Regime de requalificação pedagógica do 1º ciclo do ensino básico
Intervenção da Deputada Luísa Mesquita
16 de Maio de 2001

 

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,

A matéria que hoje é objecto de discussão - o primeiro ciclo do ensino básico - é provavelmente o melhor teste de aferição às práticas dos diversos governos, quer do PSD, quer do PS, nas últimas décadas.

É na continuada ausência de investimento neste nível do sistema educativo nacional que os responsáveis pela definição da política educativa devem, na nossa opinião, procurar muitas das razões do insucesso e do abandono escolares.

Não obstante o Texto Constitucional e a Lei de Bases do Sistema Educativo definirem nesta área, princípios, direitos e deveres inequívocos, muito continua por fazer, apesar deste nível de ensino ter vindo a manifestar uma acentuada redução do número de alunos, decorrente não só do abaixamento demográfico mas também da persistente migração para os centros urbanos.

Esta situação levou à desertificação e isolamento de grandes áreas do território nacional e ao encerramento de muitas salas de aulas, sobretudo nas zonas do interior do país.

É neste quadro que deveremos avaliar as dificuldades deste nível do sistema educativo.

As condições de trabalho e o equipamento existente determinam a qualidade do processo de ensino-aprendizagem destas crianças.

Os diferentes governos têm vindo a optar de 1984 até hoje pela transferência avulsa e não programada das competências, em matéria educativa, para o Poder Local, sem as necessárias contrapartidas financeiras e sem a avaliação dos recursos dos respectivos municípios.

A partir da primeira experiência de transferência - os transportes e a acção social escolar - as seguintes decorreram, ou sem o acordo da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, ou da imposição de acordos lesivos para as autarquias e não poucas vezes, da pressão de serviços desconcertados do governo para que os Municípios prestassem serviços que não eram da sua responsabilidade.

Hoje, é evidente que a desresponsabilização da administração central, relativamente ao 1º ciclo do ensino básico, teve e continua a ter consequências graves, visíveis na ausência de uma estratégia nacional capaz de superar as assimetrias instaladas.

O investimento minimalista de que tem sido alvo o 1º ciclo do ensino básico, transformou a grande maioria destas escolas em espaços onde reina a penúria..

Entretanto, as medidas avulsas muitas vezes desajustadas às necessidades das escolas têm contribuído para o agravamento da situação.

E hoje, ensina-se e aprende-se, nestes anos de escolaridade, ainda em muitas escolas, como há 3 ou 4 décadas.

A rede escolar, os edifícios, os materiais pedagógicos, a formação de professores, continua à espera de medidas inadiáveis.

O partido socialista, apostando numa lógica economicista do sistema educativo, optou, em 1998, por um modelo de organização e gestão que ditou, mais uma vez, o isolamento, a discriminação e a descaracterização destas escolas.

Recentemente, o Sindicato dos Professores da Região Centro divulgou um estudo sobre as condições de funcionamento das escolas do 1º ciclo do ensino básico da região centro do país, onde afirmava que a escola deste nível de ensino está "completamente desajustada do mundo e da vida neste início do século XXI" e que "uma escola que unicamente conta com os manuais escolares e com a extrema dedicação dos professores não exerce qualquer poder de atracção sobre as crianças."

E acrescentava que "Equipamentos que deviam ser considerados vulgares, (...) são privilégio de poucas escolas, com o recurso sistemático a sorteios, rifas e peditórios diversos."

Como se vê a paixão socialista foi pouca e efémera. Quatro anos foram considerados suficientes para resolver os enormes atrasos estruturais do sistema educativo.

Agora, dizem, é só racionalizar os recursos.
O pior é quando não existem.

Repare-se, por exemplo, neste estudo, suportado por um questionário enviado às escolas.
Responderam 860 escolas do 1º ciclo do ensino básico, que representam 1951 turmas, 1926 salas de aula e 27.931 crianças.

· 495 escolas dizem não possuir nenhum auxiliar de acção educativa. Valerá a pena perguntar quem faz a limpeza das salas, quem acompanha os alunos nos intervalos e na hora do almoço.
· 234 escolas dizem não possuir telefone. E quando ocorre um acidente escolar? Correm à procura do telefone público.
· 746 escolas dizem não possuir qualquer serviço de refeições.
· 26 escolas dizem não possuir qualquer tipo de aquecimento.

Relativamente aos equipamentos, os resultados não são menos preocupantes.
· Cerca de 48% não têm biblioteca.
· Mais de 70% não têm campo de jogos.
· Quase 90% não têm balneários.
· Quase 60% não têm televisão e vídeo.
· 69% não têm computador.
· Mais de 80% não têm ligação à internet.
· Mais de 70% não têm impressora.
· Quase 80% não têm fotocopiadora.
· 94% não têm qualquer material experimental.
· Cerca de 90% não têm instrumentos musicais.
· Cerca de 60% não têm material desportivo.

Não será exagerado afirmar que muitas possuem exactamente o mesmo material há décadas, agora, naturalmente, mais degradado.
Não pretendemos generalizar estes resultados.

Mas também nos recusamos a acreditar que a Região Centro constitua uma excepção.

Justifica-se perguntar ao governo do partido socialista se são estas as escolas do 1º ciclo que o país precisa.

Justifica-se perguntar se o governo está em condições de informar a Assembleia da República e o país das condições de funcionamento das restantes escolas do 1º ciclo do ensino básico.

Justifica-se perguntar qual a avaliação do resultado de algumas medidas anunciadas pelo governo do partido socialista, como por exemplo - o KIT material didáctico distribuído; a entrega de telemóveis às escolas sem informação de quem suportava as despesas; os orçamentos atribuídos às escolas agrupadas e que, de acordo com o decreto-lei 115-A/98, devia dar uma "especial atenção às escolas do 1º ciclo do ensino básico."
Justifica-se perguntar se as alterações propostas pela reforma curricular, imposta pelo PS ao 1º ciclo do ensino básico, estarão efectivamente no terreno em Setembro próximo, como abriga o diploma.

Justifica-se perguntar se o carácter optativo das novidades curriculares, como por exemplo o ensino de línguas estrangeiras, dependentes das condições existentes nas escolas, constituem a aposta do partido socialista na defesa das condições de igualdade, de equidade e de universalização a todas as crianças de todas as medidas que venham a ser tomadas.

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,

É neste cenário de reduzida modernização e humanização da escola primeira, que é suporte fundamental de aprendizagens futuras que se situa o projecto de lei em discussão.

Enuncia algumas medidas, repetidamente anunciadas pelo governo, confessa a sua quota parte de responsabilidade na actual situação e partilha de alguma ausência de clarificação na definição das competências em matéria educativa.

Pela nossa parte, estamos disponíveis para assumir a sua discussão na especialidade, na procura de propostas e soluções que clarifiquem responsabilidades e garantam um melhor funcionamento destas escolas num quadro de desenvolvimento da sua autonomia e identidade própria.

Disse.