Adopção de medidas contra a deslocalização de empresas
Intervenção do deputado Lino da Carvalho
10 de Março de 1999

 

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

As deslocalizações de empresas transnacionais é um processo que tem vindo a concentrar as preocupações de muitos países e de diversificados sectores da opinião política.

Por iniciativa do PCP, em Janeiro passado, realizámos aqui um debate de urgência sobre vários casos concretos de deslocalização de multinacionais que estavam - e estão - a atingir o nosso País.

Trata-se agora de ir mais longe. A partir da nossa experiência concreta e tendo como pano de fundo a reflexão que sobre esta matéria é feita por trabalhadores, sindicatos, economistas, instituições internacionais, propomos que a Assembleia da República dê um contributo útil nesta questão pronunciando-se e recomendando ao Governo a adopção de um conjunto de medidas que permitam evitar ou minimizar as consequências económicas e sociais do crescente movimento de deslocalização de transnacionais, muitas vezes sem qualquer respeito pelos compromissos assumidos, pelos direitos dos trabalhadores e dos Países onde se instalam.

Há hoje um crescente e continuado processo de globalização da economia que dá origem a gigantescos fluxos de IDE e movimentos financeiros.

Mas é preciso distinguir entre a globalização ou mundialização das relações económicas internacionais resultante do desenvolvimento tecno-científico, enquanto lei objectiva da economia, e as políticas de desregulamentação neo-liberal que transformam essa globalização numa selva sem regras , onde os objectivos do máximo lucro a qualquer preço, os sacrossantos interesses do mercado e o domínio do capital financeiro dominam a lógica do sistema.

É verdade que "a unificação progressiva dos mercados mundiais de bens, de serviços e de capitais "arrastam um integração cada vez maior da produção à escala mundial. Mas este processo está assente, hoje, num objectivo central; atingir o máximo de rentabilidade para os capitais envolvidos apropriando-se crescentemente da mais valia gerada pelos trabalhadores e do incremento de produtividade conseguido e igualmente rentabilizar ao máximo as carteiras de investimentos e aplicações financeiras. É o "made in the world" a substituir o "made in Portugal" (ou outro País).

Se para tanto é necessário ou útil encerrar empresas, desinvestir, transferir-se ou deslocalizar-se de um país para outro, e de um momento para o outro isso não é problema.

Os custos de encerramento de unidades produtivas e da transferência do negócio de uma para outra região do globo são largamente compensados pelos novos ganhos de competitividade que vão obter à custa de novos apoios e da redução dos custos dos factores de produção, designadamente do preço da força do trabalho.

A praticamente total desregulamentação do investimento transnacional proporcionando uma elevada rotação na circulação de capitais, sem qualquer controle, está hoje na base de crises económicas, de desemprego, de depressão em muitas regiões, de novas exclusões.

A impunidade e arrogância com que o capital transnacional viola as seus próprios compromissos e trata os países (alguns países) onde se instala é a impunidade e a arrogância de quem se sente senhor do mundo.

O que se está a passar no nosso País com a Texas-Instruments Samsung Electronic (TISEP) é um bom exemplo.

A TISEP, em 1995 recebeu 10,4 milhões de contos de incentivos e benefícios fiscais e de apoio à formação profissional para um contrato de investimento comprometido até 2004.

Decidindo de repente encerrar a empresa e transferir-se para outras paragens a TISEP suspendeu a produção em Janeiro passado, vai encerrar até final deste mês de Março, os trabalhadores foram despedidos e ao contrário das promessas do Governo e da empresa até ao momento apenas 50 dos cerca de 400 trabalhadores da produção foram recolocados noutras empresas. Para os restantes é o desemprego. Pois bem. O director geral da TISEP afirmou recentemente, de forma arrogante e chantagista, numa entrevista, a propósito do montante que deveria ser objecto de indemnização ao Estado português, que se o País insistisse muito no pagamento das indemnizações, isso seria mau "para a reputação de Portugal como País capaz de acarinhar o investimento estrangeiro". E afirmava ainda "a comunidade empresarial é muita pequena e granjear má reputação para um País é muito fácil".

Este é um exemplo do nível de arrogância com que as multinacionais tratam os interesses de cada Estado.

É isto que é preciso regular e disciplinar.

O Engº António Guterres, num Congresso da Internacional Socialista defendeu, em palavras, a necessidade, de regular o IDE. Pois bem, Senhores Deputados do PS, têm agora uma boa oportunidade de passarem das palavras aos actos quando os processos de deslocalização vão tender a acelerar-se dentro da própria zona do Euro.

E como a alternativa não é, para o PCP, entre desemprego ou a diminuição dos salários e direitos sociais dos trabalhadores; entre aceitar o investimento e o poder das transnacionais a qualquer preço ou passar a um regime de autarcia económica, apresentámos o projecto de resolução que está em debate e corporiza um conjunto de cinco medidas que a Assembleia da República assume e que o Governo deverá tomar em conta: levar o Governo a promover nas instâncias internacionais o debate e a adopção de medidas visando regular o IDE e os processos de deslocalização de empresas; alterar a legislação sobre indemnizações por despedimentos reforçando as compensações a pagar aos trabalhadores que perdem o emprego em resultado de processos de deslocalização; aumento do período com direito ao subsídio de desemprego; programa público de apoio às autarquias e às pequenas e médias empresas subcontratadas vítimas de deslocalizações; reembolso das ajudas públicas recebidas e revelação pública dos contratos e ajudas outorgadas quando houver violação dos compromissos assumidos pelas transnacionais.

Estas medidas não são obviamente o alfa e o omega desta questão mas são um contributo válido, ao nível de acções concretas e de criação de maiores condições de transparência nos processos de investimento das transnacionais.

Não sendo uma questão resolúvel unicamente dentro das fronteiras de cada Estado não se pode contudo, a pretexto disso, alienar as responsabilidades que a cada Estado soberano também incumbem.

Não bastam grandes discursos de preocupação ética. As transnacionais convivem bem com as palavras. São precisos actos. Nós propomos alguns. Cabe aos restantes grupos parlamentares demonstrar a sua coerência nesta matéria juntando as palavras e os actos.

Disse.