Debate de urgência sobre deslocalização de empresas transnacionais
Intervenção do deputado Lino da Carvalho
20 de Janeiro de 1999

 

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Sr. Ministro da Economia,

Nos últimos tempos têm vindo a acumular-se sinais preocupantes quanto ao comportamento das transnacionais no nosso País, concretizado no encerramento de diversas unidades produtivas e em decisões de desinvestimento, com o único objectivo, em regra, de se deslocalizarem para outros países, deixando atrás de si um rasto de milhares de desempregados e de dificuldades nas regiões que abandonam.

Os exemplos, para só citar os casos mais recentes, são múltiplos:

- a Texas Instruments-Samsung Electronic, na Maia, que tem um contrato programa assinado com o Estado português onde se compromete a manter o investimento - pelo qual terá recebido, pelo menos, 4 milhões de contos em apoios - até 2004, comunicou abruptamente que encerraria a sua fábrica até 31/03/99 promovendo o despedimento colectivo dos seus 748 trabalhadores;

- a Nestlé, que tem uma história recente de compra, logo seguida de encerramento, de empresas concorrentes (como foi o caso da Tofa, em Linda-a-Velha, da Rajá e da Findus) anunciou agora o encerramento da fábrica de iogurtes Longa Vida, em Matosinhos, liquidando mais de uma centena de postos de trabalho e transferindo-se para Espanha;

- a ERU, produtora de queijos, no concelho de Cascais, que recorreu ao plano Mateus, decidiu, em Dezembro passado, liquidar a produção, lançando no desemprego mais de 50 trabalhadores e transferindo-se para a Holanda;

- a Siemens anunciou, em Novembro passado, um processo de desinvestimento nas suas unidades de relés e semi-condutores, afectando em Portugal três fábricas, uma em Vila do Conde e duas em Évora. Évora, onde uma das fábricas tinha sido inaugurada em Setembro passado, com pompa e circunstância pelo Primeiro Ministro António Guterres que, qual permanente anunciador de boas-novas, afirmou "estar ali o futuro do Alentejo" depois de ter concedido á multinacional alemã, só para aquele projecto, apoios de, pelo menos, três milhões de contos a que há que somar os apoios e investimentos da Câmara Municipal de Évora. Processo de desinvestimento, porquê ? Porque apesar de serem fábricas com os equipamentos "mais avançados do mundo" e "elevada produtividade", apesar do Grupo Siemens ter terminado o ano fiscal de 1998 com um lucro líquido global de 270 milhões de contos e as vendas a subirem 10% em relação ao ano anterior, apesar disso decidiu desinvestir no sector dos semi-condutores e condensadores, atingindo as fábricas portuguesas, porque uma circunstancial taxa de rentabilidade nesta área menor que a média de crescimento do Grupo estaria a prejudicar o volume global dos lucros e a "optimização do port-folio". Entretanto, contrariando as ilusórias declarações de acalmia feitas então, já começaram por despedir, numa das fábricas, os trabalhadores contratados a prazo depois de, anteriormente, terem seguido o mesmo percurso, nas unidades de cablagem no Porto Alto e na fábrica de disjuntores, no Seixal, deslocalizadas para a Polónia e a Grécia e se prepararem para fazer o mesmo, em 1999, à fábrica de Corroios. Só no caso do Seixal recebeu a Siemens, através da sua empresa Indelma, 1 milhão de contos de apoios no âmbito do SIBR e preparando-se, agora, para a repetir a proeza na Grécia;

- a Ford anunciou que deixará de produzir, a partir de meados do próximo ano, o único modelo que mantém a fábrica da Azambuja em laboração, sem apresentar, até ao momento, nenhuma alternativa. Entretanto, a nova Transit será produzida em Genk (Bélgica) e Southampton (Inglaterra);

- a Renault (Setúbal) foi o que se viu. Ao contrário das promessas do Governo, encerrou, acabando em Portugal com a produção do modelo Clio e indo produzir a nova versão para a Eslovénia. Agora, prepara-se para fazer o mesmo em Cacia (onde obviamente não criou nenhum dos 180 postos de trabalho prometidos pelo Governo como "compensação" pelo encerramento da fábrica de Setúbal).

Os exemplos poder-se-iam, infelizmente, multiplicar por "n" vezes: Yazaki-Saltano, em Gaia; Philips, em Ovar; Delphis, em Castelo Branco; Grundig- Auto Rádios, em Braga; Borealis, em Sines, são multinacionais detentoras de empresas sobre as quais recai a ameaça iminente de reestruturações, encerramentos, despedimentos, deslocalizações.

Só este conjunto de exemplos representa mais de 9.000 trabalhadores, a que há que adicionar as centenas de postos de trabalho de empresas subcontratadas que gravitam à volta das multinacionais, como é o exemplo da Siemens, em Évora.

