Declaração política sobre a política de educação
Intervenção da Deputada Luísa Mesquita
6 de Fevereiro de 2003

 

Senhor Presidente
Senhoras Deputadas
Senhores Deputados

Este governo não quer a qualificação dos portugueses, nem o desenvolvimento do país.

A coligação PSD/CDS tomou posse há quase um ano e após os dramas e as tragédias financeiras postas em cena, a máscara caíu.

Ao reino da educação devem chegar os eleitos.
Para a grande maioria dos portugueses oferece-se a ignorância e o reino dos infernos.

A lei é a do mercado e portanto quem quer educação e formação que a pague.

As medidas aí estão.

Por um lado a cega visão economicista da redução dos custos.

Encerram-se escolas.
Extinguem-se cursos.
Cativam-se verbas.
Reduzem-se orçamentos.

Por outro, o agravamento da desigualdade e a sustentação da selectividade.

• Produzem-se rankings de escolas sem sustentabilidade científica nem pedagógica.
• Semeiam-se exames, impedindo o acesso a outros níveis do sistema
• Transformam-se os alunos em produtos “bem comportados” a fornecer ao mercado.
• Formulam-se notas de suspeição, relativamente à ética e à qualificação profissional e académica dos professores.
• Afirma-se que o exercício democrático vigente na gestão do sistema é um mal de Abril.
• Considera-se que as responsabilidades financeiras do estado perante o ensino público e o ensino privado são as mesmas.

E o passo seguinte, comunica-se com pompa e circunstância. É preciso combater energicamente o estatismo na educação.

Resumindo, a escola não é para este governo, um bem público, mas apenas e tão só um espaço de compra e venda de saberes.

A Organização Mundial de Comércio dita as ordens e o governo, quão aluno seguidista e acrítico obedece e não tem voz.

Recentemente, no Fórum Mundial da Educação em Porto Alegre, o Ministro da Educação Belga dava notícia que a Organização Mundial do Comércio havia solicitado aos estados membros as suas propostas de privatização da educação até 31 de Março, determinação inaceitável na perspectiva do governo belga.

E o governo português, o que pensa?
Enviar sigilosamente a silenciosamente a sua proposta.
É urgente que o governo informe a Assembleia do que vai fazer.
Se vai atropelar o texto constitucional.
Se vai continuar a pôr em causa o direito à educação e ao ensino;
Se vai ignorar as baixas taxas de sucesso escolar nos diferentes níveis do sistema;
Se vai ignorar as baixas taxas de frequência do Ensino Secundário e do Ensino Superior;
Se vai ignorar as enormes taxas de abandono precoce;
Se vai disfarçar, pela exclusão, o verdadeiro cenário da educação em Portugal.

Naturalmente que para o Organização Mundial do Comércio, os apetites vorazes de privatização do sector constituem a única resposta que interessa ao mercado e aos seus mais dilectos profetas.

Ou será que o programa de estabilidade e crescimento aprovado recentemente nesta Assembleia, com os votos da maioria parlamentar que sustenta o governo e também do partido socialista, é já o primeiro compromisso a enviar à organização Mundial do Comércio?

Valerá a pena recordar o insustentável paradoxo que aqui foi aprovado no que à educação diz respeito.

Define-se como objectivo diminuir o nosso afastamento face aos parceiros europeus, apostando numa educação moderna e com qualidade.

E depois identifica-se a terapia.

No ensino básico e secundário propõem-se sete medidas de poupança que vão desde a diminuição do número de docentes, ao encerramento das escolas, à alienação do património do Estado, à diminuição da oferta do ensino nocturno, ao ranking das escolas e dos professores e à determinação do financiamento em articulação com os resultados e não às necessidades reais do país.

No ensino superior as opções são igualmente desastrosas.
Impõe-se a dependência do ensino superior do sector privado da economia.

Encerram-se cursos, quando a lei da procura não for suficientemente apelativa no mercado.

O Estado desresponsabiliza-se do financiamento do ensino superior e da investigação, empurrando estes sectores para a empresarialização e a procura de receitas próprias.

As medidas tomadas no que à educação, ensino e investigação dizem respeito, andam de mãos dadas com as decisões relativas à segurança social, à saúde ou ao mundo do trabalho.

Não comungamos das reflexões de alguns de que as opções são avulsas, não se articulam e não têm objectivos.

Nada menos verdadeiro.

São medidas elitistas e limitadoras do desenvolvimento do país e ideologicamente comprometidas como uma visão do mundo dominado pelo poder económico.

Temos uma população jovem condenada ao trabalho desqualificado, sujeito às novas e liberalizantes formas de escravatura, sem opção entre educação e trabalho.

Somos, neste momento, o único país da União Europeia que proíbe os jovens trabalhadores, com idades compreendidas entre os 16 e os 18 anos de frequentar o sistema em nome de falaciosas vontades de rigor e transparência, que não têm outro objectivo que não aquele que acabei de referir. Fechar as portas da formação aos jovens mais carenciados, independentemente da sua vontade e do seu sucesso escolar.

De facto, este governo não quer qualificar os portugueses.

Quer sim reproduzir desigualdades, quer sim transformar a escola em local de excelência e de elites.

Por isso o governo preferiu injectar no sistema um conjunto de malfeitorias que determinam o nosso progressivo afastamento dos países desenvolvidos.

