Encontro Nacional do PCP de micro, pequenos e médios empresários
Intervenção de Carlos Carvalhas, Secretário-geral do PCP
19 de Janeiro de 2003

Declaração do Encontro

Este nosso Encontro, decorre num quadro de grandes dificuldades para milhares de micro, pequenas e médias empresas.

O saneamento financeiro das contas públicas feito de uma maneira cega, monetarista e demagógica e de cumprimento autista do Pacto de Estabilidade, tem vindo a travar a economia, designadamente o investimento com as conhecidas consequências no tecido produtivo e social.

O saneamento das contas públicas não pode pôr em causa o desenvolvimento.

O défice orçamental no país tem sido a consequência de uma política de clientelismo, de submissão à pressão dos grandes interesses, de uma gestão elitista ao serviço dos ciclos eleitorais. Nos anos em que não há eleições o défice contrai-se, no ano em que há eleições o défice sobe desmesuradamente.

Foi assim nos governos do PSD e no PS. E este governo pretende fazer o mesmo quando se aproximarem os actos eleitorais. É por isso que, as propostas serôdias de Cavaco Silva, sobre o défice não têm qualquer credibilidade, vinda de quem mais utilizou o Orçamento para fins eleitorais e de quem teve os maiores défices orçamentais: -7,4%; -5,2%; -4,5%, respectivamente em1993,94 e 95. As consequências são conhecidas.

Os dados recentemente publicados quer pela União Europeia, quer pelo Banco de Portugal, quer pela OCDE, mostram claramente que a economia portuguesa está praticamente estagnada. E isto, porque ao contrário do que era necessário a política seguida foi a de ampliar os factores de recessão que já se verificavam interna e externamente.

Na verdade o crescimento da economia portuguesa foi inferior à média europeia em 2002, e as previsões oficiais apontam para que esta situação se mantenha em 2003, 2004 e 2005, ao contrário do que é previsto por exemplo, para a Espanha e a Grécia, isto quer dizer que, Portugal vai continuar a divergir, a afastar-se da média europeia, a atrasar-se ainda mais. A Grécia vai ficar à nossa frente e nós vamos ficar ainda mais distantes da Espanha...

Ainda mais preocupante são as previsões da formação bruta do capital fixo, isto é, do investimento que se mantém em taxas negativas e muito baixas nas previsões até 2005, o que significa que estamos a acentuar os factores recessivos e a comprometer o futuro. E isto é muito grave.

Países como a Alemanha, a França, a Itália, que tinham e têm como o nosso país problemas de contas públicas têm estado a sanear as suas finanças públicas de forma mais paulatina e sobretudo sem comprometerem o investimento e o futuro.

Ora no nosso país, em vez de procurar contrabalançar a natural quebra do investimento produtivo privado, com o investimento público tem-se procedido ao contrário.

Esta situação conjugada com o aumento dos impostos indirectos como é o caso do IVA e a diminuição em termos reais do poder de compra de milhares de famílias está a asfixiar a economia, o consumo, e a estrangular o tecido produtivo e comercial mais débil. O marasmo da economia e a redução do consumo interno de forma drástica, designadamente do consumo popular e as quebras verificadas na procura externa vai levar ao aumento das dificuldades de tesouraria e financeiras em muitas empresas, aumentando o número de falências e do desemprego. É necessário inverter esta política e com urgência, antes que a crise económica e social atinja gravíssimas proporções.

A política de concentração da riqueza com benefícios fiscais, apoios e fundos aos grandes; dificuldades para os pequenos e a redução do poder de compra dos reformados, trabalhadores da administração pública e assalariados em geral, vai penalizar sobretudo os micro pequenos e médios empresários. Vai penalizar sobretudo as empresas com menores margens de comercialização e o consumo popular.

Reparem que os indicadores mostram que há quebras substanciais na compra de carros de baixa cilindrada mas não para os de alta gama, que há quebra na compra de casa de menores preços mas que já não o há nos empreendimentos de luxo, que há redução de vendas no vestuário de série mas que continua florescente para as grandes marcas e para a alta costura. Mesmo no turismo verificam-se quebras nos itinerários mais modestos, mas não há crise nos grandes cruzeiros, nos itinerários intercontinentais como se viu neste fim de ano com vários membros do Governo a darem o exemplo. Isto traduz com clareza aquilo que as estatísticas também nos mostram; uma cada vez mais injusta distribuição do rendimento nacional e a hipocrisia do Governo quando afirma que a crise é para todos. Não é.

A substancial redução do poder de compra dos portugueses, o agravamento da situação financeira e os constrangimentos impostos às autarquias, bem assim como o aumento da carga fiscal e a discriminação negativa em relação às pequenas empresas, designadamente em sede de IRC e, em particular, nas alterações ao chamado Pagamento Especial por Conta não augura nada de bom.

A quebra no investimento em obras públicas, o fim da bonificação das taxas de juro para o crédito à habitação jovem e as restrições de acesso ao crédito das autarquias que em muitos concelhos têm peso significativo nas compras e na dinamização económica vai atingir muitas empresas e importantes sectores da nossa economia. E muito particularmente as micro pequenas e médias empresas que já são inaceitavelmente discriminadas no acesso ao crédito e às taxas de juro, nos fundos comunitários, na fiscalidade, nos preços do gás e da electricidade.

Veja-se o escândalo da taxa efectiva paga pela banca em IRC, que em muitos casos se situa nos 12, 13% e compare-se com as taxas pagas pelas micro pequenas e médias empresas.

