Debate de urgência sobre o PROCOM/Urbanismo Comercial
Intervenção do deputado Lino de Carvalho
15 de Dezembro de 1999

 

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados,

O que se tem vindo a passar com o PROCOM – Programa de Apoio ao Comércio, designadamente quanto à medida que engloba os projectos de Urbanismo Comercial, é particularmente grave.

A partir de meados de 98 e 99 o Governo, através do Secretário de Estado do Comércio, percorreu o País, convocou dezenas de reuniões com os comerciantes, as suas Associações e as autarquias, aliciando-os a apresentarem projectos de renovação dos seus estabelecimentos e dos respectivos espaços urbanos, ao abrigo do PROCOM, assegurando a todos que, se o fizessem, os projectos seriam homologados em três meses e as subvenções pagas de imediato. Acenou com milhões e com uma subvenção a fundo perdido que poderia ir de 50% a 66% do valor do investimento. Inicialmente reservados, com legítimas suspeitas – todos têm a memória fresca do fracasso do RIME / Regime de Incentivos ás Micro-Empresas e dos apoios para a introdução do Euro e do bug 2000 - o comércio tradicional e as autarquias, após terem conseguido que os regulamentos de acesso fossem alterados e adaptados à realidade social do sector, acabaram por confiar nas promessas e lançaram-se de corpo inteiro na elaboração e apresentação de projectos. Entenderam, e bem, que – a ser verdade – seria uma boa oportunidade para melhorarem a sua capacidade de atracção do mercado e de competitividade com os múltiplos novos espaços de consumo que se multiplicam por todo o lado (galerias comerciais, hipermercados, centros comerciais, etc.). Mandaram elaborar – e pagaram - projectos de arquitectura e de engenharia, abriram concursos públicos (no que toca ás autarquias), alguns avançaram mesmo nos investimentos recorrendo a capitais próprios ou ao crédito bancário.

Mas que desilusão. Passaram-se os meses e a homologação dos projectos foi-se atrasando. Os poucos que foram homologados levaram mais uns meses á espera de assinar o contrato de financiamento. Assinado este mais outro tanto á espera do pagamento.

Um exemplo concreto: a unidade de gestão reúne em Junho e aprova os projectos. Só dois meses depois são objecto do despacho de homologação do Secretário de Estado do Comércio. Mais três meses para obter o despacho do Ministro do Planeamento. E mais um mês para que o ofício da DGCC a comunicar ao beneficiário a decisão do processo seja enviado. E com isto chegámos a Dezembro. Isto é, entre a decisão da unidade de gestão e a comunicação ao candidato mediaram, nada mais nada menos, do que 6 meses. Ora aqui está uma tarefa para o Ministro Alberto Martins se não suspeitássemos que nada disto é casual. Quanto mais tarde é comunicada a decisão ao comerciante interessado, mais tarde ele inicia as obras e a possibilidade de as terminar a tempo ainda de ser financiado pelo II QCA. E o Governo tem mais um pretexto para não pagar. Isto chama-se má fé, Senhor Secretário de Estado.

Outro exemplo, este relativo às autarquias. Em 1997 é publicado o despacho conjunto 76/97 dos Ministros do Equipamento e da Economia estabelecendo a data de 31 de Dezembro de 2001 como limite para a execução financeira dos projectos relativos aos espaços urbanos. Com base neste calendário as autarquias abriram os respectivos concursos públicos, os empreiteiros programaram as obras, estas começaram de acordo com o respectivo cronograma financeiro de execução física. Eis senão quando, em Julho deste ano, já com inúmeros concursos abertos e projectos em execução, novo despacho conjunto antecipa em um ano e dois meses os prazos para a execução dos projectos. A data limite recuou para 31 de Outubro de 2000. O Governo sabia que esta abrupta alteração iria inviabilizar os projectos em curso e lançar o caos nas autarquias. Também aqui só resta uma explicação: má-fé ou, no mínimo, incompetência completa na gestão de todo este processo.

Os protestos, legítimos, explodiram. O presidente da União das Associações dos Comerciantes do Distrito de Lisboa não guardou as palavras: “O Governo – na parte final da anterior legislatura – andou de terra em terra a prometer apoios. E como se sabe, o que acabou por acontecer é que o dinheiro para este programa de apoio não apareceu, e voltamos a ter o problema da falta de diálogo. Porque uma coisa é não ter dinheiro, outra é não ter coragem para dizer aos comerciantes claramente o que se passa”. Em Portalegre, a Associação Comercial do Distrito acusou o Governo de ter tido uma “nítida intenção de favorecimentos eleitorais”. As candidaturas ultrapassaram (só em Portalegre, Castelo de Vide e Crato) o milhão de contos. Em Santarém, a Associação Comercial informa que no distrito apresentaram 86 projectos no valor de cerca de 1,4 milhões de contos. 75% dos projectos estão já concluídos ou em curso. “Mas apenas três foram ainda aprovados, tendo o prazo que mediou entre a sua aprovação na Comissão de Avaliação e a sua homologação sido de 6 meses”. No Montijo, lamenta-se a Associação do Comércio e Serviços do Distrito de Setúbal afirmando que “dois anos passados desde o início do processo de candidatura ainda não veio um tostão do Estado para a renovação dos estabelecimentos”. No Distrito de Évora foram apresentados 270 projectos, num total de investimento de 3 milhões e 400 mil contos. Só na cidade de Évora houve cerca de 140 candidaturas. Aqui, 36 comerciantes realizaram mesmo as obras. Mas só em oito casos (a que se juntam mais quatro no resto do Distrito) houve, até ao momento, informação de homologação dos projectos e só num caso o comerciante recebeu a respectiva subvenção. Em Bragança, Torre de Moncorvo, Vila Real, Chaves e todo o Alto Tâmega, Guimarães, Barcelos, Cabeceiras e Celorico de Basto, Fafe, são quase 800 os projectos por homologar e pagar.

