Relatório da Comissão de Inquérito 8/VII (Apreciação dos Actos dos Governos do PS e do PSD envolvendo o Estado e Grupos Económicos)
Intervenção do deputado Lino de Carvalho
2 de Julho de 1999

 

Exmo. Senhor Presidente
Exmos. Senhores Deputados

A Comissão de Inquérito para "Apreciação dos Actos dos Governos do PS e do PSD envolvendo o Estado e Grupos Económicos" concluiu dois dos dossiers que lhe diziam respeito, o da privatização do BCP/BPA e o do Totta/Mundial Confiança.

Mas só um verdadeiramente tem história suficiente para o trazermos, neste dia, ao Plenário: a do processo Champalimaud.

E tem uma história que se tornou mais actual com os acontecimentos posteriores relativos à venda da holding pessoal de António Champalimaud aos espanhóis do Banco Santander Central Hispano. As irregularidades que rodearam a privatização do BTA e da Mundial Confiança estão bem expressas no projecto de relatório final da Comissão, do deputado Jorge Ferreira, rejeitado pela convergência dos votos do PSD, PP e PS.

Aí está demonstrado, sem lugar a dúvidas, que os Governos do PSD, "prejudicando os interesses patrimoniais do Estado e de terceiros favoreceram António Champalimaud colocando à sua disposição os meios necessários para adquirir empresas do Estado em processo de privatização".

A singularidade deste processo está nos comportamentos dos deputados do PS - com a saudável excepção do deputado Henrique Neto - juntando os seus votos aos do PSD e do PP para abafar o apuramento da verdade depois de, ainda por cima, terem sido dos mais críticos ao longo do decurso do inquérito. Sabe-se agora, por declarações dos próprios e do Secretário de Estado do Tesouro o que se passou: o PS tinha consciência dos favores do PSD que tinham conduzido à reconstituição do império Champalimad (como aliás o Primeiro Ministro confirmou no debate do Estado da Nação); mas o PS e o Governo a única coisa que se lembraram de fazer foi um acordo com António Champalimaud em que, pelo seu lado, o PS impediria o apuramento da verdade e, em contrapartida o Sr. António Champalimaud se comprometia a não vender aos espanhóis. Isto é, o PS - que agora multiplica discursos e acusações hipócritas contra o negócio com os espanhóis - sabia desse negócio e a única coisa que decidiu fazer foi mentir na Comissão de Inquérito arrastando os seus deputados para posições indignas do ponto de vista político e do ponto de vista pessoal. No final da história o Sr. Champalimaud riu-se (e seguramente continua a rir-se) dos contorcionismos do PS e vendeu mesmo. Há uma expressão muito popular para quem assim quis ser enganado que, Sr. Presidente, por respeito para com a Assembleia me abstenho de citar ... A verdade é que se o relatório da Comissão de Inquérito tivesse sido aprovado seguramente que o Sr. Champalimaud teria mais dificuldades em levar a bom porto o processo de venda ao BSCH do controle de centros estratégicos da economia. Portanto o PS que não venha chorar, agora, lágrimas de crocodilo, porque ele é tão responsável quanto o PSD pelo escândalo que tem constituído a reconstituição do império Champalimaud, feito exclusivamente à custa dos dinheiros públicos. O Sr. Champalimaud não despendeu um tostão de seu na compra da Mundial Confiança, Totta & Açores e Crédito Predial Português. E agora a sua conta pessoal vai engordar em 120 milhões de contos com dinheiro e acções da venda daquilo que foi pago pelo erário público. Grandes negócios, com o apoio do PSD, do PP e do PS.

Esta é, senhores deputados, uma história exemplar do que não deveria nunca acontecer. Quando ainda ontem ouvimos aqui os verbalismos radicalistas do PS contra o desprestígio das Comissões de Inquérito, então é oportuno dizer que são comportamentos destes que, esses sim, desprestigiam as Comissões de Inquérito. Fazemos votos para que o PS tenha aprendido a lição e, sobretudo, fazemos votos para que este processo seja um motivo de reflexão para o Governo reavaliar todo o processo de privatizações, pondo-lhe termo e reavaliar a forma como estabelece as suas relações com os grupos económicos.