Declaração política sobre educação sexual nas escolas
Intervenção de Luísa Mesquita
11 de Fevereiro de 2004

 

Senhor Presidente,
Senhoras Deputadas,
Senhores Deputados,

Já sabíamos que a Senhora Secretária de Estado da Educação batia o recorde das barbaridades científicas e pedagógicas quando vinha ao parlamento.

Talvez por isso o Governo optou ora pelo seu silêncio ora pela sua ausência.

Mas a estratégia falhou.

Agora o país e sobretudo os jovens passaram a saber quem toma decisões e como as toma na área da educação.

Aqueles de nós que frequentaram os ensinos básico e secundário antes do 25 de Abril reviveram, de certo, ao lerem a entrevista da Senhora Secretária de Estado, a um órgão da comunicação social, o pesadelo do obscurantismo e da barbárie da desinformação de que fomos alvo.

Hoje, a escassos dias da comemoração dos 30 anos de regime democrático, esta Senhora governante, militante do Partido Popular, com responsabilidades na área educativa reproduz um discurso que apela aos mais primários comportamentos de risco para a saúde pública dos jovens, que faz jus ao retrocesso científico e que do processo de ensino aprendizagem que a humanidade tem produzido ao longo dos séculos, faz tábua rasa.

É pouco, muito pouco mesmo, afirmar que a senhora é só conservadora ou retrógrada. A Senhora Secretária de Estado é muito mais que isso.

Já sabíamos que não gostava dos professores que defendiam a informação científica, em matéria de saúde reprodutiva, aos jovens portugueses.

Já sabíamos que não gostava que as crianças e os jovens com necessidades educativas especiais tivessem direito a integrar uma escola pública para todos e com apoios pedagógicos e técnicos especiais.

Já sabíamos que prefere ver as crianças em instituições. Que prefere a exclusão à inclusão. Que, naturalmente, não teria assinado a Declaração de Salamanca.

Já sabíamos que suspeita da idoneidade dos professores portugueses.

Já sabíamos que se fosse sozinha a mandar obrigaria todas as crianças e jovens a frequentar a educação moral e religiosa, até porque a Senhora Secretária de Estado ainda pensa que há religião oficial em Portugal.

Ficámos agora a saber que se ela “quisesse não havia educação sexual” nas escolas portuguesas.

E foi exactamente isso que aconteceu desde Abril de 2002, porque o governo também quis.

Esta Sra. Secretária de Estado, com a cumplicidade do Sr. Ministro e do Governo, destruíu todo o trabalho que estava no terreno, sobretudo nas escolas e fechou a sete chaves esta matéria tão complexa para os seus sentidos.

Reduziu as verbas que vinham a ser disponibilizadas para a Associação de Planeamento Familiar que, há décadas, produzia um trabalho reconhecido nacional e internacionalmente nesta área, junto de diversos públicos – alvo.

Impediu qualquer articulação entre os intervenientes para avaliação e reflexão do trabalho que era imprescindível realizar e que a legislação em vigor obrigava.

Destruíu, por esvaziamento, a Comissão de Coordenação para a Promoção e Educação para a Saúde.

E assume com toda a naturalidade de quem não sabe do que está a falar, que a lei aprovada há 20 anos e reforçada há cinco está a ser cumprida.

A verdade é que nestes últimos 20 anos se negou a sucessivas gerações de jovens portugueses a formação e informação sobre as questões da sexualidade.

Optou-se pela política da negação do esclarecimento.

Temos a mais alta taxa de sida da União Europeia e a segunda mais alta percentagem de gravidez na adolescência.

Mas estas informações têm excessivo rigor científico e modernidade para a Sra. Secretária de Estado e não lhe causam qualquer incómodo.

Incomodada sim, ficaria a senhora se, à semelhança do que se faz em outras escolas estrangeiras os jovens aprendessem a utilizar um preservativo e a eles tivessem acesso.

