finalmente e porque é manifestamente crescente a dificuldade de participação dos pais e encarregados de educação na actividade associativa e no cumprimento dos deveres que a lei garante, propomos a alteração do regime especial de faltas, introduzindo a possibilidade de serem consideradas justificadas as faltas ao trabalho, sem perda de remuneração ou quaisquer outros direitos ou regalias, dadas pelos titulares dos órgãos sociais das Associações de Pais e Encarregados de Educação, quando participem e comprovem a sua presença em reuniões, nos termos definidos na lei e desde que o número de faltas não exceda dois dias por mês.
Se os senhores deputados verificarem toda a legislação existente que prevê a participação dos Pais e Encarregados de Educação, não só na área educativa mas também na área social, concluirão que esta proposta é minimalista, mas é sem dúvida uma melhoria face à situação actual.
Senhor Presidente
Senhores Deputados, Senhoras Deputadas,
Depois da entrega do nosso projecto, recebemos muitos contributos das mais diversas Associações de Pais que atentamente leram as nossas propostas.
Algumas dessas contribuições são bem-vindas e se o nosso projecto tiver o voto favorável desta casa, será possível introduzir essas alterações, assim como todas aquelas que os senhores e as senhoras deputadas propuserem, desde que o objectivo matricial do nosso texto seja salvaguardado.
Consideramos que a aprovação desta iniciativa legislativa é uma medida de elementar justiça para com todos aqueles que, voluntariamente, e muitas vezes sujeitos a penalizações injustificáveis, são parceiros insubstituíveis no combate pelo direito a uma escola de qualidade e para todos.
Disse.
Sr. Presidente,
Sr.ª Deputada Alda Macedo,
Muito obrigada pela questão colocada.
Quero dizer-lhe, de uma forma muito rápida, dado que o tempo de que disponho também não é muito, que, como afirmei da tribuna, o PCP está inteiramente disponível para que este projecto de lei receba todos os contributos, venham ou não eles das associações de pais. Aquele que a Sr.ª Deputada acabou de referir também chegou às nossas mãos, oriundo da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), que faz uma leitura comparativa entre a actual lei, o projecto de lei do PCP e o diploma, por exemplo, das comissões de utentes do Serviço Nacional de Saúde, no sentido de acrescentar algumas matérias presentes no texto referente às comissões de utentes e no texto do diploma do PCP à actual legislação.
Em minha opinião, são duas áreas de intervenção diferentes, com objectivos e estratégias diferentes, o que não é impeditivo, naturalmente, que matérias, objectivos e estratégias coincidentes possam melhorar o nosso texto, havendo, portanto, toda a disponibilidade nesse sentido.
Naturalmente que no tempo de que dispomos não é possível referir todas as áreas de intervenção das associações de pais e encarregados de educação, mas quero dizer-lhe que concordo consigo quando diz que a área municipal, em particular os conselhos municipais de educação (a Sr.ª Deputada não o referiu, mas acrescento-o), portanto, os diversos patamares — desde o nível local, ao regional e nacional — das políticas educativas contam hoje com a participação efectiva das associações de pais. E podiam contar mais. De resto, esta é a questão de fundo, sendo por isso que o nosso projecto vem hoje a Plenário, como tem vindo ao longo dos anos, uma vez que este é o terceiro ou quarto projecto de lei que apresentamos sobre esta matéria, tendo alguns deles desencadeado já alterações. Embora tivessem sido chumbados pelos respectivos governos da altura em que os apresentámos, acabaram por desencadear alterações à lei que hoje temos, melhorando-a, na prática.
É efectivamente paradoxal que, criando-se legislação que dá cada vez mais competências às associações de pais e encarregados de educação, depois a lei não lhes permita participar nos órgãos de gestão das escolas, nas assembleias de escola, nos conselhos municipais de educação, nas comissões de menores.
Claro que há excepções: se eu não trabalhar ou se tiver uma profissão liberal em que autodetermine o meu próprio horário estou disponível, mas o trabalhador por conta de outrem não pode fazê-lo.
