Senhor Ministro,
Senhor Presidente,
Senhoras Deputadas, Senhores Deputados,
Em política educativa a prioridade única deste governo é
a produção apressada, contraditória e em série de
legislação.
Numa área como a educação, teria sido imprescindível optar por uma metodologia que tivesse sentado à mesma mesa os diferentes interlocutores que conhecem o sistema, as suas necessidades e potencialidades como ninguém.
Mas o Governo e o Senhor Ministro preferem o confronto.
Há ano e meio que o Senhor Ministro assumiu a tutela da Ciência e do Ensino Superior e as opções políticas até hoje postas em prática não responderam à necessária melhoria da qualidade destes sectores e do seu desenvolvimento sustentado.
Uma única e cega decisão determina toda a legislação produzida: a redução dos recursos financeiros para o ensino superior público e para a investigação e a ciência.
E nesta cegueira progressiva e em nome de uma patética e falaciosa contenção financeira, o governo aproveita para propor o empobrecimento de todo o edifício da gestão democrática existente no ensino superior público; aproveita para financiar o ensino superior privado à custa do sub-financiamento do sector público; aproveita para fomentar o despedimento de quadros qualificados, docentes e investigadores; aproveita para aprofundar as desigualdades sociais no acesso ao ensino superior público.
E tudo isto apesar de possuirmos a mais baixa taxa de diplomação da União Europeia.
E tudo isto apesar de procurarmos na vizinha Espanha os recursos humanos indispensáveis ao funcionamento do sector da saúde.
E tudo isto apesar de os candidatos ao ensino superior público não terem acesso à formação que legitimamente pretendem mas àquela que a aberração administrativa do numerus clausus obriga.
O governo e particularmente a tutela, tudo têm feito
para agravar as dificuldades e aprofundar as insuficiências em recursos
técnicos e qualificados indispensáveis à soberania do país.
Senhor Ministro,
Senhor Presidente,
Senhoras Deputadas, Senhores Deputados,
Se iniciámos a nossa intervenção por uma avaliação global deste sub-sistema é porque defendemos a sua função estratégica para o país. E porque a proposta de lei que o governo submete à apreciação desta Assembleia se enquadra em pressupostos, que, mais uma vez, não preconizam uma melhor qualidade para a gestão das instituições de ensino superior.
É positivo e desejável que a autonomia das instituições de ensino superior possa ser objecto de uma abordagem global e que este entendimento seja sustentado por um reforço dos mecanismos de prestação de contas.
Autonomia, qualidade e responsabilidade deverão conjugar-se para viabilizar um modelo de gestão democrático e não autoritário.
O Governo optou pelo segundo.
O articulado suscita inúmeras dúvidas mas é
claro quanto a esta opção.
O Conselho Nacional de Educação no seu parecer afirma que na proposta
do governo “não se faz menção da participação
de funcionários em geral nos órgãos do governo.
Dado o seu importante papel nas instituições entende-se que devem
participar activamente na sua gestão” e acrescenta “Defende-se
a participação dos estudantes nos órgãos de governo
das escolas, como parte do seu processo formativo e interventivo”.
O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas a propósito deste processo legislativo em série considera que “A metodologia seguida tem privilegiado a análise casuística dos vários aspectos do ensino superior, não tendo havido a explicitude do modelo de desenvolvimento do ensino superior nem do seu papel no desenvolvimento da sociedade portuguesa”.
E acrescenta relativamente à iniciativa do governo sobre Autonomia, que, em devido tempo, apresentou uma proposta ao Senhor Ministro.
Analisando os dois textos, conclui-se que, em nome do diálogo e da participação democrática as sugestões do Conselho de Reitores não foram consideradas.
O Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos diz da iniciativa governamental que “A autonomia implica responsabilidade e a responsabilidade exige a autonomia.
Se os dois princípios (…) não forem respeitados – o primeiro pelas instituições e o segundo pelo estado – o sistema permanecerá instável”. E relativamente ao governo das instituições acrescenta que o texto é “um retrocesso relativamente ao modelo mais aberto e representativo que vigora”.
Em Portugal, o governo das instituições públicas de ensino superior é enquadrado pela Lei nº 108 de 1988 (Lei de Autonomia das Universidades) e pela Lei nº 54 de 1990 (Estatuto e Autonomia dos Estabelecimentos de Ensino Superior Politécnico), ambas aprovadas por unanimidade nesta casa.
