Estatuto do bolseiro de investigação
Intervenção de Luísa Mesquita
30 de Março 2004
Senhor Presidente
Senhoras Deputadas
Senhores Deputados,
O Projecto de Lei que apreciamos tem como objectivo primeiro dignificar a condição de bolseiro de investigação.
Hoje, a quase totalidade dos jovens investigadores está obrigada a procurar de bolsa em bolsa um trabalho migrante na economia da alta tecnologia contemporânea.
Hoje, a maioria dos bolseiros, quadros altamente qualificados é remunerada por uma bolsa não actualizada há 2 anos e não tem acesso a direitos e regalias consagradas constitucionalmente.
Por isso, tem vindo a decrescer perigosamente o número de jovens que procura as actividades de I&D como uma perspectiva de carreira.
No entanto, é inquestionável que a ciência e tecnologia são áreas fundamentais e estratégicas para o desenvolvimento do país.
A investigação científica, o desenvolvimento tecnológico e a inovação são, cada vez mais, factores de progresso económico, social e cultural.
Contudo Portugal comparativamente com os seus parceiros europeus, possui ainda indicadores muito baixos quer no que se refere à despesa em investigação e desenvolvimento, quer relativamente aos recursos humanos.
Quanto ao insuficiente esforço financeiro do país em investimento nas áreas de I&D as consequências são visíveis, tanto no sector público, como no sector privado.
E não é por falta de avaliações, diagnósticos e conhecimento da realidade.
As derradeiras avaliações externas sustentavam
como intervenções prioritárias no sector público
– Laboratórios de Estado e outras instituições de
I&D:
• - o reforço da autonomia das instituições;
• - a urgência do rejuvenescimento dos recursos humanos;
• - a clarificação dos respectivos estatutos do pessoal
em funções;
• - a introdução de formas contratuais adaptadas às
funções a desempenhar;
• o descongelamento progressivo de novas admissões para os quadros
de pessoal.
Apesar da importância das recomendações propostas, as opções
políticas que têm vindo a ser concretizadas são exactamente
no sentido contrário.
Por isso ou se retrocede na aplicação das medidas tomadas ou o sistema público de I&D, adequado às necessidades de um país no século XXI estará grandemente comprometido.
Justifica-se recordar que no Programa Operacional Ciência, Tecnologia, Inovação 2000-2006, a fragilidade institucional do vínculo de muitos investigadores é considerada como uma das causas da debilidade crónica do sistema nacional de ciência e tecnologia.
É neste sentido que o nosso projecto pretende ser um contributo sério para a discussão.
A senhora Ministra da Ciência e do Ensino Superior afirmou
aqui em Fevereiro que:
“ O contributo de Portugal para que a União Europeia atinja os
objectivos dos 3% do PIB, passa por alcançar 75.000 trabalhadores em
I&D, o que equivale a 50.000 investigadores. Neste momento temos 22.000
trabalhadores de I&D, o que significa (que nos falta) 53.000 novos trabalhadores
em I&D o que corresponderia a mais 35.000 investigadores sem contar com
a substituição dos actuais investigadores, que, por reforma, saíram
do sistema”.
E acrescentava
“ A par da formação de novos investigadores, temos de criar
as condições de emprego científico para os investigadores
que se vão formando”.
É exactamente com o objectivo de melhorar o sistema
científico e tecnológico nacional, para que ele possa responder
aos desafios do desenvolvimento, que apresentamos o nosso projecto.
Vejamos se para além das repetidas intenções, o governo
e a maioria fazem o que dizem querer fazer.
As nossas propostas pretendem dignificar as condições laborais de uma grande maioria dos recursos humanos existentes nesta área, os bolseiros de investigação.
Não se sabe quantos são.
Só se sabe que são milhares.
Só se sabe que asseguram actividades de investigação científica,
de desenvolvimento experimental e tecnológico, de docência, de
prestação de serviços que requerem uma mão de obra
qualificada.
Dizem alguns responsáveis que os bolseiros realizam cerca de 70% das actividades de I&D existente no país.
Diz o Presidente da Fundação para a Ciência
e Tecnologia que “Eles têm razão quando dizem que a produção
científica nacional está baseada nos bolseiros”.
E disse também a Sra. Ministra, recentemente, a propósito dos
bolseiros de investigação que:
“Temos que criar um estatuto que permita ser cientista em Portugal e não
ter problemas em alugar ou comprar casa como acontece aos bolseiros. Aliás,
temos que olhar também para o regime dos bolseiros e alterá-lo
para o melhorar. Por outro lado, muitos são já cientistas mas
mantêm-se bolseiros porque não têm para onde ir. É
preciso resolver o problema”.