Os exemplos multiplicam-se, um pouco por todo o País.

A Confederação do Comércio Português já veio a público acusar o Governo de ter enganado os comerciantes e exigir a demissão do Secretário de Estado.

Entretanto as autarquias, como no caso da Câmara Municipal de Évora, estão na contingência de ter de anular os concursos públicos que abriram, com todas as consequências jurídicas e financeiras.

E perante este quadro, o que responde o Governo? Vamos ouvir o que nos diz hoje, aqui. Porque até agora tem imperado o silêncio comprometido. É inaceitável que o Governo ainda não tenha respondido aos requerimentos do PCP sobre esta questão mas tenha ido a correr à televisão acusar os comerciantes de serem responsáveis pela incompetência e o eleitoralismo do Governo. Á exigência de demissão do Secretário de Estado do Comércio formulado pela CCP, veio aquele membro do Governo fazer, para a imprensa, uma insinuação grave. Que tal se devia á demissão de um funcionário da Direcção-Geral do Comércio que seria da confiança da Confederação. Decididamente, o Ministro Carrilho está a fazer escola no Governo.

Nos últimos dias, depois das iniciativas tomadas pelo Grupo Parlamentar do PCP, o Governo acelerou, à pressa, algumas homologações de projectos e alguns pagamentos. Uma gota de água, para tentar esvaziar as críticas, que não diminui um milímetro a oportunidade e importância deste debate. Antes, pelo contrário. Só demonstra ainda mais a inoperância e a má fé do Governo. Mas a verdade é que , de acordo com as declarações do Ministro da Economia e do Secretário de Estado do Comércio o grosso dos projectos vai transitar para o III QCA. Cujas verbas só estarão disponíveis, no mínimo, depois da Primavera de 2000. Cuja taxa de comparticipação, designadamente para Lisboa e Vale do Tejo, não será a mesma. E cujo valor, anunciado pelo Ministro Pina Moura, já está em grande parte comprometido com outros sectores, em projectos que também transitam do actual QCA.

A verdade é que de acordo com a última execução financeira da Direcção Geral do Desenvolvimento Regional, em 30 de Novembro passado, e falando somente da medida onde se integram os projectos de urbanismo comercial, para uma despesa pública programada de 36 milhões de contos já havia compromissos no valor de 43 milhões de contos. Mais 7 milhões de contos. Se ainda estão pendentes de apreciação, como veio a público, qualquer coisa como 8.000 projectos a uma média de financiamento de 7.500 contos cada dá mais 60 milhões de contos. Se a isto somarmos os valores correspondentes destinados às autarquias e aos projectos colectivos temos mais 21 milhões de contos. Só neste conjunto o buraco é de 88 milhões de contos. Como nesta medida estão incluídos também os financiamentos para os Mercados Abastecedores, está bem de ver que a situação está completamente descontrolada e que nem no próximo QCA haverá verbas suficientes.

E não venha, Sr. Secretário de Estado, dizer que isto é o resultado do sucesso do Programa. Não. V. Ex.a., quando andou a utilizar as funções de Estado para fazer comícios pelo País junto dos comerciantes afirmou sempre que no programa havia suficientes verbas para todos. Nunca disse que já sabia que dos 84 milhões de contos iniciais inscritos na intervenção operacional para o comércio, 20 milhões já tinham sido desviados para outros programas Comprometeu-se a homologar as candidaturas em três meses e a pagar logo as subvenções, á medida que a documentação fosse entregue, como lembra bem o Presidente da Associação de Bragança. Nunca disse que havia o risco de não haver dinheiro.. Não, Sr. Secretário de Estado. O que tudo isto quer dizer é que o Governo foi incompetente e instrumentalizou os comerciantes para fins eleitorais. Prometeu o que já sabia não ter e nem sequer dotou os serviços dos meios necessários à apreciação dos projectos em tempo útil. Induziu milhares de comerciantes a elaborarem projectos, a realizar investimentos, investimentos que, entretanto, em muitos casos, foram sendo feitos com recurso ao crédito bancário, e agora deixa o comércio e as autarquias com o menino nos braços.

Já não bastava ao comércio tradicional ter de competir com o grande comércio e as novas centrais de consumo que o Governo continua a inaugurar sem qualquer controle. Já não bastava sentirem os efeitos do Governo não adoptar medidas eficazes que façam cumprir a lei da concorrência. Agora ainda têm de sofrer os efeitos da incompetência e da utilização eleitoralista do aparelho de Estado pelo Governo o que acaba, irresponsavelmente, por se traduzir na futura desmobilização do comércio tradicional. Quem, no futuro, Srs. Deputados, vai voltar a acreditar em promessas, compromissos, projectos de apoio?

Exigimos que o Governo dê respostas claras neste debate. Vai o Governo cumprir integralmente os compromissos assumidos? Vai homologar os projectos apresentados e pagá-los ainda no âmbito deste QCA? Se o não fizer, vai compensar o comércio e as autarquias pelos prejuízos causados? Vai, ao menos, pedir desculpa? Estas são questões a que se exige resposta. Neste contexto a recomendação ao Governo apresentada pelo PP, à boleia deste debate, parece-nos muito pouco recomendável e contraproducente. Com a actual relação de forças parlamentares a não aprovação desta resolução poderia ser interpretada pelo Governo num sentido desfavorável à resolução desta questão e aos interesses do comércio. Da nossa parte, PCP, esta questão não termina hoje. Não desmobilizaremos de continuar a acompanhar esta matéria cuja fiscalização, mesmo depois deste debate, deve continuar em sede da Comissão de Economia.

Aguardamos as respostas.