Veja-se o escândalo da distribuição dos Fundos Comunitários em que as PME’s apenas recebem 4,5% do total em comparação com a Espanha 17,3%, ou com a Grécia 13%, ou com a Itália 21,2%, para já não comparar com a Alemanha 44,5%, ou com a Dinamarca 51,6%.

Veja-se o escândalo dos custos de energia e do gás em Portugal, quando comparados com a Espanha e outros países da União Europeia e a sua distribuição em que as pequenas empresas pagam acima dos 10 euros/100 KW e os grandes consumidores abaixo dos 6 euros/100Kw!

Veja-se ainda os auxílios e as protecções dadas às grandes superfícies e as dificuldades e os entraves colocados às PME´s.

Veja-se as negociatas como é o caso recente da Quinta da Falagueira, feita pelo Governo com um grande senhor do sector imobiliário em que os riscos e os custos ficam a cargo do Estado e em que os lucros especulativos ficam para o multimilionário.

As micro pequenas e médias empresas, que têm dado um importante contributo para a estabilização social e flexibilidade produtiva, pela sua dinâmica, versatilidade e capacidade de resposta às conjunturas, continuam a ser sangradas pelas condições financeiras aplicadas pela banca, pelo desinteresse demonstrado pelo Governo e por uma política ao serviço dos grandes interesses. Mesmo o papel deste sector como amortecedor da crise social tem sido pouco reconhecido e desvalorizado.

Também a nível da União Europeia e a nível internacional é necessário uma outra postura dos governantes na defesa da utilidade económica e social dos micro pequenos e médios empresários e em defesa dos interesses nacionais e da humanidade.

A ameaça de guerra no quadro dos interesses imperiais dos EUA e designadamente dos interesses das empresas petrolíferas americanas e inglesas, está a agudizar os factores de abrandamento económico a nível mundial.

É uma evidência que a guerra é impulsionada pelo complexo militar e indústria de guerra e pela pressão dos gigantes petrolíferos americanos que querem deitar a mão às elevadíssimas reservas de crude do Iraque.

Mas este clima afecta o comércio mundial, o turismo e o investimento, com consequências muito negativas para a economias muito abertas e dependentes como é a nossa.

Os serviços, as pedreiras e os mármores, que têm quotas significativas no mundo árabe, já estão a sofrer muito negativamente as consequências. O Governo português com a sua política de subserviência agrava ainda mais as relações económicas com o mundo árabe.

É necessário parar a guerra antes que ela comece. A guerra pode servir os interesses dos EUA, mas é uma derrota da humanidade.

É necessário pôr cobro à concorrência desleal que sofrem as micro pequenas e médias empresas e a sua predação pelos grandes grupos económicos.

É necessário dar força efectiva que se veja e operacionalidade à intervenção dos serviços de fiscalização do aparelho de Estado, junto das unidades dos grandes grupos e nas importações.

É necessário também, que as despesas públicas de investimento não contem para a determinação das metas do défice orçamental face ao Pacto de Estabilidade.

É necessário ainda que, a nível da União Europeia se exija o comportamento de princípio de coesão económico e social que os apoios financeiros e de crédito melhorem substancialmente em relação às micro pequenas e médias empresas.

É necessário a concretização rápida do estabelecimento dos indicadores objectivos de base técnico-científica para os diferentes sectores da actividade económica para determinar as taxas específicas a aplicar por cada ramos de actividade em matéria de IRC e tomar as medidas de correcção em relação ao Pagamento Especial por conta. E sobre este assunto gostaria de lembrar que, em várias ocasiões e no debate sobre o estado da Nação, em 23.06 de 99, o Deputado Durão Barroso afirmava: «o apoio às PME´s será uma prioridade política. Farei aprovar nos primeiros 100 dias um Programa específico de apoio às PME´s e entre outras medidas um redução do IRC das PME´s para 20% e uma redução para 15% no IRC às PME´s sediadas fora da Área Metropolitana de Lisboa e Porto» e acrescentava ainda em tom pungente: «não posso esquecer que foram as PME´s as mais sacrificadas com o esforço nacional com vista à entrada no euro...».

Hoje podemos perguntar onde está o prometido Programa de Apoio às PME´s? Onde está a redução de impostos? Afinal o apoio às PME´s traduziu-se no Pagamento Especial por Conta, que penaliza sobretudo as micro pequenas empresas, designadamente as que têm uma margem bruta reduzida e um grande volume de vendas.

As pressões das associações empresariais e a intervenção do PCP, levaram a maioria PSD/CDS-PP a introduzir em sede de debate orçamental algumas alterações. A manutenção da taxa em 1% e a redução do valor máximo de referência aliviaram a situação. No entanto, manteve elevadíssimos aumentos da carga fiscal para as micro pequenas empresas que, em alguns sectores atingem cerca de 260% e 1 100%, respectivamente. Ora isto é inacreditável e tem de ser corrigido.

O PCP como se afirma na Declaração deste Encontro, considera que os actuais problemas e dificuldades que os PME´s enfrentam têm respostas, como aliás ficou também claro nas diversas intervenções e propostas apresentadas neste Encontro. Pela nossa parte tudo faremos para que venham a ser concretizadas.

O nosso país, o desenvolvimento económico, o emprego, a vida do bairro e urbana e o ordenamento do território necessitam de sector de (MPME) forte, empreendedor e dinâmico.