Petição n.º 38/X — Apresentada pelo Movimento de Quadros de Escolas Desterrados, solicitando que a Assembleia da República proceda à revisão e alteração do processo de concurso para selecção e recrutamento de pessoal docente
Intervenção de Luísa Mesquita
2 de Dezembro de 2005
Sr. Presidente,
Sr. as e Srs. Deputados:
As escolas portuguesas podem não ter os recursos financeiros suficientes, nem têm, com certeza, os recursos técnicos e pedagógicos necessários, mas se as escolas portuguesas tiverem corpos docentes estáveis, a batalha da formação das crianças e dos jovens estará, com certeza, no caminho certo. Mas este não tem sido o entendimento dos diferentes governos.
Na educação tudo se tem feito de forma casuística, eleitoral mesmo, sem avaliar consequências e sem considerar e seleccionar as estratégias prioritárias para atingir o objectivo primeiro, que é a formação. E, ultimamente, são de tal modo evidente a inversão e a confusão entre o essencial e o acessório que os docentes, actores indispensáveis ao processo de ensino/aprendizagem, foram transformados em inimigos públicos e colocados sob suspeição máxima.
Os governos legislam mal — e afirmo-o literalmente e não ideologicamente —, fazem reformas erradas, projectam revisões curriculares que não funcionam, não sabem fazer concursos e formulam programas não exequíveis. E de tudo isto culpam sempre os mesmos, que são os docentes, dizendo que faltam muito e que trabalham pouco, na sua douta opinião, e que são os mais bem pagos da Europa. Como é evidente, a posteriori, tudo isto se desmente, mas, entretanto, ficou a suspeição.
Sr. Presidente,
Sr. as e Srs. Deputados:
A petição que hoje discutimos decorre exactamente desta mesma realidade e é elucidativa. Os diferentes governos não têm sabido legislar sobre concursos de professores, e não se trata apenas deste. Homens e mulheres, que teimaram em ser docentes, foram obrigados a concorrer, de acordo com legislação produzida pelo Governo, e, por isso, afastaram-se das suas residências e dos seus familiares dezenas e dezenas de quilómetros, uma vez que o governo lhes garantia que, através dessa mesma legislação, ano a ano poderiam concorrer e aproximar-se mais 20 ou 30 km das suas casas, diminuindo gradualmente despesas e abatendo alguns pontos percentuais ao desgaste emocional e à instabilidade de quem vive assim ano a ano qual saltimbanco de mala às costas.
Mas chegou outro governo e também ele queria chancela própria no concurso de professores e alterou tudo. O diploma legal passou a dizer que agora estes professores mais antigos na carreira e com maior graduação profissional poderiam legalmente — é, de facto, uma vergonha — ser ultrapassados por outros mais recentemente chegados à carreira e com menor graduação profissional nesta luta anual de aproximação à residência. E, apesar dos protestos dos professores e da quase unanimidade dos sindicatos, tudo continua na mesma.
E, mais uma vez, o actual Governo do Partido Socialista se propõe criar um novo diploma, depois da última alteração já ocorrida este ano, e já tornou públicas algumas vontades, que continuarão a ignorar o que de mais importante esta legislação deveria consagrar, que é a estabilidade do corpo docente das escolas, compatibilizando a gestão do sistema com os direitos dos professores a uma vida onde família e residência comum não se transformem em impossibilidades permanentes.
Até o Primeiro-Ministro afirma a necessidade da estabilidade do corpo docente, mas, perante a ausência de medidas, optou pelo mais fácil.
Não é hora de discutir tecnicamente a solução, que, na minha opinião, é má, por isso vamos à substância. O Governo propõe um corpo docente fixado à força, durante três ou quatro anos, mas não pensou nas consequências da medida. Ora, a concretizar-se esta medida, os professores sobre os quais hoje falamos terão a sua situação ainda mais agravada, pois ficarão impedidos, durante três ou quatro anos, de concorrer anualmente e de se aproximarem da sua família.
Mas esta questão é de somenos importância para o actual Governo, importante é criar uma falsa ideia de estabilidade profissional, à custa do enorme sofrimento pessoal, importante é fazer passar a mensagem de que agora não se muda de casa nem se deixa a família por um ano na expectativa de aproximação no ano seguinte, mas muda-se e deixa-se a família por três ou por quatro anos.
Mas qual é, Srs. Deputados, a verdadeira razão desta caminhada inglória de milhares de homens e de mulheres que querem ser professores?
É a recusa dos governos de abrir vagas nos quadros de escola de acordo com as necessidades reais e permanentes dessas escolas. Esta é a verdadeira razão por que milhares de professores são obrigados pelos diferentes governos do PSD/CDS-PP e do PS a percorrer o País de lés a lés sem respeito algum por direitos consagrados constitucionalmente, na Lei de Bases do Sistema Educativo e no Estatuto da Carreira Docente.