Nas universidades a forma de governo é marcada pelo carácter colegial e pela democraticidade, com participação de alunos, docentes e outros funcionários e pela eleição como forma de legitimação do uso do poder, sendo a presença de representantes da sociedade apenas facultativa.
Nas instituições politécnicas a autonomia foi muito contida e a ideia de maior ligação à situação industrial e económica do país e à região tornou obrigatória a participação de representantes externos na eleição do seu Presidente e no Conselho Geral, sendo facultativa nos Conselhos Científicos.
Nos termos da Constituição, as Universidades gozam de autonomia, protecção que nunca foi alargada aos Institutos Politécnicos.
A Lei actual da Autonomia das Universidades consagra as autonomias estatutária, científica, pedagógica, administrativa, financeira e disciplinar e define o património das Universidades.
A actual Lei de Autonomia dos Politécnicos omite as autonomias científica e pedagógica, remetendo para a tutela a aprovação da criação, da suspensão e da extinção de cursos.
A Lei relativa ao Regime Jurídico do Desenvolvimento e da Qualidade do Ensino Superior já determina alguma restrição às actuais leis, ao consagrar a formalização de um sistema de acreditação dos cursos e medidas de racionalização que poderão determinar o cancelamento do financiamento ou a não atribuição de vagas a cursos com procura mais reduzida.
A proposta de lei que hoje apreciamos visa sobretudo inviabilizar
a gestão participada das instituições, optando pela concentração
de poderes em órgãos unipessoais – Reitores, Presidentes
dos Institutos e Directores de escola.
Prevê-se a obrigatoriedade de todas as escolas terem um director a quem
são atribuídos todos os poderes hoje cometidos aos Conselhos Directivos.
Os Conselhos Directivos podem ser criados mas serão desprovidos de poderes que serão imputados à figura do director.
Não está prevista a existência obrigatória de órgãos colegiais, que permitam o acompanhamento e fiscalização da actividade dos órgãos unipessoais.
O Reitor e o Presidente do Instituto Politécnico podem ser docentes da instituição ou não, podem ser professores ou outra coisa qualquer, e serão “designados” no primeiro caso e “seleccionados” no segundo, o que indicia que podem nem sequer ser eleitos.
A proposta estabelece que as assembleias eleitorais serão compostas por uma maioria de 60% de professores e investigadores doutorados nas universidades, mas relativamente aos Institutos Politécnicos não prevê a existência de investigadores, o que demonstra a aposta continuada em desvalorizar e descriminar negativamente a formação politécnica.
Os estudantes, os funcionários não-docentes e outros docentes e investigadores, excluídos da quota de 60% das assembleias eleitorais, não são objecto de qualquer referência ou participação.
O cenário proposto pelo governo possibilita que a participação da comunidade académica se limita aos conselhos científico e pedagógico, não tendo os funcionários não-docentes qualquer participação obrigatória e os alunos apenas participam nos concelhos pedagógicos.
Entretanto, esta presença mitigada dos estudantes no conselho pedagógico é antecedida de uma drástica redução de competências deste órgão.
Ainda no âmbito da governação é possível a constituição de comissões permanentes nos Concelhos Científicos com o único objectivo de concentrar poderes e decisões.
Outros exemplos poderiam ser enunciados mas deixamos essa extensão para a especialidade.
Hoje é exigível que o Senhor Ministro sustente
as suas opções e esclareça se o regime de governação
democrática existente nas instituições de Ensino Superior
Público é o alvo a abater e porquê.
É desejável também que informe esta Assembleia se as dificuldades
no exercício das autonomias consagradas pela Constituição
e por leis da República são exclusivamente da responsabilidade
das instituições ou são sobretudo inerentes à insuficiente
gestão orçamental que decorre do Orçamento de Estado, à
ausência de medidas na área da sempre adiada modernização
da administração pública e às opções
políticas.
Finalmente o Senhor Ministro deve esclarecer se pretende transformar as Universidades e os Institutos Politécnicos em empresas dominadas por um musculado e divinizado conselho de administração que propõe, nomeia, designa, relembrando velhos modelos, que hoje não terão direito de admissão nas instituições democráticas.
Disse.