E se esta situação já era grave — a Sr.ª Deputada não a referiu, mas conhecê-la-á tão bem como eu —, com o actual Código do Trabalho criou-se uma situação perfeitamente insustentável, relativamente à qual, aliás, já tenho respostas por parte do Governo e preocupações por parte das federações e da própria CONFAP.
Existe, neste momento, uma situação caricata e paradoxal, que foi colocada pelo PCP na altura em que esta matéria foi discutida na Assembleia, tendo sido dito que não se fazia essa leitura restritiva do Código do Trabalho. Permitindo-se, no seu articulado, que os pais e encarregados de educação vão às escolas para garantir o acompanhamento pedagógico e continuado do processo de ensino e aprendizagem dos seus filhos, perguntámos se essa possibilidade estava garantida no Código do Trabalho para todos os trabalhadores, incluindo os da Administração Pública. Pois temos em nosso poder uma resposta do actual Governo confirmando que, efectivamente, a legislação do Código do Trabalho não cobre os trabalhadores da Administração Pública.
Portanto, neste momento, as crianças e os jovens que tiverem a infelicidade de serem filhos de trabalhadores da Administração Pública — aqueles que, neste momento, sabemos muito bem, não são queridos da governação — não poderão ver os pais deslocarem-se às escolas para acompanharem a sua vida escolar. Portanto, naturalmente, também a nível do Código do Trabalho…
Sr.ª Deputada, manifesto, pois, a nossa concordância quanto às matérias em causa.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. as e Srs. Deputados:
Nesta intervenção final, vou chamar a atenção para três ou quatro aspectos.
No início desta discussão estava convicta de que todos os Srs. Deputados que intervieram tinham tirado um pouco do seu tempo para ler o projecto de lei do PCP. Concluo que não só alguns não o leram como nem sequer tiveram disponibilidade para se informarem do enquadramento jurídico das actuais associações de pais.
Alguns Srs. Deputados fizeram intervenções como se não existisse uma lei que enquadra a intervenção e a participação dos pais e dos encarregados de educação nas comunidades educativas e como se estivéssemos a falar aqui, pela primeira vez, desse direitos e desses deveres.
Ficámos a saber, por exemplo, que o PSD quer que existam associações de pais, quer que os pais tenham deveres, mas não quer que as associações de pais tenham direitos; considera que são extremamente complexas as questões em matéria educativa e que as escolas nem sequer funcionam em condições — os pais têm obrigações, mas direitos não deverão ter! Portanto, parece-me suficientemente clara a posição do PSD.
O CDS-PP foi mais longe. Acha que as associações de pais são indispensáveis, que devem participar nas comunidades educativas, mas que também não devem ter direitos, e muito menos direitos que possam custar seja o que for à entidade empregadora. Portanto, na opinião do CDS-PP, se o pai tem condições económicas naturalmente que falta e vai a uma reunião do conselho executivo, a uma assembleia de escola, a uma comissão de protecção de menores, a um conselho municipal de educação; se não tem dinheiro, paciência, fica em casa, porque o que ganha é pouco e não se pode dar ao luxo de integrar um movimento associativo de pais e muito menos de zelar pelo processo de ensino/aprendizagem do seu filho ou de outros educandos que naquela escola estejam a usufruir desse processo.
Ficámos também a saber que a questão fundamental que preocupa o CDS-PP é a de que, com estes direitos, podemos estar a transformar as associações de pais em sindicatos. E se já não bastava haver sindicatos no regime democrático, que seria, depois, haver um movimento associativo que viria criticar as políticas governamentais ou pôr em causa a produção legislativa nas escolas, em nome dos pais e dos encarregados de educação?!… Ainda se fosse só de alguns pais…, se houvesse associações de pais afectas à política governativa e associações de pais da oposição, naturalmente o CDS-PP até nem se importaria…
Agora, se houvesse associações de pais formadas por desempregados e associações de pais formadas por pais liberais, essas também seriam duas propostas que, por inteiro, «vestiriam» aquele que é o «fato» democrático ou, melhor, pouco democrático proposto aqui pelo CDS-PP.