E nada ficou de fora.

Na educação pré-escolar, o governo transformou, por despacho, as educadoras de infância em guardas de armazém de crianças, ao confundir intencionalmente a componente educativa com a componente social.

O governo pretendeu vender gato por lebre às famílias.

Desvirtuar os objectivos de educação pré-escolar, desresponsabilizando-se, e responsabilizando o poder local.

Na escolaridade obrigatória, de uma penada, desqualifica o sistema, reduzindo recursos humanos e materiais.

Determinou o encerramento de milhares de escolas, sem medir as nefastas consequências para as crianças e as múltiplas implicações que decorrem duma medida meramente administrativa de formato único.

Os custos e a contenção financeira são opções bastardas de todos os problemas.

Depois vieram as ordens dadas ao aparelho regional para promover a retenção das crianças que faziam 6 anos entre os meses de Setembro e Dezembro.

O pânico reinou nas inúmeras famílias que tinham crianças nascidas nesta data.

O governo roubava-lhes as respostas educativas e formativas, sem nenhuma explicação que não fosse, a redução de mais uns euros e a criação de espaço para soluções privadas.

Entretanto anunciaram-se os rankings das escolas com dois objectivos claros:

• Por um lado garantir às famílias com melhores condições económicas a matrícula dos seus filhos nas escolas melhor classificadas; por outro garantir que as restantes se satisfizessem com “as consideradas piores escolas”, que serão cada vez piores, enquanto as primeiras serão escolas de excelência, porque financiadas exactamente para isso.

Ignoram-se as assimetrias sociais, particularmente as económicas e as culturais, e fomenta-se o fosso entre as diferentes oportunidades de acesso e êxito escolares.

Uma aberrante classificação das escolas que nem sequer é original.

Já surgiu em outros países, ligada às alterações políticas e económicas de meados dos anos 80, quer na Inglaterra (com Tatcher), quer nos Estados Unidos (com Reagan).

Afinal nada de mais retrógrado.

É cópia e é má.

Em seguida, transformaram-se os alunos em bodes expiatórios da violência e da indisciplina nos espaços escolares.

Confundiu-se autoridade com autoritarismo.
Exige-se que a escola encontre antídotos para todas as disfunções sociais.

Afrontam-se os mecanismos democráticos em nome de sábias autoridades individuais.

Agora anuncia-se a reforma do ensino secundário.

Conhecendo-se o insucesso deste degrau de ensino, ninguém de bom senso dúvida da necessidade de uma reforma.

Uma reforma que tenha como objectivo primeiro a universalidade do ensino secundário, dado que dois terços da população activa e adulta se fica pelos 6 anos de escolaridade.

Depois avaliar a distorção que ocorre com a procura sistemática dos cursos gerais, vocacionados para o ensino superior, em detrimento de outras vias.

E finalmente reflectir acerca do sistema de avaliação vigente que trucida cerca de 50% dos poucos jovens que a ele tem acesso.

No entanto a proposta vinda a público é determinada pela contenção financeira e sugere não um ensino secundário para todos mas várias vias de frequência em função da origem social dos alunos.

Finalmente o ensino superior, intencionalmente desarticulado em termos materiais e de substância dos restantes níveis de ensino é alvo, com este governo da maior asfixia financeira de que há memória.

A qualificação dos portugueses e a competitividade do país não são, de facto, parâmetros que balizem as preocupações governamentais no que ao ensino superior diz respeito.

O governo está convencido ou pretende convencer o país que o processo de democratização do ensino superior está concluído e chegou a hora da qualidade.

Ou não conhece os números ou não sabe interpretá-los.

Temos um sistema pouco eficiente.

Temos falta de quadros qualificados.

Temos uma baixíssima taxa de população diplomada.

Temos uma elevada taxa de licenciados desempregados

Temos muito emprego sub-qualificado entre a população detentora de graus académicos, o que evidencia também a incapacidade do tecido produtivo em absorver quadros de elevada formação e apostar em melhores índices de produtividade e competitividade.

A investigação no ensino superior é diminuta.

Os centros de investigação sobrevivem à procura de receitas próprias.

Não há emprego científico.

Não existem quadros de investigadores.

E ao ensino superior exige-se cada vez mais, a capacidade de dar resposta a uma multiplicidade de necessidades, para além das suas competências tradicionais de ensino e atribuição de graus académicos e de realização científica.

E perante este diagnóstico de todos conhecido, o governo propõe o auto-financiamento do ensino superior público, o aumento das propinas, a penalização dos estudantes com menores níveis de sucesso, ou seja um sistema direccionado para eleitos numa evidente afronta aos princípios constitucionais.

Senhor Presidente
Senhoras Deputadas
Senhores Deputados

Estamos perante a maior ofensiva ao ensino público pós 25 de Abril.

Estamos perante um objectivo claro de mercantilização dos saberes, que procura na privatização o economicamente rentável.

Este governo não quer qualificar os portugueses e por isso ataca a escola pública, única que garante a universalidade da frequência e níveis elevados de qualidade, vectores indispensáveis a um desenvolvimento social sustentado e justo do país, capaz de nos retirar, a médio prazo, do topo dos países com maior taxa de população em risco de pobreza da União Europeia.

Disse.