Esta é a outra face do paraíso rosa. Menos mediatizada e ausente dos gloriosos e constantes discursos do Governo, mas dramaticamente real.

Srs. Deputados,

As justificações para estes processos são, invariavelmente, as mesmas. Procura de outros "paraísos" onde à custa da exploração de mão de obra ainda mais mal paga do que em Portugal, muitas vezes com violação dos direitos mais elementares, designadamente com recurso ao trabalho infantil e à custa de um menor preço ambiental as multinacionais pretendem atingir a máxima taxa de lucro e de remuneração dos capitais, à custa de tudo e de todos.

Processos de deslocalização que, embora com outras razões mas com o mesmo objectivo, também já se produzem no interior da União Europeia e que se vão, obviamente, agravar com a introdução do EURO.

Tudo isto, conduzido com a arrogância de quem sabe que os seus interesses e estratégias dominam cada vez mais as manchas rosa ou laranja do poder político; com a arrogância de quem tudo pretende submeter aos seus objectivos de máximo lucro. E perante isto que fazem as instituições internacionais, os Governos e, em particular, o Governo PS ? Nada, ou pouco mais que nada. Não se ouve, nem ao Primeiro ministro nem ao Ministro da Economia uma palavra de crítica. Recusam-se a divulgar as condições dos contratos e dos compromissos assumidos pelas transnacionais, colocam-se de cócoras perante os seus ditames e, inclusivamente, preparavam-se para aceitar o AMI que iria agravar ainda mais a desregulamentação do investimento estrangeiro e o domínio das transnacionais sobre os países e sobre os direitos dos trabalhadores.

Hoje, o que se ouve ao Ministro Pina Moura são palavras de compreensão perante as decisões das transnacionais. Mas ontem, Sr. Ministro, quando o PS estava na oposição e V.Exa. já era um jovem quadro socialista cheio de ambições, as suas palavras eram bem diferentes. Recordo-lhe o artigo que escreveu num diário de expansão nacional, a propósito do caso Renault: "a reacção frouxa do Governo português parece revelar uma incompreensão essencial. É que ás multinacionais e aos seus feudos de "não-direito" se aplica, com particular propriedade, uma frase célebre de De Gaulle: fazem tudo o que se lhes permite, aceitam tudo o que são obrigadas". Pois é, Sr. Ministro. Não sei se há alguma frase do General De Gaulle que se lhe aplique. Mas o que sei é que, tal como ontem com o PSD, o Governo PS nada obriga ás multinacionais. Mas o que sei é que o Governo, no essencial, só faz duas coisas. Procura apoiar-se neste processo para pressionar os trabalhadores a aceitarem cada vez mais medidas de desregulamentação da legislação laboral, de aceitação do trabalho precário, de diminuição dos seus direitos e de salários baixos. Inventou um Secretário de Estado cuja missão essencial é a de confortador de almas, de apaga-fogos, de vendedor de ilusões que criem almofadas visando travar a contestação e o protesto social.

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

O PCP considera que o IDE é necessário. Mas não a qualquer preço, mas não permanentemente à custa dos direitos de quem trabalha.

O PCP tem consciência que o problema não se confina ás fronteiras nacionais mas isso não desresponsabiliza o Governo de assumir, nas instâncias internacionais, o debate das medidas necessárias para travar este processo e de adoptar, no plano interno, medidas que penalizem quem assim se comporta e protejam os direitos dos trabalhadores. É que uma coisa é a globalização. Outra, bem diferente, são as opções neo-liberais que a alimentam e que conduzem ás políticas de desregulamentação do investimento directo estrangeiro, aos gigantescos movimentos especulativos de capitais, à liquidação dos direitos laborais.

É o combate a este modelo que distingue e sublinha uma verdadeira política de esquerda. É o combate a este modelo que o PCP propõe e, por isso, entregamos na mesa um projecto de resolução centrado em cinco pontos: necessidade do Governo suscitar nas instâncias internacionais o debate e a adopção de medidas visando disciplinar o IDE e os processos de deslocalização de empresas; revelação pública dos contratos e ajudas outorgadas em caso de deslocalização de empresas; alteração da legislação sobre indemnizações por despedimento e alargamento dos prazos com direito ao subsídio de desemprego; programa público de apoio ás autarquias e pequenas e médias empresas vítimas de processos de deslocalizações; reembolso, pelas transnacionais, das ajudas públicas recebidas em caso de violação de compromissos com pagamento de indemnizações aos países e municípios lesados.

Não temos tempo regimental para mais. Esperamos que, no mínimo, V. Exas. participem neste debate abandonando argumentos estafados e convirjam connosco nas preocupações e nas medidas que propomos para um problema sério tendo como linha de rumo a defesa dos direitos de quem trabalha e o desenvolvimento sustentável do nosso País e da nossa economia.

Disse.