Relativamente ao PS, Sr. Deputado João Bernardo, quero dizer-lhe, desde já, que o PCP aceita a proposta feita pelo Partido Socialista, de baixa à comissão deste diploma sem votação na generalidade, porque mais importante do que votá-lo, de imediato, é que o texto que resulte da discussão, em sede de Comissão de Educação, Ciência e Cultura, possa, de algum modo, facilitar o cumprimento dos deveres e, simultaneamente, conferir direitos às associações de pais, em sede da sua participação na vida e na comunidade educativa.
Portanto, a nossa disponibilidade — e já fizemos o requerimento à Mesa nesse sentido — é para que o nosso texto baixe à comissão sem votação na generalidade — pelo prazo limite de 60 dias, que pensamos ser suficiente, dado que o Sr. Deputado João Bernardo afirmou tratar-se de matéria que já vem sendo negociada com o Governo, com a CONFAP e com outras organizações —, no sentido de aí se encontrar um texto que seja mais amplo e responda a maiores necessidades. Nisso, estamos inteiramente de acordo.
Agora, não posso deixar de dizer ao Sr. Deputado do Partido Socialista que leu com menos atenção o nosso projecto de lei. É porque, se o tivesse lido com mais atenção, não tinha feito a afirmação que fez na tribuna de que o PCP, de forma leviana, apresenta um texto que pretende dar dois dias de faltas àqueles homens e mulheres, pais e encarregados de educação, que integram as associações de pais.
Nada há de mais falso, nada há de menos verdadeiro!
De facto, o que o PCP propõe é que esse regime especial de faltas se aplique, exclusivamente, aos pais e encarregados de educação que sejam elementos dos órgãos sociais das federações e associações de pais, o que é bem diferente do que o Sr. Deputado disse. À semelhança do que aqui se passa, pois, como sabe, uma coisa é uma comissão representativa da Assembleia da República, outra, os 230 Deputados. Penso que o Sr. Deputado perceberá isto. Portanto, dizer o que o Sr. Deputado disse não corresponde à verdade!
Quero partir do princípio de que isso se deveu a uma leitura menos atenta e não leviana do texto do PCP, mas quero também reenviar-lhe o termo «leviano» que enviou para o PCP.
Assim sendo, Srs. Deputados do PS, a nossa disponibilidade é total para que esta matéria seja discutida no prazo que já propusemos. Venham lá as vossas propostas, as da CONFAP e de todas as associações de pais, para que seja possível confirmar os seus deveres com os direitos indispensáveis, mesmo sabendo, de antemão, que o CDS-PP e o PSD não estão disponíveis para facilitar a vida às associações de pais.
(…)
Sr. Presidente, Sr.
Deputado João Bernardo,
Quero só dizer-lhe que a sua leitura foi clara e que, neste momento, não há dúvidas de que o Sr. Deputado tem a certeza absoluta de que o projecto de lei do PCP remete para os homens e mulheres, pais e mães, que são titulares dos órgãos sociais — e, agora, ficou gravado — das associações de pais e encarregados de educação.
Portanto, aquela leitura generalista não corresponde à verdade.
Por outro lado, gostaria de ouvi-lo pronunciar-se sobre uma afirmação feita pelo Sr. Presidente da CONFAP, Albino Pinto de Almeida, que, num debate sobre educação e família, promovido pelo Conselho Nacional de Educação, afirmou: «Uma professora, na qualidade de mãe, foi, na semana passada, a uma escola e invocou o artigo 225.º do Código do Trabalho. Teve a falta injustificada, sem vencimento, porque o Código do Trabalho não se aplica aos funcionários públicos. Portanto, como dizia há pouco, com leis assim, em que o «loureiro» está de um lado e o «vinho», na prática, está do outro…, continuamos a ter o «diabo» nos pormenores… E as associações de pais, assim, não podem funcionar!
Ora, é isto que o projecto de lei do PCP tende a resolver. Gostaria de saber se o Sr. Deputado não está francamente escandalizado com um Código do Trabalho com o qual o senhor está de acordo, mas que faz isto às mães e aos pais que querem acompanhar a educação dos seus filhos.