Senhor Presidente,
Senhores Deputados,
A declaração de ontem da Ministra da Educação é o último capítulo da trapalhada em que os Governos PSD/CDS-PP envolveram este processo. Há muitos meses que se vêm acumulando atrasos, erros, compromissos de datas nunca cumpridos, numa instabilidade permanente para dezenas de milhares de professores, para centenas de milhares de estudantes e famílias, que merecem a nossa solidariedade.
A situação criada pelo Governo tornou a abertura do ano lectivo num caos nunca visto depois do 25 de Abril e terá evidentemente consequências em todo o ano lectivo. É mais um grave episódio de uma política de ataque à escola pública, que sofre novamente as consequências da acção de um Governo que a despreza e a quer enfraquecer.
Ontem quase todos reconheceram que a solução adoptada pelo Governo era a única possível, mesmo parecendo absurdo recorrer ao processamento manual nos dias de hoje, por ser o único processo que efectivamente garante a conclusão do concurso.
Mas sendo assim é legítimo perguntar se esta decisão não se impunha há várias semanas atrás, quando já era claro que não eram fiáveis as sucessivas garantias de resolução do problema, que terão sido dadas pela empresa responsável pela elaboração do programa informático.
Um Governo que sabia que se vinham acumulando há meses falhas na solução contratada e que mesmo assim não se certificou da sua validade e nem sequer procurou encontrar alternativas só pode qualificar-se como um Governo irresponsável e incompetente.
Este gravíssimo exemplo do concurso de colocação de professores ilustra bem o desastre das políticas de privatização das funções do Estado. Em vez de garantir a capacidade da estrutura do próprio Ministério da Educação para levar a cabo esta importante tarefa, a obsessão privatizadora levou a que o Governo entregasse o processo a uma empresa privada. Com isso o Governo colocou-se completamente nas mãos desta empresa no que diz respeito ao programa informático, que não tinha capacidade para controlar e em relação ao qual não tinha qualquer alternativa. Está bem à vista o resultado da política do Governo para a administração pública e para as funções do Estado, de que este caso constitui um exemplo paradigmático.
Neste momento importa sem dúvida reunir o mais depressa possível as condições adequadas para a abertura do ano lectivo. Importa ponderar as medidas necessárias para atenuar os efeitos do atraso do seu início em todo o ano lectivo, no percurso escolar dos estudantes e no funcionamento das escolas.
Por isso, ao propormos a realização de um inquérito parlamentar sobre este processo de colocação de professores, afirmamos desde já que ele só deve iniciar-se depois de iniciado de facto o ano lectivo, para que todos os esforços se concentrem até lá neste objectivo.
Mas esta situação exige um profundo apuramento das responsabilidades técnicas e políticas e das razões que conduziram a este inaceitável descalabro.
Quem sinceramente queira apurar até às últimas consequências as responsabilidades neste processo não pode recusar a realização deste inquérito parlamentar. Por isso são preocupantes as declarações do Deputado Guilherme Silva quando diz que é preferível que o Governo tome providências para o apuramento de responsabilidades. Mas a verdade é que não bastam as providências tomadas pelo Governo em causa própria. Diz também que um inquérito parlamentar seria inevitavelmente politizado. Certamente no decurso de um inquérito parlamentar haverá opiniões divergentes e outras convergentes sobre o objecto do inquérito, mas isso faz parte da vida democrática.
Sr. Deputado Guilherme Silva, um inquérito parlamentar é um importante instrumento da fiscalização política do Governo pela Assembleia da República, que é um pilar fundamental do nosso sistema democrático. O Governo pode e deve nomear uma entidade independente para apurar responsabilidades, sobretudo no plano administrativo, mas isso não colide com a realização de um inquérito parlamentar.
Por isso o desafio que aqui deixamos é que todas as bancadas e em especial a maioria parlamentar aceitem democraticamente a realização de um inquérito que é indispensável para encontrar os erros e as responsabilidades neste processo.