Incomodada ficaria a Senhora Secretária de Estado se a lei fosse cumprida, contra a sua vontade porque, de acordo com o seu ponto de vista “O Estado não tem o direito de impor um modelo de Educação Sexual, como não tem o direito de impor uma religião” e explicita melhor para os mais desatentos, provavelmente alguns parceiros de coligação, que “uma coisa não se pode desligar da outra” – a educação sexual e a religião, naturalmente “a oficial”, sabendo das preferências da Senhora Secretária de Estado.

E diz o Senhor Deputado do PSD que “a educação sexual é uma causa justa” e que “só os burros não aprendem”.

É concerteza um optimismo desmesurado lançado para o seio da coligação.

Mas o que incomoda verdadeiramente a Senhora Secretaria de Estado é que mais uma vez a sociedade portuguesa e sobretudo o julgamento das mulheres em Aveiro tenha colocado na ordem do dia e em cima da mesa do Governo a exigência de discussão da actual legislação relativa à Intervenção Voluntária da Gravidez por inadequada e injusta porque a Senhora é contra e não se sabe ainda se sobre a matéria, terá delegação de competências e de decisão, ou se fica só como mandatária da educação sexual nas escolas portuguesas.

Claro que não constitui nenhuma surpresa que, ao discutir-se a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez surjam supostamente defensores da educação sexual no meio escolar.

É pouco criativo. É só repetência.

Sempre assim fizeram desde 1984.

De repente emergem como adeptos e militantemente empenhados na informação e formação de uma sexualidade consciente e tão rapidamente como aparecem, e logo que possível, desaparecem, envoltos em nevoeiro e poeira de séculos de ignorância.

Mas Senhoras Deputadas,
Senhores Deputados.

Há uma lei da República.

Para ela contribuímos desde 1984, não ignorando a realidade.

Realidade que não se compadece com hesitações e muito menos com oportunismos, hipocrisia e ignorância.

A mais recente Resolução do Parlamento Europeu sobre direitos em matéria de saúde sexual e reprodutiva recentemente publicada, no que se refere à educação sexual dos adolescentes solicita aos governos dos Estados-Membros que “recorram a diferentes métodos para chegar aos jovens – educação formal e informal, campanhas publicitárias, comercialização social para o uso de preservativos e projectos como serviços confidenciais de ajuda por telefone – e que tenham em conta as necessidade de grupos especiais…” e exorta ainda “os estados-membros a melhorarem e alargarem o acesso dos jovens aos serviços de saúde (centros de jovens de planeamento familiar, nos estabelecimentos de ensino, etc), adequados às suas preferências e necessidades

Senhor Presidente,
Senhoras Deputadas,
Senhores Deputados,

Cumpra-se o diploma em vigor.

Formulem-se políticas nacionais de saúde sexual e reprodutiva de qualidade.

Disponibilizem-se aos jovens portugueses através dos estabelecimentos de ensino, das unidades de saúde toda a informação e formação no âmbito da educação sexual sem discriminações, nem tibiezas puritanas – A saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes e as suas necessidades no que respeita à sexualidade e à reprodução diferem das dos adultos.

O Grupo Parlamentar do PCP está, como sempre esteve disponível para introduzir melhorias na legislação existente até porque, na nossa opinião, ficou-se aquém das necessidades que a realidade diagnosticada exigia.

O PCP está disponível para avaliar a necessidade de adequar a estrutura curricular dos ensinos básico e secundário à exigência e à urgência da informação e da formação das crianças e jovens.

Mas recordamos que em 1984, em 1999 e em 2000 esta matéria foi objecto de legislação própria.

Recordamos também que, desde 1991, existe na estrutura curricular do sistema educativo áreas disciplinares que poderiam ter integrado objectivos de formação integral das crianças e dos jovens portugueses na área da saúde e também da educação sexual.

Lembramos também que, a expensas próprias, muitos docentes procuraram e concretizaram formação nesta área.

Agora o PCP não pactuará com processos de diversão destinados a fazer crer que a consciência de necessidade da formação da educação sexual nas escolas deu à luz recentemente, nas bancadas do PSD, com a ajuda de algum golpe de mágica.

Não pactuará com aqueles que pretendem transformar o Planeamento Familiar e a Educação Sexual como a única resposta à trágica realidade do aborto clandestino e à medieval humilhação das mulheres que a ele recorrem.

Disse.