Nós também consideramos que é preciso, é urgente dignificar o trabalho do bolseiro de investigação e por isso apresentámos o projecto agora em apreciação.
O actual Estatuto do Bolseiro de Investigação Científica apesar de ter respondido, pontualmente, a algumas questões, ajudou também a cimentar a institucionalização de uma nova forma de trabalho precário, onde os direitos e as regalias sociais fundamentais primam pela ausência.
Consideramos que a figura do bolseiro de investigação deverá possuir uma identidade própria, devendo, no entanto, ser-lhe reconhecido o trabalho desenvolvido.
Os objectivos do nosso texto são três:
1. Dignificar a condição do bolseiro de investigação.
Não obstante o bolseiro se encontrar em formação, esta
faz-se mediante o cumprimento de um plano de trabalhos, previamente elaborado,
aprovado pela instituição financiadora (que pode ser uma ou mais
instituições) e enquadrado no programa de actividades de uma instituição
de acolhimento, pelo que o bolseiro realiza efectivamente trabalho, trabalho
esse que é produtivo e deverá ser reconhecido.
2. Impedir a utilização abusiva de bolseiros para satisfação de necessidades permanentes das instituições de I&D em substituição de trabalhadores permanentes, bem como para o desempenho de actividades que, ainda que de carácter temporário, pela sua natureza e conteúdo, pressuponham a existência de um efectivo contrato de trabalho e não de um contrato de bolsa.
3. Promover a criação de emprego científico e a natural e desejável inserção profissional dos bolseiros de investigação científica, uma vez terminado o período de duração da bolsa.
No cumprimento destes três objectivos o nosso projecto
confere ao bolseiro de investigação, entre outros, os seguintes
direitos:
O direito efectivo à segurança social.
Os bolseiros de investigação são equiparados aos trabalhadores da administração pública, nos domínios da segurança social e regime de protecção social, após regulamentação dos seus aspectos específicos.
Em situações como, paternidade, adopção
assistência a menores doentes e a deficientes, ou doença do próprio
bolseiro a solução actual passa pela suspensão da bolsa
por igual período de impedimento.
No momento em que mais precisaria, é-lhe negado o apoio social.
Nesta matéria gostaria de esclarecer a Assembleia que muitas entidades financiadoras das bolsas se recusam a assumir os encargos perante a segurança social, apesar das poucas regalias que advêm da adesão ao seguro social voluntário, actualmente em vigor.
O direito a férias. O que acontece hoje é que muitos bolseiros são impedidos de usufruir desse direito (quer na totalidade, quer em parte) por determinação das instituições que os acolhem. No entanto e simultaneamente ficam sujeitos a um horário fixo, idêntico a qualquer outro trabalhador da instituição de acolhimento.
O direito à indexação do montante e da actualização da bolsa às remunerações mensais líquidas dos trabalhadores das carreiras Técnica, Técnica Superior ou de Investigação, de acordo com a especificidade da bolsa e as habilitações do bolseiro.
Neste momento as bolsas mantêm-se sem qualquer actualização
desde 2002.
Nem a maioria dos bolseiros com bolsas inferiores a 1000 euros tiveram qualquer
actualização.
Nem o critério adoptado para os aumentos salariais da Função
Pública teve aqui qualquer efeito.
Inclusivamente, este ano, houve, em algumas instituições, mesmo diminuição significativa dos montantes das bolsas de investigação atribuídas.
É por exemplo a situação dos bolseiros
do INETI que são mais de uma centena.
Mas também os frequentes atrasos no pagamento, criam inúmeras
dificuldades na vida de um bolseiro.
O IPIMAR deixou dezenas de bolseiros, pelo menos cinco meses, sem receber a
bolsa a que tinham direito.
Também por estas razões as instituições bancárias se recusam a conceder créditos a bolseiros, nomeadamente no que se refere à compra de habitação.
O direito aos subsídios de férias, de Natal e
de refeição nos mesmos termos dos trabalhadores da Administração
Pública.
O direito à integração no quadro de pessoal da respectiva
instituição de acolhimento ou à formulação
de um contrato de trabalho sempre que o bolseiro se encontre a responder a necessidades
permanentes do sistema.
Estas são algumas das propostas para as quais pedimos a atenção dos senhores e senhoras deputadas.
Estamos disponíveis para, em sede de especialidade, acolher todos os contributos que possam melhorar e dignificar o emprego científico em Portugal.
Pretendemos com o nosso projecto dizer aos jovens portugueses que é possível ficar em Portugal, que é necessário ficar em Portugal sem pôr em causa a sua qualificação, valorizando o seu trabalho e apostando no indispensável desenvolvimento do país com mais e melhor emprego científico.
Disse.