Dirijo-me também ao Sr. Presidente da Assembleia para lhe dizer que conhecemos as suas reservas em relação ao actual regime das comissões de inquérito parlamentar, que aliás já tomámos a iniciativa de alterar, mas não podemos aceitar que isso passe a significar qualquer amputação das competências de fiscalização política da Assembleia da República. Isso seria uma grave auto limitação da intervenção do Parlamento, que, em nossa opinião, não pode ter o aval do seu Presidente.
Este inquérito parlamentar impõe-se porque há muitas questões sem resposta: que medidas foram tomadas ou não ao longo destes meses na estrutura do Ministério de forma a garantir o acompanhamento da colocação de professores; como se justifica a entrega do processo de colocação dos professores a uma empresa privada, que garantias havia da sua capacidade, que processo foi utilizado na sua escolha, existem ou não mecanismos sancionatórios para as sucessivas falhas desta empresa que até agora não mereceu qualquer reparo do Governo; depois dos primeiros erros detectados que medidas foram tomadas para os resolver, porque não se concluiu mais cedo pela inoperacionalidade do sistema, etc., etc.
O que não pode vingar é a teoria de que o anterior Governo não pode ser responsabilizado porque já não está em funções e de que o actual também não pode porque só está em funções há dois meses. Ninguém afinal seria responsável. Mas independentemente de responsabilidades mais individualizadas, o que está claro é que este processo é filho da maioria de direita e dos seus dois governos e não pode agora por ela ser enjeitado.
Se o Primeiro-ministro está a pensar resolver o problema da responsabilização política demitindo a actual Ministra da Educação após a conclusão do processo, desde já lhe dizemos que isso não é suficiente. Que independentemente das mais que prováveis responsabilidades da actual equipa do Ministério da Educação por não ter sabido encontrar uma solução para o problema que estava criado, há outros responsáveis. É responsável o Governo anterior pela situação que criou ao escolher este processo, apesar dos sucessivos alertas de diversos agentes educativos. E é responsável o próprio Primeiro-Ministro, que curiosamente ontem desapareceu do mapa e, ao contrário de outros momentos em que até dizia receber telefonemas hora a hora com o ponto da situação, só esteve disponível para falar do que já estava concretizado e ameaçar a Ministra da Educação com a sua responsabilização política se as aulas não abrissem na data marcada. O Primeiro-ministro e o Governo são inteiramente responsáveis por esta situação. Aliás na sua primeira reunião em 19 de Julho o Governo definiu a questão da abertura do ano lectivo como uma das primeiras prioridades. Pelos vistos o Governo nem as suas primeiras prioridades é capaz de concretizar.
Os alunos, os professores, os pais e todos os portugueses têm direito ao escrutínio público e plural que só uma Comissão de Inquérito na Assembleia da República está em condições de garantir. A grave situação a que o país assiste torna a realização deste inquérito parlamentar uma exigência democrática e de transparência a que ninguém se pode furtar.
Disse.
(...)
Sr. Presidente,
agradeço aos Srs. Deputados que quiseram colocar-
me questões.
Começando por responder ao Sr. Deputado Francisco Madeira Lopes, é evidente que a Sr.ª Ministra devia ter vindo, hoje, prestar esclarecimentos sobre esta matéria — e, depois do que se passou ontem, estava em bom tempo de o fazer — e é verdade que não há qualquer garantia de que esta empresa e este processo possam funcionar no futuro, designadamente para o processo de colocação de professores que terá início no começo de 2005.
Quero também dizer ao Sr. Deputado Augusto Santos Silva que, evidentemente, tem de haver uma
grande preocupação com o que se vai passar no próximo ano. É que o que vimos foi que, no final de
Setembro, o Ministério concluiu que o processo que tinha em mãos não tinha condições para funcionar.
E não sabemos como é que, daqui a três meses, vai arranjar outro processo viável, para
começar o novo processo. Nem sabemos como é que agora esta solução, que parece ser a única possível
(não posso dizê-lo de outra maneira), de tratar manualmente o processo, vai ser escrutinada — no mínimo,
ela tem de ser escrutinada publicamente nos métodos e nos critérios que vão ser utilizados, tornandoos
do conhecimento de todos, para que, se for caso disso, todos possam questioná-los.
Os Srs. Deputados Guilherme Silva e João Pinho de Almeida colocaram outro tipo de questões, a que
gostaria também de responder.
Em primeiro lugar, quero dizer-vos, como já afirmámos na nossa intervenção, que este inquérito parlamentar,
em nossa opinião, «só deve iniciar-se depois de iniciado de facto o ano lectivo, para que todos
os esforços se concentrem até lá nesse objectivo».
É evidente que essa é a prioridade.
Agora, há aqui duas questões completamente diferentes: uma é resolver o problema que o Governo
tem em mãos — e isso deve ser feito o mais rapidamente possível e com todas as condições; outra é apurar
as responsabilidades pelo que se passou.
Pergunta o Sr. Deputado João Pinho de Almeida o que irá resolver, no que diz respeito às famílias, o
inquérito que agora propomos. Ó Sr. Deputado, quando há um homicídio, o processo judicial e o inquérito
que, depois, se lhe seguem não vão devolver a vida a quem foi assassinado, mas são necessários! E,
neste caso, Sr. Deputado João Almeida, o nosso inquérito parlamentar não vai devolver aos professores,
aos estudantes e às famílias os direitos que foram postos em causa com este processo que o Governo tão
mal conduziu. Isso não vai, mas pode garantir que as responsabilidades sejam apuradas e que os próximos
processos não padeçam dos mesmos erros que este padeceu.
Sr. Deputado Guilherme Silva, esta questão não pode resolver-se apenas com um inquérito de uma
entidade independente nomeada pelo Governo, ela tem também uma parte de responsabilização política.
O Sr. Deputado Guilherme Silva acertou em algumas coisas. Acertou, quando disse
que, primeiro, era preciso resolver o problema da colocação dos professores — como já lhe disse, estamos
de acordo com isso. Acertou, quando disse que não há problemas de obras em curso. Só que isso tem
uma explicação muito simples: é que, este ano, não houve dinheiro para fazer obras nas escolas deste
país. Ora, não tendo havido dinheiro para realizá-las, não pode haver obras em curso.
Risos do PCP.
O Sr. Jorge Nuno Sá (PSD): — Não sabe do que está a falar!
O Orador: — Agora, falhou na questão da solução do inquérito, Sr. Deputado. É que o Sr. Deputado
Guilherme Silva, como não quer que este e o anterior governos sejam submetidos ao escrutínio público e
à diversidade de opiniões sobre a forma como conduziram o processo, cataloga tudo como chicana política.
No entanto, devo dizer-lhe que, ao contrário do que a sua bancada possa pensar, há uma grande diferença
entre diferença de opiniões e chicana política.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): — É isso mesmo!O Orador: — E o que estamos aqui a discutir é se esta Assembleia tem ou não a capacidade e o dever
de fiscalizar a actuação do Governo numa matéria desta gravidade.
Vozes do PCP: — Nem mais!
O Orador: — Acho que tem! E o Sr. Deputado também devia achar, porque isso é que prestigiaria a
sua bancada, a Assembleia da República e a democracia portuguesa.
Isenção, Sr. Deputado Guilherme Silva, não é unanimismo de opiniões! Isenção é, nesta Assembleia
da República, podermos constituir uma comissão de inquérito, em que, de resto, os Deputados da maioria
até seriam em maior número, como o Sr. Deputado bem sabe, e podermos nessa comissão ouvir todas as
pessoas que participaram neste processo e apurar todas as responsabilidades.
É que, Sr. Deputado Guilherme Silva, os portugueses, neste momento, perante a gravidade da situação
que está criada com a abertura do ano lectivo e com o processo de colocação dos professores, interrogamse:
se isto não justifica um inquérito parlamentar, então, o que é que justifica? Para os senhores, provavelmente
nada, porque a vossa intenção é absolver imediatamente o Governo. Mas nós não estamos de
acordo com essa absolvição injusta, prematura e que não responde às necessidades que temos de esclarecimento
democrático da situação em que o Governo colocou o processo de colocação dos professores, em
Portugal.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.